26 de dezembro de 2025
SUPERAÇÃO

'Maior conquista foi ter a vida de novo', diz atleta paraolímpico de Franca

Por Karla Rodrigues | da Redação
| Tempo de leitura: 4 min
Arquivo Pessoal/Gabriel dos Reis
Gabriel dos Reis na segunda competição pelo paulista FPDC em 2023: atleta ganhou ouro no arremesso de peso e bronze no lançamento de dardo

Parecia um sábado comum. Gabriel dos Reis estava no tradicional ‘rachão’ de basquete com os amigos na cidade natal, São Joaquim da Barra, como de costume. Normalmente, ele era o último a deixar o local para pegar a bola de basquete, mas resolveu deixá-la emprestada. Como chegou em casa mais cedo, saiu novamente. Porém, na volta, sua vida mudou.

Era madrugada, resolveu acompanhar uma amiga até a casa dela. Os dois estavam de moto e dirigiam lado a lado para conversarem. No meio do trajeto, Gabriel perdeu o controle da moto, cambaleou, bateu a perna e o quadril esquerdo, balançou novamente e caiu com a moto prensada na perna direita. O impacto deixou ele inconsciente.

No hospital Santa Casa de São Joaquim da Barra, Gabriel ficou em coma induzido e foi transferido para o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. O jovem de apenas 20 anos sofreu traumatismo, quebrou o quadril esquerdo, a mandíbula e o fêmur, e teve a parte abaixo do joelho direito amputada. Precisou passar por três cirurgias.

Quando saiu do coma, ficou confuso ao olhar para as pernas. “Ué, cadê o pé?”, pensou. No momento, estava sozinho. Decidiu esperar a mãe dele chegar para perguntar. “O que aconteceu? Ela falou ‘você sofreu um acidente’. Pensei que tinha sido um acidente de carro. Não imaginava sofrer acidente de moto porque eu não corria”,  relata Gabriel.

Apesar da memória daquele dia ser apagada, a data dia 28 de dezembro de 2013 ficou registrada em sua mente. A partir dali, precisou recomeçar. Gabriel só movimentava a cabeça e se forçava diariamente para recuperar a própria independência. “Eu nunca entrei em desespero. Quando o médico falava ‘vamos fazer isso, fazer aquilo’, eu nunca discordava”.

Recebeu alta no dia 7 de março de 2014, um dia antes do aniversário, e passou um ano e meio fazendo recuperação e fisioterapia. Foram dois anos até retornar à rotina habitual. “Quando eu pude sair, meus amigos me chamavam. Isso foi uma coisa que incentiva, deixa a gente feliz”. Apesar disso, em alguns momentos se sentia triste com a nova realidade. “Não queria ser um peso, dar trabalho para alguém. Não via que eles faziam isso por amor”, afirma.

Esporte, paixão e recomeço
Quando mais novo, Gabriel gostava de jogar futebol. O desempenho nos jogos lhe rendeu o apelido que é conhecido até hoje: Pelé. Depois passou a sonhar em ser atleta de basquete, mas desistiu após uma lesão no tornozelo. Como era apaixonado por esportes, escolheu a graduação em Educação Física. Lá se apaixonou pela natação. A vida já mostrava que, de alguma forma, o esporte seria o caminho do seu sucesso, e foi.

Na academia, o treinador de atletismo André Furlan sempre convidava Gabriel para conhecer o esporte. “Ele sempre falava para eu ir lá conhecer, e eu fui”. Iniciou o treinamento em 2019 e já se empolgou. “Na hora que fiz os primeiros lançamentos eu animei para caramba”, relembra o atleta.

Equipe de Franca
Em 2021, Gabriel dos Reis foi convidado por um colega da época do basquete a fazer parte da equipe de atletismo de Franca. “Ele também passou por um susto, deu AVC cerebral, estava na equipe de Franca e lembrou de mim quando viu um stories meu treinando”. Neste momento, passou a treinar com mais estrutura e com pessoas com deficiência. “Eu passei a treinar em equipe, e isso foi muito legal”, afirma.

Passou um ano e meio apenas treinando com o professor Lucas Rogério da Silva no Poliesportivo de Franca. Na sua primeira competição, Gabriel já se destacou. Recebeu  medalha de ouro em arremesso de peso e lançamento de disco no Meeting Paraolímpico de São Paulo em 2022. Nessa mesma competição, foi recordista brasileiro no lançamento de disco. O desempenho acima da média foi uma surpresa até para ele. “Foi mais um motivo para continuar firme e forte”.

Quando participou da segunda competição, pelo Paulista FPDC (Federação Paulista de Desportos para Cegos), em 2023, o atleta levou ouro novamente no arremesso de peso e o bronze no lançamento de dardo. “Nesse ano, eu já tinha melhorado minha marca, eu fiz 7.47 metros. Então a segunda competição foi uma grande conquista, melhorando a marca e criando uma nova”, enfatiza.

Nesse um ano nas competições, ganhou mais duas disputas: o Campeonato Brasileiro com ouro no arremesso de peso, recorde da competição, além da prata no lançamento de disco. Já no Meeting do Rio de Janeiro, foi ouro no arremesso de peso e ouro no lançamento de dardo, sendo recordista brasileiro nas duas modalidades.

Agora, aos 30 anos, o sonho de Gabriel é vestir a camisa da seleção. “Um dia eu quero competir nas Paralimpíadas”. No entanto, ressalta que o maior sonho já foi realizado. “Minha maior conquista foi ter a vida de novo, se não fosse isso, não estaria aqui”.

Matéria atualizada às 20h48