16 de julho de 2024
CAPITÃO DO ACESSO

O outro lado da faixa: quem é João Pedro da Silva

Por Lucas Faleiros | da Redação
| Tempo de leitura: 8 min
Arquivo pessoal
Capitão da Francana, João Pedro comemora acesso à Série A3 do Campeonato Paulista

A garra em campo. A vontade de vencer a todo custo. As broncas nos companheiros. A ênfase ao comemorar um desarme, um gol ou o acesso a uma divisão que não era disputada pelo clube representado há quase uma década. A braçadeira de capitão fixa à manga da camisa, transparecendo liderança.

Todos estes são aspectos que podem ser – e normalmente são – notados pelos torcedores da Francana em João Pedro, um dos líderes da equipe que recolocou a Veterana na Série A3 do Campeonato Paulista depois de nove anos. Mas a vida de um jogador tem muitos lados. Lados que, em suma maioria, passam desapercebidos pelas multidões.

A simplicidade no jeito de viver. O fascínio pelo futebol – e não só por jogá-lo. A vontade de evoluir a cada dia mais. Os caminhos percorridos e os perrengues vividos ao longo da trajetória como atleta. A serenidade ao dizer que nem tudo acontece como se imagina desde as primeiras fases da vida. Os estudos para se tornar jornalista.

Estes também são pontos da vida do mesmo João, o João Pedro da Silva, mas que estão do outro lado da faixa de capitão e pouco são explorados em conversas de torcedores ou mostrados pelos noticiários.

Fora das quatro linhas, sem a braçadeira, o francano é a personificação da tranquilidade, contrastando com o que ele apresenta quando veste a camisa 5 da Francana.

“Acredito ser um cara muito tranquilo. Até comento com as pessoas de quem sou próximo. Quem vê aquele cara mais enérgico, que entra forte nas disputas no campo, percebe que sou totalmente o oposto do lado de fora. Gosto de resenha, de conversar, de ficar em casa... sou bem família”, conta João Pedro.

Os momentos de relaxamento e diversão ao lado de parentes e amigos são, inclusive, muito valorizados pelo jovem, que não dispensa reuniões divertidas e regadas a música. “Eu gosto muito de ir a lugares com música ao vivo. Principalmente, quando tem samba e pagode. Mas a gente sabe que existem limitações pela vida de atleta. Não posso ficar em noitada e nem sair em dia de jogo, mas, sempre que possível, busco me divertir com responsabilidade”.

Só que nem só de música e resenha com os amigos vive o jogador de 25 anos. O esporte, até pela trajetória e pela carreira, está tão infiltrado na vida de João quanto o sangue que corre em suas veias. “Eu gosto muito de ver os jogos de futebol e analisar os diferentes níveis e formas de se jogar. Mas também curto assistir basquete, futebol americano... até jogar basquete, quando estou de férias. Não me chame para jogar futebol. Se for basquete, eu topo”, disse aos risos.

Caminho percorrido

A vida de João Pedro no futebol começou cedo. Com os primeiros passos como jogador nas escolinhas de futebol de Franca, o volante, que também já fez as vezes de zagueiro e lateral-direito, evoluiu e ingressou na base do Taquaritinga. De lá, passou por Francana, José Bonifácio, América-SP e Rio Claro, onde iniciou a vida como jogador profissional.

Depois da passagem pelo Galo Azul, o meio-campista disputou alguns campeonatos sub-20 pelo Rio Preto, de onde partiu para o Taquaritinga, clube pelo qual jogou a Segunda Divisão do Campeonato Paulista, hoje a Série A4, e marcou dois gols.

Após o torneio, vieram passagens por Inter de Bebedouro e Brasilis, antes do retorno a Franca. Entre primeira e segunda contratações pela alviverde, ainda viria um período no Tocantins, atuando pelo Bela Vista.

Francana

A relação de mutualismo entre o volante e a Francana se iniciou em 2022, quando ele foi contratado para a disputa da então Bêzinha (quarta divisão estadual). Desde o primeiro momento, João Pedro conquistou a confiança dos companheiros e do comando técnico, à época de Gustavo Cocão, assumindo a função de capitão.

Mas a primeira passagem por Franca como profissional durou pouco. Depois de nove jogos, a Veterana deu adeus à competição ainda na primeira fase, sem conseguir a classificação no grupo 3. Por atingir o limite de idade da competição, João Pedro não poderia participar da campanha em 2023, o que, para ele, faria sentido um tempo depois.

“Foi uma experiência nova pra mim e pra todos. O time de 2022 foi uma espécie de experimento que serviria, depois, para que o time de 2023 fosse bem e o de 2024 conquistasse o acesso”, analisou.

E por falar no acesso deste ano, já com a nomenclatura de Série A4, João Pedro considera o feito o mais importante de sua carreira. O torcedor da Francana, que vivia angustiado desde a queda da Série A3, em 2015, teve, enfim, um alento e pôde comemorar – o que também foi feito pelo elenco.

