16 de julho de 2024
OPINIÃO

Você já trabalhou na roça?

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 9 min

O período trabalhado na roça pode fazer MUITA diferença na hora de aposentar, antecipando a data e/ou tendo um cálculo mais vantajoso. E para quem já está aposentado e não usou esse período, dá para pedir a REVISÃO, que poderá aumentar o valor da aposentadoria e ainda gerar atrasados dos últimos 5 anos.

Não importa se a época que você trabalhou na zona rural foi na sua infância, ou com a família, ainda que não tenha qualquer tipo de pagamento para a Previdência Social. Repita-se: não importa a idade em que o indivíduo trabalhou por lá, não importa se houve (ou não) recolhimento para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ... Não interessa se a propriedade era da família ou era arrendada ou tinha contrato de parceria ou meação. Ou, ainda, se era empregado. Não importa se você teve ou não registro em sua carteira de trabalho (CTPS) ou se quem estava registrado ou com contrato era só o seu pai, sua mãe, os irmãos, o marido, a esposa ou qualquer outro familiar. Fique atento e entenda um pouco mais sobre como esse período poderá ajudar a conseguir uma aposentadoria melhor.

1. Não precisa pagar o INSS do trabalho rural?
Antes da Constituição Federal de 1988, o trabalhador rural foi muito prejudicado. A documentação que comprovava o trabalho na zona rural era falha e não continha informações de todo mundo. Havia distinção entre trabalhadores urbanos e rurais quanto a direitos e obrigações.

Estudos apontam que a maior parte dos alimentos que chegam na mesa do brasileiro são provenientes de pequenos agricultores, que trabalham em regime de economia familiar, isto é, onde eles trabalham sozinhos ou com a família.

Por outro lado, percebeu-se que aquele que trabalha no campo, em regime de economia familiar, não poderia ter uma “taxação” a mais por parte da Previdência Social. Assim, nossos constituintes entenderam que esse tipo de segurado da Previdência Social teria uma condição “especial” (por isso, chamados de “segurados especiais”). Abre-se um parêntese para ressaltar que na mesma condição também estão os assentados (popularmente conhecidos como “sem terra”), os extrativistas, os índios e os pescadores artesanais. De outra sorte, estão fora dessa condição o grande proprietário rural e o latifundiário, por exemplo.

Dessa forma, os segurados especiais, após a Constituição Federal de 1988, passaram a ter todos os direitos a benefícios do INSS (auxílio-acidente, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, salário-maternidade, auxílio-reclusão, pensão por morte etc.), porém sem a necessidade de contribuir para os cofres previdenciários. Bastavam comprovar que trabalharam na zona rural em regime de economia familiar, pelo período exigido para o recebimento do respectivo benefício.

Para receber o auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, por exemplo, enquanto o trabalhador comum precisa ter pelo menos 12 meses pagos de INSS, o segurado especial precisa comprovar que trabalhou na roça por, pelo menos, 12 meses. Ou seja, não precisa comprovar pagamento, mas que laborou na condição de segurado especial pela carência necessária para o respectivo benefício.

No entanto, quando houver a dispensa da carência, como nos casos de doenças graves (por exemplo, câncer) ou de acidentes (por exemplo, caiu do cavalo), basta provar que trabalhou por pelo menos um dia antes de descobrir a doença ou sofrer o acidente.

Raciocínio parecido se dá com quem foi empregado. Isso porque, para quem é empregado rural, por exemplo, a responsabilidade tributária (isto é, a obrigação de efetuar os recolhimentos para o INSS) é do empregador. Em outras palavras, se o patrão não efetuou o registro na CTPS e/ou deixou de pagar o INSS basta o empregado demonstrar que trabalhou como tal. Eventualmente, se o INSS quiser (e puder), que cobre do empregador.

Um exemplo que, infelizmente, é muito comum, em muitas propriedades rurais é quando o casal ou toda a família trabalha como empregado, mas apenas um deles (como, por exemplo, o marido) tem o registro em CTPS. Nesse caso, se a esposa ou os filhos comprovarem que também eram empregados, terão esse tempo para incluir na conta da aposentadoria.

Em relação à idade para trabalhar, em que pese a legislação variar ao longo do tempo, ora permitindo o trabalho a partir dos 12 anos, ora aos 14 anos e ora aos 16 anos, a Justiça tem sido mais flexível. Isso porque, há decisões reconhecendo o trabalho rural a partir dos 6 ou 7 anos de idade, desde que comprovado.

Assim, independentemente de ter (ou não) contribuições, quem se encaixa nessas situações poderá computar o tempo na hora de se aposentar.

2. Por que o período da zona rural pode ajudar?
Com a Reforma Previdenciária, as possibilidades de aposentadoria ficaram mais distantes para a maioria dos brasileiros. No caso de aposentadoria por tempo, por exemplo, quem não tinha o tempo para se aposentar em 13/11/2019 (data da Reforma Previdenciária), a partir de então ou se aposenta por idade (em regra, com 65 anos para homens ou 62 mulheres) ou se aposenta por tempo, onde será exigido “algo mais”, isto é, ou um pedágio (trabalhando um pouco mais além daquilo que necessitava), ou precisando ter determinada idade, ou a combinação das duas coisas (trabalhando um pouco mais e tendo certa idade), ou, ainda, ter uma pontuação (somando a idade com o tempo).

