O materialismo histórico é conjunto de ferramentas teóricas usadas por quem pesquisa a ciência História. Basicamente, a arte de fazer as perguntas certas para o objeto assunto pesquisado: Quem, Quando? Onde? Por que? Quais consequências imediatas? Quais consequências a longo prazo? A quem ou grupo interessava? Quem disse (fontes): onde está escrito, desenhado, pintado, filmado...? Portanto, é um modelo científico aplicado por quem faz a História, a narrativa escrita com base nas relações entre padrões de repetição no tempo, os recortes estabelecidos na conjuntura dada, e as forças determinantes que atuaram no passado estudado. É o olhar para as engrenagens em movimento movidas pelas ações dos homens no tempo e no espaço, almejando a partir das condições materiais que produziram o que se convenciona chamar de fatos, eles mesmos produtos e recortes da atenção dos vivos e suas mentalidades.
O Preconceito de cor, etnia e origem é um mal social que persiste em nosso país e em nossa cultura. Na prática podemos dar um exemplo clássico. Duas pessoas com a mesma idade, sexo, grau de escolaridade e condição socioeconômica que concorrem a uma mesma vaga de emprego no Brasil passam por um simples e objetivo processo de seleção: a cor. Duas pessoas que apresentem as mesmas condições intelectuais, sociais e físicas para ocupar uma vaga de vendedor, por exemplo, serão selecionados pelo quesito boa aparência, que no Brasil significa ser branco, e de preferência de origem caucasiana. Esse é um fenômeno que existe em todos os países em que brancos, negros, índios e mestiços convivem.
A ética de um povo é construída pela ideologia dominante. Como já disse Nelson Mandela “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” Desse modo a ética cristã é uma das bases responsáveis pela construção dessa ideologia.
Quando da época das colonizações a Igreja foi grande incentivadora econômica do empreendimento escravista, e tinha que justificar as ações da escravidão biblicamente. Para isso recorreu-se ao mito da Arca de Noé. A ética cristã, não é a ética de Jesus, mas sim aquela construída pela Igreja Romana a partir da releitura, reinterpretação e adaptação da cultura e da ética hebraica aos objetivos da Instituição religiosa romana.
O mito de Cam, uma pequena passagem do Velho Testamento, ainda ressoa viva influenciando lideranças pragmáticas e doutrinadoras oportunistas da fé. Trata-se de uma interpretação do conto bíblico em que uma maldição é lançada pelo personagem Noé contra seu próprio neto. A apropriação dessa narrativa e a consequente distorção de intenções políticas incentiva o racismo de fundo religioso e a perseguição contra religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda.
Após o dilúvio que daria fim ao caos em que se encontrava a humanidade, os filhos de Noé, Cham ou Cam, Sem e Jafé, foram os responsáveis por repovoar a terra com seus descendentes. Cada um cuidou de repovoar cada continente dos três conhecidos no velho mundo. Sem repovoou a Ásia. Jafé a Europa e Cham a África. O fato que justificou a inferioridade dos Africanos foi uma passagem bíblica em que Cham, seu filho Canaã e toda sua descendência foram amaldiçoados por Noé. Eis o recorte no capítulo 9 dos versículos 18-27 no Gênesis: após beber vinho, Noé ficou nu dentro de sua tenda, dormindo. Cham, pai de Canaã, viu a nudez de seu pai e chamou os dois irmãos, Sem e Jafé, que tomaram um manto e o cobriram. Ao acordar, Noé soube do acontecido e pronunciou o terrível veredicto: “maldito seja Canaã, que ele seja para seus irmãos o último dos escravos. Bendito seja Javé, o Deus de Sem, e que Canaã seja seu escravo e que Deus dilate a Jafé, e que Canaã seja seu escravo.
Talvez a maior importância em aprender mais sobre a História seja a tomada de consciência de que, se algo aconteceu pode acontecer de novo. Pois como já dizia a sabedoria popular "não existe nada de novo debaixo do Sol".
Baltazar Gonçalves é historiador e escritor membro da Academia Francana de Letras