20 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Motorista de aplicativo: conheça as mudanças que o governo quer fazer em sua profissão

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 9 min

Você já pensou em trabalhar como motorista de aplicativo? Essa é uma forma de ganhar dinheiro que tem atraído muitas pessoas que buscam flexibilidade, autonomia e renda extra. Mas você sabe o que pode mudar com a proposta de lei que o governo enviou ao Congresso para regulamentar esse tipo de trabalho?

No último dia 04/03/2024, o Congresso Nacional recebeu do presidente Lula o Projeto de Lei (PL) sobre novas regras para motoristas de aplicativos de transporte, que podem afetar sua forma de trabalhar, de recolher o INSS e impactar muitos dos seus direitos e deveres. Referido projeto chega quase que no mesmo momento em que é recebida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação em que se discute se um motorista de aplicativo tem (ou não) vínculo de trabalho com a plataforma.

Nesse sentido, é importante abrir um parêntese para destacar que no último dia 1º de março, o STF decidiu por unanimidade pela repercussão geral do caso que trata da condição do motorista de aplicativo é ou não equiparado a empregado da plataforma. Isso quer dizer que a Suprema Corte com o julgamento que proferirá irá definir o que deve ser seguido por todas as demais instâncias da Justiça em todos os processos semelhantes. No entanto, se o Projeto virar Lei, seguir-se-á a nova lei.

1. O que é o trabalho por aplicativo?
O trabalho por aplicativo é uma forma de prestação de serviços que utiliza plataformas digitais para conectar os trabalhadores aos clientes. Essas plataformas podem oferecer diversos tipos de serviços, como transporte de passageiros, entrega de alimentos, limpeza doméstica, cuidado de animais, entre outros.

No caso dos motoristas de aplicativo, eles utilizam seus próprios veículos para transportar os passageiros que solicitam o serviço por meio de aplicativos como Uber, 99, Cabify, Maxim entre outros. Esses aplicativos funcionam como intermediários entre os motoristas e os usuários, cobrando uma taxa por cada corrida realizada.

Os motoristas de aplicativo não têm vínculo empregatício com as empresas que operam os aplicativos, nem com os passageiros que atendem. Eles são considerados trabalhadores autônomos, que têm liberdade para escolher quando, onde e quanto trabalhar, mas também arcam com todos os custos e riscos da atividade.

2. Quais são as vantagens e desvantagens do trabalho por aplicativo?
O trabalho por aplicativo tem vantagens e desvantagens, tanto para os trabalhadores quanto para os clientes. Veja alguns exemplos:

Vantagens
- Flexibilidade:os trabalhadores podem definir seus próprios horários e locais de trabalho, de acordo com sua conveniência e disponibilidade.

- Autonomia:os trabalhadores podem escolher as corridas que querem fazer, recusar as que não lhes interessam, e trabalhar em mais de uma plataforma ao mesmo tempo.

- Renda extra:os trabalhadores podem complementar sua renda com o trabalho por aplicativo, ou usá-lo como fonte principal de rendimento, dependendo da demanda e da concorrência.

- Comodidade:os clientes podem solicitar o serviço de forma rápida e fácil, pelo celular, e escolher o tipo de veículo, o preço e o tempo de espera.

- Segurança:os clientes podem avaliar os motoristas e os veículos, e ter acesso a informações como nome, foto, placa e trajeto. Além disso, os aplicativos oferecem formas de pagamento eletrônico, que evitam o uso de dinheiro em espécie.

- Economia:os clientes podem comparar os preços e as opções de transporte, e optar pelo serviço mais barato ou mais conveniente, de acordo com suas necessidades e preferências.

Desvantagens
- Instabilidade:os trabalhadores não têm garantia de renda fixa, nem de benefícios como férias, 13º salário, FGTS, INSS, entre outros. A remuneração depende da demanda, da oferta, da distância, do tempo, do trânsito, e das taxas cobradas pelos aplicativos.

- Custos:os trabalhadores são responsáveis por todos os custos relacionados ao veículo, como combustível, manutenção, seguro, impostos, entre outros. Além disso, eles precisam ter um celular com acesso à internet e um plano de dados para usar os aplicativos.

- Riscos:os trabalhadores estão expostos a riscos como acidentes, assaltos, violência, multas, danos ao veículo, entre outros. Eles também podem sofrer com o desgaste físico e emocional, causado pelo estresse, pela carga horária, pela falta de pausas, entre outros fatores.

- Qualidade:os clientes podem enfrentar problemas como atrasos, cancelamentos, cobranças indevidas, veículos em mau estado, motoristas despreparados, entre outros. Eles também podem ter dificuldade para reclamar ou resolver conflitos com os motoristas ou com os aplicativos.

- Concorrência:os clientes podem ter que lidar com a escassez ou a superlotação de veículos, dependendo da hora e do local. Eles também podem ser prejudicados por práticas abusivas, como aumento de preços, recusa de corridas, discriminação, entre outras.

3. Quais são as principais mudanças previstas no projeto de lei que regulamenta o trabalho por aplicativo?
Inicialmente, cumpre destacar que o projeto atinge apenas os motoristas de aplicativo, não abarcando todos os trabalhadores, como os de delivery.

Em um primeiro momento, nesse PL, o governo anunciou que os motoristas de aplicativos teriam direito a benefícios do INSS, inclusive o salário maternidade para as mulheres. No entanto, independentemente da aprovação (ou não) do referido PL, os benefícios previdenciários para os motoristas de aplicativos já existem de longa data (ou pelo menos, deveriam existir). Isso porque, todo aquele que exerce alguma atividade remunerada já é um segurado obrigatório (ou como alguns preferem dizer, um “contribuinte obrigatório”). Quem trabalha por conta própria, por exemplo, de acordo com a legislação brasileira, deve recolher o INSS como contribuinte individual (antigamente chamado de “autônomo”). E, nessa condição, não tendo opção (e sim, obrigação), onde os motoristas de aplicativo devem recolher sua contribuição previdenciária. Em contrapartida, sendo SEGURADOS, ou seja, estando protegidos, passam a contar com toda a gama de benefícios previdenciários.

