17 de novembro de 2024
OPINIÃO

Revisão da vida toda: um jogo de xadrez com o futuro dos aposentados

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 9 min

A Revisão da Vida Toda é novamente colocada em xeque. Peças nesse intrincado tabuleiro começam a se mexer em desfavor dos aposentados e pensionistas em razão de recente decisão polêmica de um dos Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Mas o que aconteceu agora?

Imagine que você é aposentado ou pensionista do INSS, tendo seu benefício concedido a partir de 1999 e descobrindo que pode ter direito a uma revisão no valor do seu benefício, que pode aumentar significativamente a sua renda mensal. Essa revisão (chamada de “Revisão da Vida Toda”) consiste em considerar todas as contribuições previdenciárias, beneficiando quem teve salários mais altos no passado, mas que não foram aproveitados no cálculo da aposentadoria. Isso aconteceu porque entre novembro de 1999 a novembro de 2019, o entendimento da Previdência Social era utilizar para o cálculo dos valores apenas os salários posteriores ao Plano Real (ou seja, após julho de 1994), deixando de fora todos os salários em outras moedas. Em razão disso, tal revisão ficou conhecida, portanto, como “Revisão da Vida Toda”, pois busca colocar no cálculo todos os salários que o indivíduo teve durante toda a sua vida contributiva (e não apenas do Plano Real em diante).

Muitos que se encaixavam nessa mesma situação entraram na Justiça pedindo essa revisão. O processo chegou até o STF, a instância máxima do Poder Judiciário no Brasil, que entendeu que por essa situação abarcar uma infinidade de pessoas, teria que ter repercussão geral (isto é, a decisão aplicada a um processo, deveria replicar para as demais ações em andamento na Justiça). Abre-se um parêntese para destacar que o STF é o responsável por decidir as questões constitucionais, ou seja, aquelas que envolvem a interpretação e a aplicação da Constituição Federal, a lei maior do país. O STF é composto por 11 ministros, que são indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado Federal.

Após muitas controvérsias, esse processo foi julgado pelo STF, em dezembro de 2022, por 6 votos a 5, em favor dos aposentados e pensionistas. Todos que entraram com essa revisão comemoraram a vitória. Contudo, logo na sequência, descobriram que o INSS não aceitou a decisão e apresentou um recurso chamado embargos de declaração (que serve para esclarecer pontos obscuros, contraditórios ou omissos da decisão). Dessa maneira, o INSS quer limitar o alcance da “Revisão da Vida Toda”, excluindo alguns casos e reduzindo o impacto financeiro para os cofres públicos.

Agora imagine que esse mesmo processo volta a ser julgado pelo STF, em agosto de 2023. O relator do caso, Ministro Alexandre de Moraes, rejeita a maioria dos argumentos do INSS e mantém a decisão favorável à Revisão da Vida Toda. Ele é acompanhado pela ministra Rosa Weber, que já se aposentou.

Em seguida, o processo ficou parado por três meses, porque um dos Ministros, Cristiano Zanin, pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar o caso. Para quem não sabe, Zanin é o ministro mais novo do STF, indicado pelo presidente Lula em 2023, após a aposentadoria de Edson Fachin.

Agora, em novembro, para surpresa de todos que aguardavam o desfecho após a “batida do martelo”, outra polêmica surge pelo voto de Zanin. O Ministro Zanin acaba de votar pelo provimento parcial dos embargos de declaração do INSS, acolhendo alguns dos pedidos do órgão. O voto dele na íntegra está disponível em https://is.gd/votozanin_edrvt_112023.

Zanin propõe o seguinte:
Inicialmente, o Ministro Zanin acolheu a alegação feita pelo INSS de nulidade do acórdão do STJ que julgou válida a possibilidade do segurado da Previdência Social fazer a escolha recalculando sua aposentadoria incluindo contribuições realizadas antes de julho de 1994.

Assim, Zanin adotou a tese de nulidade do acórdão do STJ, por ter ocorrido uma inobservância da reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição da República.

Caso seja vencido no entendimento pela anulação do acórdão, Zanin votou por modular os efeitos da decisão. Ele indica como marco temporal a data da publicação da ata de julgamento do mérito, ou seja, 13/12/2022. Dessa maneira, se prevalecer na Corte de Brasília que é possível a Revisão da Vida Toda, Zanin quer:

O voto de Zanin abriu uma divergência no julgamento, que ainda não terminou. Faltam os votos de outros ministros, que podem concordar ou discordar dele. O resultado final pode mudar o destino de milhares de aposentados e pensionistas que esperam pela revisão da vida toda. O processo que parecia ter chegado ao fim e que aguardava apenas o parecer de como deveriam ser pagas as eventuais diferenças e atrasados sofre uma incrível reviravolta contra aposentados e pensionistas.

