Abordar o preconceito na adolescência, fase da vida onde os humanos passam por mudanças complexas, deve ter sido um desafio para o jovem cineasta Lukas Dhont, 29 anos, mesmo quando se sabe que seu primeiro filme, “Girl”, foi aplaudido pela crítica especializada em Cannes, em 2019. “Close”, o segundo, indicado ao Oscar 2023 de Melhor Filme Estrangeiro, acaba de ser disponibilizado pela Netflix.
Falar sobre este filme extremamente sensível, onde o não-dito é mais constante que as palavras, exige de partida que se registre o talento excepcional dos jovens atores Eden Dambrine e Gustavo De Waele. Ambos transmitem em suas expressões faciais e nos movimentos do corpo tudo o que pretendeu traduzir o diretor ao fixar em imagens delicadas e pungentes, algumas vezes muito tristes, outras até mesmo devastadoras, as armadilhas da masculinidade quando entram em cena os modelos impostos pela sociedade e a pressão que esta exerce sobre os mais frágeis ou menos preparados ao embate.
Dambrine e De Waele tinham completado treze anos quando terminaram as filmagens. A mesma idade de seus personagens, Léo e Rémy, garotos inteligentes, alegres e sonhadores. “Melhores amigos”, eles vivem no interior da Bélgica, onde os pais de Léo são floricultores e os de Rémy trabalham na área da saúde. É gente sociável, empática. São pais zelosos. Rémy e Léo não se desgrudam, estudam na mesma escola, dormem na casa um do outro, dividem fantasias, estão em constante idílio com a vida num lugar paradisíaco: os campos de flores que eles cortam brincando de pique ou pedalando suas bicicletas.
Então chega o ano em que devem mudar de escola. E o que parecia absolutamente normal no relacionamento deles, passa a ser visto pelos novos colegas com deformações eivadas de homofobia. A intimidade bonita dos garotos, sua amizade calorosa, os abraços, a proximidade nos estudos e nas brincadeiras causam estranhamento. Com naturalidade disfarçada e um risinho que gira pela roda de garotos e garotas reunidos num canto do pátio, uma colega de classe lhes pergunta se eles “formam um casal, um par.”
Essa pergunta única vai interferir radicalmente na vida de Léo e Rémy. Por conta dela, a amizade sincera e desinteressada é ferida de morte. Os meninos se trancam em si mesmos e se recusam a falar sobre o assunto. A incomunicabilidade toma proporções cada vez mais graves. Léo se afasta do amigo. Rémy se desestabiliza ao se sentir banido. Os dois desmoronam, cada um a seu modo. Quando isso acontece, uma tempestade de granizo mata nos milhares de canteiros todas as flores, retiradas do local no dia seguinte por estarem mortas. É uma metáfora a sugerir, talvez, a inocência perdida.
A tragédia começa a ser anunciada neste dia, embora isso só seja percebido em retrospecto. E ela é apenas sugerida, o que a princípio é frustrante para o espectador, pois afinal é o ponto crucial da trama. Mas há um propósito nisso. Analisando as camadas do filme, percebe-se que as elipses no enredo apenas reafirmam as que marcam os diálogos de Rémy e Léo, desde que foram olhados com preconceito. Se esses fatos podem transmitir uma impressão de história travada, na verdade respondem à intenção do cineasta de provocar no público a sensação angustiante dos protagonistas, que sentem dificuldades intransponíveis em processar emoções fortes como vergonha e raiva. Na impossibilidade disso, extravasam de outras maneiras. Com agressividade e distanciamento, por exemplo.
O vocábulo “close”, pertencente ao léxico da língua inglesa, tem vários sinônimos em português como próximo, perto, íntimo, unido, chegado, e por aí vai, ora como adjetivo, ora como advérbio. Em sentido figurado significa exame acurado. No âmbito da fotografia, é o plano onde a câmera fica bem próxima da pessoa ou objeto em foco, possibilitando uma visão detalhada. Portanto, o diretor foi preciso e metafórico ao escolher o termo para título do filme, uma história de intimidade entre os personagens que se torna, por virtudes também técnicas, muito próxima dos espectadores. Parte superior do formulário
Penso que pais e professores de adolescentes deveriam assistir a esse filme, que pode deixar a muitos desconfortáveis; mas, por outro lado, pode oferecer ajuda pedagógica ao alertar para a atenção redobrada em casa e na escola. Comunicar sentimentos não é fácil em nenhuma faixa etária; para adolescentes pode ser muito custoso. Por isso acredito ser imprescindível estabelecer um clima onde filhos e alunos sintam acolhimento e segurança para falar do que os confunde, amedronta ou atormenta. Isso pede sensibilidade e paciência da parte dos adultos responsáveis, mas deve ser pelo menos tentado.
Sonia Machiavelli é professora, jornalista, escritora; membro da Academia Francana de Letras