O mesmo raciocínio vale para as demais classes de trabalhadores.

De um jeito ou de outro, tendo em vista a obrigatoriedade que sempre existiu de recolher para o INSS, o motorista de aplicativo, na mesma condição de qualquer outra modalidade de trabalhador, desde que cumpridos os requisitos legais, já tinha direito a aposentadoria, benefícios por incapacidade, salário maternidade e todos os demais benefícios da Previdência Social.

Caso aprovada a nova regra, a mudança mais acentuada para o INSS acontecerá na arrecadação. Os motoristas e as empresas vão contribuir para o INSS, sendo que os trabalhadores pagarão 7,5% sobre a remuneração e o percentual a ser recolhido pelos tomadores de serviço será de 20%. A base de cálculo será de um quarto do valor repassado pelos aplicativos aos motoristas. Mas essa porcentagem pode ser revista no Congresso na hora da votação. O governo estima que essa modalidade de arrecadação trará aos cofres públicos algo em torno de R$ 280 milhões.

Contudo, especialistas apontam que a forma que menos oneraria o motorista de aplicativo seria a contribuição de modo simplificado para o INSS, como o MEI (microempreendedor individual), onde a alíquota seria de apenas 5% do salário-mínimo.

Por outro lado, o texto do referido projeto, reconhece os motoristas como autônomos, introduzindo a nova categoria: “trabalhador autônomo por plataforma”. Aliás, junto com a criação dessa nova categoria de trabalhador autônomo por plataforma, o projeto de lei trazido pelo Presidente Lula também cria o sindicato de trabalhadores e patronal. Nessa seara, as entidades sindicais teriam entre suas atribuições: negociação coletiva, assinar acordo e convenção coletiva, e representar coletivamente os trabalhadores nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria. Essa “inovação” recebeu algumas críticas no sentido de tirar a autonomia dos atuais motoristas e trazer a contribuição sindical. De outra sorte, aqueles que são favoráveis pela criação do sindicato ressaltam que, de repente, poderão ter mais benefícios para a categoria com acordos coletivos.

Inova, ainda, o referido projeto, ao impor uma jornada máxima de trabalho diário em uma única plataforma, limitando a 12 horas. Contudo, não impede do mesmo trabalhador exercer sua atividade para diversas plataformas. Para se qualificar ao salário-mínimo da categoria, os motoristas precisam cumprir uma carga mínima de 8 horas de trabalho por dia.

Importante destacar que a jornada de 8 horas é a condição para o trabalhador conseguir receber pelo menos o salário-mínimo (hoje, R$ 1.412). Pode chegar a 12 horas em uma mesma plataforma. De acordo com o projeto, o salário-mínimo chegaria a R$ 32,10 por hora trabalhada (seriam R$ 8,03 relativos ao trabalho e mais R$ 24,07 referentes aos custos do motorista). Alguns representantes dos motoristas de aplicativos criticam, pois algumas plataformas já pagam muito mal e o governo poderia estar determinando um ganho mínimo abaixo do que esses motoristas já recebiam. Isso quer dizer que as plataformas que pagam mais do que o governo propõe, poderiam reduzir e pagar menos ou reduzir o número de corridas. Há, ainda, o risco de o referido projeto acabar incentivando uma jornada excessiva dos motoristas para que estes possam ter ganhos maiores do que o salário-mínimo. Alguns motoristas destacam que o pagamento por hora não costuma ser a melhor alternativa, pois deixam de levar em conta o quilômetro rodado e tempo, trânsito, distância e tempo de espera, que são fatores que, atualmente, podem influenciar diretamente na renda dos trabalhadores.

O projeto traz a possibilidade de suspensão e exclusão de trabalhadores. Dessa forma, plataformas terão de seguir diretrizes para excluir trabalhadores de seus apps. Isso quer dizer que a exclusão só poderá ser feita pela empresa em hipótese de fraude, abuso ou mau uso da plataforma, desde que assegure o direito de defesa ao motorista. Em outras palavras, a plataforma não poderá fazer a exclusão do motorista de maneira unilateral sem dar a oportunidade dele se defender.

4. Conclusão
É importante ressaltar que nada disso está valendo por enquanto. Isso porque, para virar Lei, o projeto ainda precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Sendo assim, o referido texto precisa ser discutido em comissões, podendo, inclusive, sofrer modificações. Tendo em vista que o projeto foi enviado ao Congresso com urgência constitucional, precisará ser votado em 45 dias, pois caso contrário poderá trancar a pauta da Câmara.

Por outro lado, o trabalho por aplicativo é uma realidade que veio para ficar, e que traz benefícios e desafios para os trabalhadores, os clientes, as empresas e a sociedade. Por isso, é importante que haja uma regulamentação adequada, que equilibre os interesses de todos os envolvidos, e que garanta direitos e deveres para os motoristas de aplicativo.

O projeto de lei que o governo enviou ao Congresso é uma tentativa de criar essa regulamentação, mas ainda precisa ser debatido e aprovado pelos parlamentares. Enquanto isso, os motoristas de aplicativo continuam trabalhando em condições precárias, sem proteção social, sem segurança jurídica, e sem representação sindical.

E você, o que acha do trabalho por aplicativo? Já usou ou pretende usar esse tipo de serviço? Você é a favor ou contra a regulamentação proposta pelo governo? Deixe sua opinião nos comentários!

Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor de direito. Especialista em direito previdenciário