20 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Pente-fino do INSS em 2023: o que você precisa saber para não cair em armadilhas

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 8 min

Você já recebeu alguma carta ou mensagem do INSS dizendo que o seu benefício está sendo revisado? Se a resposta for sim, você pode estar sendo vítima do pente-fino do INSS em 2023. E se a resposta for não, cuidado... Você também pode estar correndo o risco de passar por isso a qualquer momento. Por isso, é muito importante entender como funciona e saber como se defender dessa ameaça, que pode fazer com que o indivíduo possa perder o seu benefício.

O pente-fino do INSS é uma operação que o governo faz para verificar se os benefícios concedidos estão de acordo com as normas legais e se não há fraudes ou irregularidades. Essa operação acontece desde 2016, mas em 2023 ela deve ficar mais intensa e rigorosa, por causa da reforma da previdência e da pandemia do Covid-19. Aliás, o próprio governo anunciou que tem meta de cortar R$ 20 bilhões em benefícios com o novo pente fino.

O pente-fino do INSS em 2023 tem como alvo principal os benefícios por incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) e o Benefício da Prestação Continuada (BPC). Esses benefícios são concedidos para quem comprova estar impossibilitados de trabalhar por motivo de doença ou deficiência. Mas para manter esses benefícios, os segurados devem passar por avaliações médicas periódicas, que podem ser presenciais ou documentais.

O problema é que muitas vezes essas avaliações nem sempre são feitas da forma como deveriam ou adequada, e acabam resultando na suspensão ou no cancelamento dos benefícios. Isso pode acontecer por vários motivos, como falta de documentos, erros no sistema, divergências entre os médicos, mudanças nas regras, entre outros. E quando isso acontece, os beneficiários ficam sem renda, o que pode agravar ainda mais a sua situação de saúde.

Por isso, é fundamental saber como se defender do pente-fino do INSS em 2023.

A primeira coisa que você deve fazer é ficar atento às notificações do INSS, que podem ser enviadas por carta, SMS, e-mail ou pelo aplicativo “Meu INSS”. Dessa maneira, se você receber alguma notificação, não ignore e nem demore para responder. Vale ressaltar que os dados cadastrais devem estar atualizados para evitar maiores problemas (como o envio de carta ou mensagem, para algum endereço que não mais existe, por exemplo).

Você deve comparecer à perícia médica presencial ou enviar os documentos solicitados pelo INSS dentro do prazo estipulado. Caso contrário, você pode ter o seu benefício suspenso ou até mesmo cancelado.

A segunda coisa que você deve fazer é reunir todas as provas possíveis da sua incapacidade para o trabalho. Essas provas podem ser atestados médicos, exames, laudos, receitas, relatórios, entre outros. Vale lembrar que esses documentos devem estar atualizados e legíveis, contendo informações necessárias para comprovar a sua condição de saúde e, principalmente, a incapacidade para o trabalho. Esses documentos devem ser levados à perícia médica presencial ou anexados ao pedido de perícia documental.

A terceira coisa que você deve fazer é procurar um advogado especialista em direito previdenciário de sua confiança. Ele pode orientá-lo sobre os seus direitos e deveres como segurado da Previdência Social, acompanhando o seu processo administrativo junto ao INSS e recorrendo judicialmente, caso o seu benefício seja negado ou reduzido. Um advogado especialista em Direito Previdenciário pode fazer toda a diferença na hora de garantir o seu benefício por incapacidade.

Outra questão que o segurado deve ficar atento é que o “Pente Fino do INSS” pode transformar, por exemplo, um benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) em um benefício por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez). Mas não pense que essa “troca” seja algo positivo... Muito pelo contrário, pois com a Reforma Previdenciária, a aposentadoria por invalidez passou a ter um cálculo pior do que o do auxílio-doença.

Antes da reforma, o valor do auxílio-doença (benefício por incapacidade temporária), em regra, correspondia à 91% da média dos 80% maiores salários de contribuição do segurado. Já o valor da aposentadoria por invalidez (benefício por incapacidade permanente) era igual a 100% dessa média. Depois da reforma, o valor do auxílio por incapacidade temporária passou a ser de 91% da média de todos os salários de contribuição posteriores a julho de 1994, enquanto o da nova aposentadoria por invalidez passou a ser, em regra, de 60% dessa média mais 2% por ano de contribuição que exceder 15 anos para mulheres e 20 anos para homens.  Abre-se um parêntese para ressaltar que boa parte dos especialistas entendem que essa sistemática da nova aposentadoria por invalidez é inconstitucional e que deveria ser de 100%, independentemente do tempo contribuído. No entanto, essa é uma discussão que ficará para outra oportunidade.

