Semana passada, a florada de ipês amarelos chamou atenção dos francanos que não tinham visto ainda tamanha exuberância. Por conta das altas temperaturas, longa estiagem e baixa umidade do ar, as árvores floresceram como nunca, lembrando grande esforço de sobrevivência via sementes. Tudo quer viver. Alegres manchas solitárias nas matas, em meio a condomínios, enfileiradas nas avenidas, à beira de algumas rodovias, salpicando bairros, praças, jardins e ruas, elas foram protagonistas de um espetáculo para os que ergueram olhos a fim de assistir a ele.
No calendário vegetal, antes das amarelas abriram-se as roxas e em seguida as rosadas; fechando o ciclo, as brancas, que são raras e com duração máxima de cinco dias. Cada flor tem seu tempo de duração, de modo que não se veem todas as cores ao mesmo tempo. Em nossa cidade, uma exceção que confirma a regra foi registrada na avenida São Vicente, fundos do Castelinho. Flores roxas, rosadas, amarelas e brancas puderam ser vistas ali lado a lado na última semana de agosto.
Motivo de orgulho bairrista, tais árvores não são, entretanto, exclusivas do Brasil, embora a amarela tenha sido legalmente tornada símbolo do país. Cem espécies se esparramam pelas Américas, do México à Patagônia. As cores mais frequentes são as citadas, mas na paleta da natureza vicejam tons nuançados, afirmam os biólogos. E há, sim, as verdes, preciosidade. Todas vivem em média cinquenta anos, começam a florir aos três, podem chegar a oito metros de altura, alcançam cinco de copa e guardam na etimologia a lembrança indígena: seu nome significa “casca grossa”.
Para os que se surpreendem com a beleza das árvores nas atuais condições de seca extrema, registre-se o fato de que elas possuem raízes profundas, que lhes permitem extrair água do subsolo mesmo em situações como essa que atravessamos, de clima saariano.
Dentre as desabrochadas no começo da temporada, em junho, o destaque fica por conta das que formam cachos parecidos a esferas, e daí o nome popular, ipê-bola. Em todas as espécies, a guia de néctar de cada flor tem estrias pavimentadas com pelinhos e esse desenho facilita o pouso dos insetos. Polinizadas, as flores se transformam em frutos no formato de vagens finas e compridas que, afirmam ouvidos acurados, fazem um leve ruído quando, bem maduras, se abrem para liberar as sementes.
Essas serão levadas pelo vento a distâncias consideráveis. A logística faz entender o motivo de não serem encontrados, na natureza, bosques ou alamedas de ipês; quando existem resultam de mudas já desenvolvidas, plantadas próximas umas das outras. Nesse curioso capítulo da vida reprodutiva, talvez seja interessante lembrar que uma delicada e levíssima membrana, que lembra papel de seda, envolve com delicadeza a semente, servindo-lhe de asas que lhe permitem alçar voo na direção indicada pelo vento e depois aterrissar em solo fértil.
Em Franca, administradores de décadas passadas, cujos olhares contemplavam também o paisagismo como componente do bem-estar dos cidadãos, foram responsáveis pelo plantio de centenas de mudas de ipês em avenidas da cidade. Colhemos hoje a beleza um dia sonhada por políticos não contaminados pelo imediatismo. É provável que tais pessoas públicas já soubessem o que hoje dizem os biólogos. Sempre que nossos olhos veem algo agradável o organismo libera hormônios do bem-estar que são altamente benéficos à mente, mesmo que por instantes. Essas sensações funcionam como válvula de escape momentâneo. No mundo conturbado e estressante que caracteriza a pós-modernidade, são um bálsamo.
A floração dos ipês está terminando. O calendário se fecha com raros tapetes amarelos e brancos ainda visíveis no chão. Até aí as árvores exibem sua vocação para a beleza. Daqui a alguns dias, folhas que ainda se agarram aqui e ali vão se misturar às vagens cujo crescimento se fará mais rápido com as próximas chuvas. Por enquanto, a alguns desavisados poderá parecer que as árvores morreram, depois do esforço para parir tanta beleza. Mas assim que de fato a primavera se impuser, brotos vão irromper e no final do próximo verão estarão compondo densa copa verde. Antes disso as vagens terão mostrado a que vieram. Outono chegando, outra vez veremos o despencar das folhas a indicar o labor interno das raízes produzindo seiva e metabolizando substâncias diversas. E assim no próximo inverno humanos sensíveis serão brindados com outro espetáculo.
Nesse processo que dura doze meses, e cuja previsibilidade não retira o mistério nem o encanto, as cascas do ipê terão endurecido ainda mais, como placas protetoras ao interior do tronco. Lá dentro, no cerne, sem qualquer ruído, gesta-se o novo de novo.
Como não pensar em outras transformações, muito além do mundo vegetal, que também ocorrem em absoluto silêncio?
Sonia Machiavelli é professora, jornalista, escritora; membro da Academia Francana de Letras