Pai, tenho tanto para lhe dizer e não sei como expressar. Como você, também sou de poucas palavras. Sempre demorei corresponder sua preocupação, desde cedo vi seu corre para dar condições de carinho e dinheiro para seguirmos sonhando. Não respondia suas mensagens quando perguntava se tudo estava bem, se fui bem naquela viagem ou se realmente tinha vontade de realizar os planos que fazia. Nem sempre estive bem e você sempre esteve comigo, mesmo quando moramos longe um do outro seu espírito iluminado sondava meu coração enquanto eu dormia. Acho que todas as pessoas têm dias ruins que parecem uma eternidade, tenho vivido esse dia de saudade e opor isso estou lhe escrevendo.
Ontem postei uma foto nossa na rede social, lembra aquela viagem para Caconde em que descemos o rio numa corredeira brava e você, mesmo inseguro por causa do pé que tinha quebrado meses antes, se aventurou comigo para me dar apoio? Aquela foto, os comentários dos amigos me fizeram sentir ainda mais saudade de você. Hoje percebo quanta falta você faz para tanta gente, sinto até ciúmes confesso, se você estivesse aqui estaria rindo e dizendo “você não muda nunca”. Mas você não está. Não como preciso, tão perto que possa me abraçar. E são tantos pais ausentes no dia de hoje, dia dos sempre me comove. Estou amadurecendo e você faz parte disso, me guiou ensinamentos que antes não faziam sentido, o tempo se incumbe de nos colocar no lugar uns dos outros.
Nunca quis pesar aos seus ombros mais uma noite de sono, e foram tantas naquela época, você fazia de conta que nada acontecia despois do meu choro, mas dizia “siga um passo de cada vez” ou “foco no presente” ou “pratique mais princípios que personalidade” ou “nada perde quem é grato”. Por que você se foi tão cedo? Devia era ficar velho gagá irritante como todo homem velho gagá irritante, que eu teimaria cuidar de você como nunca fiz, como sempre desejei sem dizer para você talvez por que no fundo eu acreditasse que os pais são eternos presentes.
Sei que importa é viver o dia de hoje, você me ensinou. Saí cedo neste domingo Dia dos Pais e abracei nosso vizinho que ainda faz hemodiálise. Depois fui até a padaria para ver o Sebastião, fui ao mercado da Rosália fiz a mesma coisa, abracei os pais que encontrei aleatoriamente e chorei para eles as palavras que nunca tive a coragem de dizer você: obrigado por ter abraçado a paternidade! O mundo preciso de homens corajosos que cuidem das novas gerações, nosso destino de esperança.
Você continua dentro de mim, somos parte um do outro. Hoje te vejo em cada gesto amoroso, de cuidado, dos pais dos outros que pelo meu caminho encontro. E se neles reparo, é como se a sua presença crescesse em mim por reconhecer seu amor mesmo não estando mais aqui. Eu termino meu canto, minha oração, meu lamento, sem tristeza e dobrando a fé nas suas palavras guardadas no meu íntimo: seja forte, seja tudo e não deixe para depois o viver agora.
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Baltazar Gonçalves é formado em História, professor e escritor membro da Academia Francana de Letras. Acaba de lançar o livro Quando permitir a maré pela editora Patuá.