Todavia, é de se ressaltar que não é a primeira vez que a Revisão da Vida Toda passa por tentativa de reviravolta. Em 2022, por exemplo, no dia 8 de março, data limite para a finalização do julgamento da “Revisão da Vida Toda”, faltando menos de 30 minutos para “sacramentar” a referida decisão no STF (Supremo Tribunal Federal), onde o placar era de 6 a 5, o Ministro Nunes Marques (indicado pelo então presidente Bolsonaro em 2020, e que ocupou a vaga do Ministro Celso de Melo) efetuou manobra para “zerar” o placar, numa aparente tentativa de mudar tudo. Sem motivo plausível, Nunes Marques pretendia levar a julgamento presencial um processo que foi aprofundado no Plenário Virtual, desconsiderando todos os argumentos (e votos) trazidos até então, tendo anteriormente votado contra a “Revisão da Vida Toda”. No entanto, os Ministros do STF mantiveram presencialmente a mesma decisão virtual.

Do exposto, tanto a jogada do ano passado do Ministro Nunes Marques, como a realizada agora pelo Ministro Zanin, trazem a concepção de que esse processo é como um jogo de xadrez, onde cada cidadão é apenas mais uma das peças, e que os ministros do STF são os jogadores, que movimentam as pedras de acordo com as suas estratégias, interesses e preferências. Aposentados e pensionistas não têm controle sobre o jogo, mas dependem dele para garantir o seu direito. Não se sabe quem vai ganhar ou perder (ou seja, se é o aposentado/pensionista ou o governo), mas sabe-se que o jogo pode mudar a qualquer momento, por um lance inesperado, por uma jogada surpreendente, por uma reviravolta imprevisível. É um roque (ora maior, ora menor). É um xeque.

O que você acha desse jogo de xadrez que está sendo jogado com o seu futuro? Ele respeita ou desrespeita as regras do Direito? Ele reflete ou distorce a vontade do tabuleiro da Constituição? Essas são algumas das questões que o jogo suscita, e que merecem uma reflexão crítica de todos nós.

A Revisão da Vida Toda é um tema complexo e controverso, que envolve direitos fundamentais, segurança jurídica, equilíbrio financeiro e atuarial, e que afeta diretamente a vida de milhões de brasileiros. Por isso, é importante que o STF julgue o caso com seriedade, transparência e responsabilidade, sem se deixar influenciar por pressões externas ou internas. Não é o momento de nenhum zug.

O STF é o guardião da Constituição e o árbitro supremo das controvérsias jurídicas no país. O seu papel é garantir a ordem democrática, a proteção dos direitos e a harmonia entre os poderes. Mas, para cumprir essa missão, o STF precisa ter legitimidade, credibilidade e confiança da sociedade. E isso só se conquista com decisões claras, coerentes e fundamentadas, que respeitem os princípios e as regras do Direito.

Espera-se que o STF faça justiça aos aposentados e pensionistas que têm direito à Revisão da Vida Toda, e que não os decepcione com uma mudança abrupta de entendimento. Afinal, a Revisão da Vida Toda não é um privilégio, mas um direito. Um direito que pode fazer a diferença na qualidade de vida de quem trabalhou e contribuiu por décadas para o sistema previdenciário e para o crescimento do país.

Mas também se espera que o STF seja composto por ministros que tenham qualificação técnica, reputação ilibada e independência funcional, não sendo indicados por critérios políticos, ideológicos ou pessoais. A estruturação e forma de escolha dos ministros do STF é tema que precisa ser debatido pela sociedade, pois envolve a representatividade, a pluralidade e a diversidade do tribunal. Há várias propostas de mudança nesse sentido, como a limitação do tempo de mandato, a ampliação do número de candidatos, a participação de outros órgãos na indicação, a realização de concurso público, entre outras. Essas propostas visam aprimorar o processo de escolha dos ministros do STF, tornando-o mais democrático, transparente e participativo, e evitando que o tribunal seja dominado por interesses políticos, partidários ou corporativos.

O jogo de xadrez que está sendo jogado com o futuro dos aposentados e pensionistas que têm direito à revisão da vida toda é um exemplo de como o STF pode influenciar a vida de milhões de brasileiros, para o bem ou para o mal. Por isso, é fundamental que o STF seja um tribunal que inspire confiança, respeito e admiração, e não desconfiança, desprezo e indignação.

A Revisão da Vida Toda é um direito que pode mudar tudo para quem espera por ela. Mas o STF também pode mudar tudo para quem depende dele. Por isso, é preciso estar atento, informado e mobilizado, para acompanhar o desfecho desse jogo, e para cobrar dos ministros do STF uma atuação digna, honrada e justa.

Como você acha que o STF está mexendo as pedras desse jogo com os aposentados e pensionistas que têm direito à revisão da vida toda? Acredita que as decisões são totalmente de cunho técnico jurídico ou há alguma cobertura do governo? O que pensa dessa forma cravada de se escolher os ministros do STF? Acha que o STF pode mudar o seu entendimento sobre a Revisão da Vida Toda, mesmo depois de “batido o martelo”, ou acredita que ele está apenas em situação de “J’adoube”? O que você faria se fosse um dos afetados por essa decisão?

Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor de direito. Especialista em direito previdenciário