Dessa forma, o trabalhador da zona rural, pode trazer esse período para juntar com o tempo urbano para ter a aposentadoria híbrida. Esse tempo da roça, pode fazer com que o segurado “escape” da Reforma da Previdência ou, pelo menos, tenha uma regra de transição menos dura.

Esse “tempo perdido” pode, ainda, impactar no cálculo da aposentadoria, na medida em que aumentando o tempo, o coeficiente pode ir majorando.

Entretanto, quem já está aposentado e não colocou no cálculo o período da zona rural, pode pedir revisão que, além de aumentar o valor que é pago mês a mês, também pode gerar diferenças a receber dos últimos 5 anos. Pelas novas regras, por exemplo, cada ano a mais que o segurado tiver além daquilo que precisaria para se aposentar, pode representar um acréscimo de 2% por ano. Sendo assim, se, por exemplo, o indivíduo tiver aposentado por tempo de contribuição após novembro/2019 entrar com revisão pedindo para incluir o período que trabalhou na roça dos 10 aos 20 anos de idade, poderá aumentar mais 20% no valor da sua aposentadoria e ainda ter as diferenças para receber de atrasados.

3. Como provar o período da roça?
De um modo geral, pode-se utilizar vários tipos de documentos para comprovar o trabalho rural. Dentre eles:

- Contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;

- Registro de imóvel rural (verificar junto ao Registro de Imóveis da cidade onde era a terra);

- Declaração ou Ficha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (pedir no Sindicato Rural);

- Comprovante de cadastro do INCRA (se era proprietário, pode-se pedir a certidão do INCRA);

- Bloco de notas do produtor rural;

- Notas fiscais de compra ou venda de mercadorias;

- Documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola com indicação do segurado como vendedor ou consignante;

- Certidão de nascimento própria e dos seus irmãos, que nasceram no meio rural, com identificação da profissão de seus pais como lavrador, agricultor, campesino ou algo parecido;

- Certidão de casamento com identificação da sua profissão como lavrador, se você se casou ainda no meio rural;

- Histórico escolar do período em que estudou na área rural, com indicação da profissão de seus pais como lavrador ou agricultor ou endereço da escola no interior (pedir na Prefeitura da cidade). O mesmo raciocínio vale para documentos dos irmãos – afinal, quem está estudando na zona rural é porque mora por lá;

- Certificado de reservista (da própria pessoa ou dos irmãos), com identificação da sua profissão ou de seus pais como lavrador ou agricultor.

- Documentos de igreja, como Certidão de Batismo, Primeira Eucaristia, Certidão de Casamento própria e dos irmãos.

- Comprovante de pagamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR);

- Recibos de compras em loja ou fichas médicas ou odontológicas, onde estejam qualificados como agricultores;

- Cópia processo de familiares que se aposentaram pela agricultura;

- Certidão cadastro eleitoral ou título de eleitor antigo em que aparece a profissão e/ou local de trabalho;

- Cadastro na Secretaria de Saúde do seu Município, com endereço na área rural;

- Recibo compra de insumos agrícolas;

 - Ficha de associado em cooperativa;

- Comprovante de recebimento de assistência ou de acompanhamento de empresa de assistência técnica e extensão rural;

 - Registro em processos administrativos ou judiciais, inclusive inquéritos, boletim de ocorrência onde apareça como testemunha, autor ou réu que esteja qualificado como agricultor ou atividade congênere;

- Qualquer outro documento em que estejam qualificados como agricultores ou o endereço seja na área rural.

Vale destacar que com a publicação da Lei nº 13.843, de 2019, para o período anterior a 1º de janeiro de 2023, a comprovação do exercício da atividade e da condição do segurado especial e do respectivo grupo familiar pode ser realizada por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas executoras do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER).

Observa-se que é importante comprovar que trabalhou e/ou morou na roça. Vale documentos da própria pessoa ou de familiares próximos. Aliado a isso, também é importante a prova testemunhal, para comprovar que não apenas morou no campo, mas que também trabalhou por lá.

4. Conclusões
Diante do exposto, verifica-se que, em regra, o trabalho realizado no meio rural pode trazer inúmeras vantagens na hora da aposentadoria. Isso porque poderá antecipar a aposentadoria e/ou trazer regras mais vantajosas (como “escapar” das regras de transição pós-reforma previdenciária e/ou ter um cálculo melhor).

Vale lembrar que nem sempre será preciso ter pagado algum valor para o INSS. Basta comprovar que exerceu atividade rural, ressaltando-se que para isso pode ser utilizados quaisquer documentos que estão em nome de outros familiares.

Já para quem está aposentado e não incluiu o período rural, há possibilidade de pedir revisão para tentar aumentar o valor mensal do benefício e ainda receber as diferenças dos últimos 5 anos.

Contudo, é importante buscar ajuda de um advogado especializado em Direito Previdenciário de sua confiança para saber se, de fato, tal período irá contribuir (ou não) para uma aposentadoria mais benéfica, evitando que você saia “desesperado” juntando um monte de documentos desnecessários ou, ainda, guiando para que você consiga aqueles que são mais adequados a provar o seu direito, evitando que você perca tempo e dinheiro.

Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor especialista em direito previdenciário