Com isso, muitos segurados que tiveram o auxílio por incapacidade temporária convertido em aposentadoria por incapacidade permanente após a reforma da previdência tiveram uma queda no valor do seu benefício. E para piorar, o INSS ainda cobrava a diferença entre os valores recebidos indevidamente pelo segurado durante o período em que ele recebia o auxílio por incapacidade temporária com valor maior. Essa cobrança era feita mediante desconto no próprio benefício ou emissão de guia de pagamento.

Para ilustrar essa situação, vamos supor um exemplo prático. Imagine um segurado que começou a contribuir para o INSS em janeiro de 2010, com uma média de salário de R$ 2.000. Em janeiro de 2020, ele sofreu um acidente de trabalho e ficou incapaz para o trabalho. Ele solicitou o auxílio por incapacidade temporária e teve o benefício concedido com base nas regras anteriores à reforma da previdência. O valor do seu benefício foi igual à média dos seus 80% maiores salários de contribuição, que foi de R$ 2.000, sendo que o auxílio-doença seria de 91% dessa média (neste exemplo, R$ 1.820).

Em janeiro de 2021, ele passou por uma nova perícia médica e teve o seu auxílio por incapacidade temporária convertido em aposentadoria por incapacidade permanente. Mas como a reforma da previdência já estava em vigor, o valor do seu benefício foi calculado com base nas novas regras. O valor do seu benefício foi igual a 60% da média dos seus salários de contribuição, que foi de R$ 2.000, mais 2% por ano de contribuição que excedeu 20 anos, que foi zero. Ou seja, o valor do seu benefício foi de R$ 1.200.

Isso significa que ele teve uma redução de aproximadamente 40% no valor do seu benefício. E para piorar, o INSS ainda passou a cobrar dele a diferença entre os valores recebidos indevidamente pelo segurado durante o período em que ele recebia o auxílio por incapacidade temporária com valor maior. Essa diferença foi de R$ 620 por mês, multiplicada pelo número de meses que ele recebeu o auxílio por incapacidade temporária, que foi de 12 meses. Ou seja, ele teve que devolver ao INSS R$ 7.440 (isso sem mencionar juros e correção monetária).

Essa situação é injusta e ilegal, pois viola o princípio da irredutibilidade dos benefícios e o direito adquirido dos segurados. Por isso, o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública contra o INSS (Ação Civil Pública nº 5020466-70.2023.4.02.5001 ES), pedindo a suspensão da cobrança desses valores e a revisão dos benefícios por incapacidade permanente concedidos após a reforma da previdência. A Justiça Federal acatou o pedido do MPF e determinou que o INSS cumprisse essas medidas.

Com isso, no último dia 02 de outubro de 2023, foi publicada uma nova portaria que suspende a cobrança de valores referentes à conversão do auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente. É a Portaria Conjunta DIRBEN/PFE/INSS Nº 87, de 2 de outubro de 2023, que determina que se o valor da aposentadoria for inferior ao do auxílio, a diferença não será descontada do segurado. Essa portaria foi, portanto, o resultado daquela decisão judicial da mencionada ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal.

Em outras palavras, essa portaria é uma vitória para os segurados que tiveram seus benefícios reduzidos por causa da reforma da previdência, que mudou o cálculo da renda mensal inicial dos benefícios por incapacidade. Essa portaria beneficia os segurados que estavam sendo prejudicados pela cobrança indevida do INSS e garante que eles não tenham seus benefícios reduzidos. Vale destacar que essa portaria traz efeitos retroativos, ou seja, quem já teve o desconto do INSS, pode reaver os valores.

No entanto, essa portaria ainda não resolve todos os problemas dos segurados que tiveram seus benefícios por incapacidade permanente concedidos após a reforma da previdência. Isso porque ela não prevê a revisão da renda mensal inicial desses benefícios, que continuam sendo calculados com base nas novas regras. Essa revisão deverá ser disciplinada em um ato próprio do INSS, em momento oportuno.

Essa questão é muito importante, afetando diretamente o valor dos benefícios por incapacidade permanente e a qualidade de vida dos segurados. Por isso, é essencial que os segurados fiquem atentos às notícias sobre o assunto e cobrem do INSS uma solução definitiva para esse problema.

Como se vê, o pente-fino do INSS em 2023 é um assunto muito complexo e que pode ter consequências graves para quem recebe da Previdência Social. Por isso, é imprescindível que o cidadão esteja bem-informado e preparado para enfrentar essa situação. Não deixe de acompanhar as notícias sobre o INSS e os seus direitos como segurado. E se você tiver alguma dúvida ou dificuldade, procure um advogado especialista de sua confiança. Ele poderá orientá-lo e defender os seus interesses.

Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor de direito – especialista em direito previdenciário