26 de dezembro de 2025
INTOLERÂNCIA

Deputado vai oficiar Estado para apurar ação da PM em caso de terreiro de candomblé

Por Giselle Hilário | da Redação
| Tempo de leitura: 4 min
Arquivo pessoal
'Até quando?': é o que pergunta Pai Luciano, ao falar sobre a intolerância que envolve as religiões de matrizes africanas

O deputado Guilherme Cortez (PSol) vai oficiar a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) para solicitar uma investigação para apurar a abordagem de policiais militares que atenderam a uma denúncia de perturbação de sossego em um terreiro de candomblé, em Franca. O caso, que aconteceu na noite da última sexta-feira, 26, no Jardim Martins, e terminou em ocorrência policial, está gerando uma série de manifestações contrárias à ação desde que veio à público.

A Associação Religiosa Waldemar Raminelli, que representa o Ile Alaketu Asé Ogyian Ofururu, terreiro de candomblé tombado, reconhecido como bem cultural de Franca, lamentou o episódio que expressa, “no contexto dos fatos, o racismo estrutural que permeia nossa sociedade”.

Em nota de repúdio, a Waldemar Raminelli diz que “episódios racistas e intolerantes que expressam o racismo estrutural têm feito vítimas nas comunidades afrodescendentes e, especialmente, aquelas que praticam religiões de matriz africana”.

Assim, a Associação Religiosa Waldemar Raminelli entende que o episódio do último dia 26, em Franca, não é um caso isolado. “A forma truculenta, sem treinamento antropológico, desumano que agentes do poder público abordaram uma casa de candomblé, filial de um terreiro tombado pelo poder público, evidencia elementos de racismo estrutural e intolerância religiosa”, diz a nota de repúdio.

“O tratamento dado ao líder religioso, um babalorixá negro, desrespeitando sua autoridade perante a comunidade religiosa, também corrobora à afirmação de racismo estrutural”, emenda a nota, assinada pelo presidente da associação, Luciano Raminelli.

OAB
A Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção Franca também emitiu nota de repúdio, por meio de sua Comissão de Igualdade Racial. “É de se ressaltar que o Estado Brasileiro é laico e tem como preceito fundamental a dignidade da pessoa humana, que se conecta ao direito maior de pertencimento e existência na sociedade.”

A nota cita que a violência institucional praticada foi “um ato atentatório contra o direito de crença e liberdade religiosa previsto na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos”. “Fatos como ocorrido somente reforçam a presença do racismo em nossa sociedade, a falta de conhecimento e do respeito da população e do respeito da população e dos órgãos públicos com a população negra, sua cultura, história e religião”, aponta a nota.

‘Até quando?’
É o que pergunta Pai Luciano – ou Luciano Raminelli – ao falar sobre a intolerância contra as religiões de matrizes africanas. “Você já viu um padre ser retirado da missa e ter suas vestes tiradas? Um pastor ser retirado do púlpito durante um culto? Por que com as religiões de matrizes africanas pode? Por causa da cor da pele? Até quando?”, questiona.

Pai Luciano entende que houve “total falta de preparo” dos policiais durante a abordagem. “Eles [os policiais] invadiram o local, entraram gritando, jogaram a luz na cara das pessoas, numa total falta de respeito”, afirma. Ele ainda afirma que o terreiro está há sete anos no mesmo local e esta foi a primeira reclamação em relação ao som. Segundo ele, o vizinho que reclamou mora no local há um ou dois meses.

Não há problema nenhum, segundo Pai Luciano, em relação à reclamação. O problema é como tudo ocorreu. Segundo ele, com um pouco mais de respeito e preparo por parte dos policiais militares, a situação poderia ter se resolvido de uma outra maneira.

“Pai Emerson [que foi encaminhado para a delegacia] foi tratado como criminoso. Pedir para que ele tirasse o Eketé [acessório religioso] da cabeça foi muito desrespeitoso, o que mostra o despreparo dos policiais para lidar com casos que envolvem religiões de matrizes africanas”, diz Pai Luciano.

Em relação ao "barulho", Pai Luciano lembra que todas as religiões têm seus momentos de oração e cantos. "É um baurulho entre aspas, um momento de oração, de canto, de louvor, conforme cada religião."

Outro lado
Tanto a Polícia Militar quanto a Secretaria de Segurança Pública foram acionadas para falar sobre o assunto através de suas assessorias de imprensa, mas não havia resposta até o fechamento deste texto.

Relembre o caso
Conforme registros do boletim de ocorrência (BO), por volta das 23h do último dia 26, um vizinho do terreiro acionou a Polícia Militar alegando que o som proveniente do culto estava interferindo em seu descanso. Segundo a denúncia, os participantes estavam tocando tambores e entoando cânticos em alto volume.

Ao chegar ao local, de acordo com o BO, os policiais tentaram contato com os responsáveis do terreiro, mas não teriam conseguido por causa do volume. Eles, então, iluminaram o local com lanternas.

No BO, consta que o babalorixá do culto teria reagido de forma exaltada com a presença os policiais no local. E uma nova discussão teria ocorrido ao ser informado que precisava retirar um acessório religioso da cabeça para entrar na viatura policial e ser conduzido à delegacia.

Conforme matéria veiculada pelo GCN/Sampi, ao chegar à CPJ de Franca, membros da comunidade religiosa alegaram que a prisão do responsável configuraria intolerância religiosa. Conforme consta na ocorrência, os policiais esclareceram que a intenção não era prendê-lo, mas conduzi-lo até a delegacia.

Na delegacia, foram ouvidos o responsável pelo local, acompanhado de seu advogado, integrantes da comunidade religiosa e o vizinho que reclamou de som alto no culto. Um boletim de ocorrência por perturbação de sossego, desacato e desobediência foi registrado na Polícia Civil.