Cristóvam Buarque, um dos poucos políticos brasileiros cuja integridade é inquestionável, conhecedor do nosso fracasso educacional que buscou atenuar como senador e ministro, escreveu a pedido da revista Veja, edição de 11 de novembro, um artigo a respeito do desafio sobre o qual se debruça há pelo menos 50 anos: a educação. Em determinado momento, ele registra: “as falhas da educação brasileira são um fracasso de décadas. Passaram governos, avanços tópicos aconteceram, mas o país continua com a pior e mais desigual educação quando comparado com outros países. Hoje nos conformamos em correr atrás de cumprir com a simples promessa de alfabetizar alunos aos 8 anos de idade.” Convenhamos que é pouco.
Como se respondesse à indagação que todo leitor deve ter feito sobre o que acontece conosco enquanto país que não soube avançar neste tópico essencial para o desenvolvimento, o autor complementa dizendo que “três características da sociedade travam a estratégia (de lograr crescer nesse tópico): primeiro, educação de máxima qualidade não é um objeto de desejo político nem uma prioridade do eleitor brasileiro; segundo, a igualdade não faz parte do caráter nacional; terceiro, o imediatismo impede que os governos olhem para um futuro posterior aos seus mandatos”. É complexo, deprimente e duro de engolir, mas é a verdade da qual não podemos nos afastar se não quisermos recair nas armadilhas da ilusão.
Em outro artigo sobre o mesmo assunto, publicado uma semana depois no jornal O Estado de São Paulo, Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política na Unesp, parece dar continuidade à ideia desenvolvida por Buarque: “A precariedade da educação anda de mãos dadas com a desigualdade social, que separa poucos brasileiros bem escolarizados de uma esmagadora maioria de pessoas que mal sabem conversar sobre os temas que lhes dizem respeito. Caminha junto com a rusticidade da chamada classe política”.
É fato. Sem saber conversar, como expor ideias, encontrar caminhos, subir uma escada hipotética onde cada degrau represente avanço de mentalidade em relação a direitos, crescimento profissional, igualdade social? Não se almeja que todos os brasileiros sejam falantes da norma dita culta, mas seria imprescindível que a maior parte da população dominasse a língua para conseguir elaborar e expressar um pensamento lógico, coerente, próprio, capaz de traduzir suas necessidades, vivências e anseios. Como fazer isso a não ser pela linguagem?
Em nosso país, basta ouvir o que falam as pessoas nas ruas para perceber de imediato como há um diapasão enorme entre o que se diz (não raro com erros crassos) e o que se pretende expressar. Na linguagem escrita acontece o mesmo. É flagrante que os governos falharam ao se isentarem de pensar um projeto com metas claras de ensino e os meios para viabilizá-las. E a chegada ao mundo virtual foi um complicador neste contexto de letramento mal resolvido. Num país que tem mais celulares que habitantes, a frequência às redes sociais vem condicionando o uso de um número cada vez menor de palavras, por sua vez substituídas cada vez mais por abreviações. A comunicação extremamente simplificada elide a reflexão, impede que se processem devidamente milhares de informações que a todo instante circulam nas mídias. O hábito de ler textos mais extensos já desapareceu de grande parte de uma geração que veio crescendo com este padrão. Não espantam, portanto, as precariedades e as deformações percebidas na abordagem do mundo atual que tanto nos demanda de capacidade de refletir, expressar, contraditar, compor e mesmo resistir.
O parágrafo final do artigo de Marco Aurélio Nogueira é de compreensão meridiana: “Há algo de muito errado numa sociedade que não consegue, em pleno século 21, ter uma população bem alfabetizada e em condições de se elevar às esferas do pensamento abstrato, ao domínio da técnica e da tecnologia, à compreensão, mesmo que simplificada, do terrível e complexo mundo em que vivemos.”
Os governos que atravessaram as últimas décadas, tenham sido de direita, de esquerda, eleitos democraticamente ou usurpadores do poder, derraparam irresponsavelmente diante desse problema que é crucial, gigantesco e aterrorizante porque fatalmente enseja o crescimento da desigualdade em todos os patamares. Dezembro já sinaliza que 2023 vai terminando e o próximo ano terá uma campanha eleitoral que já se delineia em prévias. Mais uma vez ouviremos platitudes sobre ensino e educação da parte de candidatos mal preparados ou confusos, talvez ignorantes em matéria de alfabetização para a vida. Pelo que dizem, parecem mesmo analfabetos funcionais. É uma lástima.
Sonia Machiavelli é professora, jornalista, escritora; membro da Academia Francana de Letras