“Algumas pessoas já nos criticavam antes do início do campeonato. Depois da fatalidade de perder o primeiro jogo, em Jaú, então... Por tudo que aconteceu, foi muito importante. Me considero na história do clube. Não vou falar que sou ídolo, mas quero deixar um legado”.

Legado que, pela liderança e pelas conquistas, tem sido escrito. Em todos os duelos em que esteve em campo vestindo a camisa verde e branca, o camisa 5 foi capitão. Algo que se tornou natural para ele desde as categorias base, mas só aconteceu em Franca graças à confiança dos colegas de equipe e do segundo técnico.

“Começou com o Cocão e o Wantuil manteve, viu uma liderança em mim. Fora o respaldo da diretoria também. Mesmo com jogadores mais experientes, continuei com a faixa porque todos me abraçaram. Ter moral com o grupo é fundamental e tivemos um grupo fenomenal na A4”, relembrou.

Baque

Apesar do principal objetivo ter sido alcançado, que era subir a Francana de divisão no futebol estadual, um acontecimento ficou marcado de maneira negativa para líder do time: a derrota na final para o Rio Branco. “Foi doído por tudo que a gente tinha feito. O título seria para coroar. Mesmo com o acesso, ficou aquela dor. Poderíamos ter sido campeões. Ainda assim, no final de tudo, ficou a sensação de dever cumprido.”

Resenhas

Quando se fala em vida de jogador profissional, as pessoas imaginam como devem viver atletas badalados, como Neymar ou Vini Jr., mas as vivências da esmagadora maioria dos que estão no ramo do futebol são extremamente diferentes.

No esporte do interior, a “diversão” está em encarar os momentos de adversidade com bons olhos. E eles são mais comuns do que se pensa. “Problema é o que mais tem”, nas palavras de João Pedro.

Um dos episódios envolve, curiosamente, a Francana. Foi em 2019, quando, pelo Taquaritinga, o volante viajaria a Franca para um confronto pela Segunda Divisão do Campeonato Paulista, mas...

“O pneu do ônibus furou quando estávamos saindo da cidade. A gente precisou voltar para Taquaritinga. Três jogadores e eu conseguimos vir em um carro, enquanto os outros tiveram que viajar em uma van da torcida, que mal conseguiu ver o jogo porque chegou no fim do jogo, de ônibus. Terminou três a zero para a Francana. A gente nem conseguiu se aquecer”, relembra.

Em meio aos perrengues, no entanto, existem os momentos em que as vidas dos jogadores do interior se cruzam com as dos que obtiveram, por enquanto, maior badalação. Como também em 2019, ano em que João teve que marcar Antony, hoje do Manchester United, da Inglaterra.

“A gente foi eliminado pelo São Paulo. Tinha o Rodrigo Nestor, o Antony... esses caras. Acredito que o Antony tenha sido o melhor jogador que já enfrentei. Eu estava jogando de zagueiro e ele só caiu uma vez para o meu lado. Na hora, já falei ‘não... deixa pra outro mesmo’”, contou João, que jogava pelo Rio Claro.

E também sobra tempo para criar e fortalecer laços de amizade com colegas de equipe. É o caso da parceria entre o capitão e o zagueiro Victor Garcia. “Eu até vou ser padrinho de casamento dele. Somos amigos desde 2022 e, normalmente, a gente divide quarto na concentração. O pior é que eu vivo puxando a orelha dele dentro do campo, enquanto ele é mais quieto. Eu até me desculpo depois”.

Deu certo

Com sete anos de carreira profissional e 25 de vivências, João Pedro pode olhar para trás e dizer que, por mais que nem tudo tenha caminhado da forma imaginada, as coisas deram certo.

“O João pequeno achava que o futebol era ‘mil maravilhas’ e tinha certeza de que jogaria em um time grande, mas não é assim. Tem muitos pontos bons, mas também tem as lutas. Diria para tirar da cabeça que seria fácil, porque não é. E que ele pode treinar mais (risos). Mas que tudo vale a pena”.

Pensando no futuro, o volante tem vontade de permanecer na Francana para outros campeonatos, como a atual Copa Paulista, e nutre mais sonhos. “Queria ouvir do meu eu futuro que tudo valeu a pena e que construí um legado. Que eu deixei coisas positivas para os outros. Também quero alcançar estabilidade financeira e jogar fora do Brasil”.

Além de tudo, João Pedro ainda mantém um plano para quando parar de jogar: o Jornalismo. Conciliando a vida de atleta, ele se forma no curso este ano e, por mais inesperado que seja, contou que a opção pelo segmento nada tem a ver com o esporte.

“Não necessariamente. Eu sempre quis fazer algo relacionado à área de humanas. Pensei até em Direito e Relações Internacionais. O Jornalismo é amplo e, no futuro, tenho a intenção de trabalhar com comunicação. Não precisa necessariamente ser na imprensa esportiva”, finaliza.