Você já se perguntou se uma criança pode se aposentar? Parece uma pergunta absurda, não é mesmo? Afinal, em regra, a aposentadoria é um benefício que se recebe depois de anos de trabalho e contribuição para a Previdência Social. Como uma criança poderia ter direito a isso?
Entretanto, a questão não é tão simples assim. Existem alguns casos em que uma criança pode ter direito a receber SIM algum benefício do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), mesmo sem ter trabalhado ou contribuído. Há, ainda, casos em que uma criança pode ter trabalhado e contribuído, mesmo sem ter a idade mínima legal para isso. Vamos entender melhor essas situações.
Benefícios do INSS para crianças
O INSS é um órgão do governo federal que administra os benefícios previdenciários e assistenciais para os trabalhadores e seus dependentes.
Existem alguns benefícios do INSS que podem ser pagos para crianças, dependendo da situação. São eles:
- BPC/LOAS: O Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) é um benefício assistencial que garante um salário-mínimo mensal para pessoas com deficiência ou idosos que comprovem não ter meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Para ter direito ao BPC/LOAS, é preciso atender aos seguintes requisitos:
- Ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais;
- Ter renda familiar baixa;
- Não receber outro benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica ou pensão especial de natureza indenizatória.
- Dessa maneira, uma criança com deficiência pode receber o BPC/LOAS, desde que comprove a sua condição e a renda familiar baixa. O benefício é concedido pelo INSS.
- Pensão por morte: A pensão por morte é um benefício previdenciário que é pago aos dependentes do segurado que faleceu ou teve sua morte presumida declarada judicialmente. Para ter direito à pensão por morte, é preciso atender aos seguintes requisitos:
- Ser dependente do segurado falecido, conforme as classes previstas na lei: cônjuge ou companheiro(a), filhos menores de 21 anos ou inválidos, pais e irmãos menores de 21 anos ou inválidos;
- O segurado falecido ter qualidade de segurado na data do óbito ou estar em período de graça (período em que o trabalhador mantém seus direitos previdenciários mesmo sem contribuir);
- Não existir outra pessoa que tenha direito à pensão por morte em classe preferencial ou igual à sua.
- Dessa maneira, uma criança pode receber a pensão por morte como dependente do seu pai e/ou mãe que faleceu. Há a possibilidade, inclusive, da criança receber pensão por morte do pai e da mãe, cumulativamente, caso ambos tenham falecido.
- Auxílio-reclusão: O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário que é pago aos dependentes do segurado que foi preso em regime fechado ou semiaberto. Para ter direito ao auxílio-reclusão, é preciso atender aos seguintes requisitos:
- Ser dependente do segurado preso, conforme as classes previstas na lei: cônjuge ou companheiro(a), filhos menores de 21 anos ou inválidos, pais e irmãos menores de 21 anos ou inválidos;
- O segurado preso ter qualidade de segurado na data da prisão ou estar em período de graça;
- A última remuneração do segurado preso ser igual ou inferior ao valor definido pelo governo federal;
- Não existir outra pessoa que tenha direito ao auxílio-reclusão em classe preferencial ou igual à sua.
- Sendo assim, uma criança pode receber o auxílio-reclusão como dependente do seu pai e/ou mãe que foi preso, desde que comprove essa condição.
Esses benefícios não são propriamente aposentadorias, mas sim formas de garantir uma renda mínima para as crianças que se encontram em situações de vulnerabilidade social, por causa da deficiência, da morte ou da prisão de seus pais.
Mas e se a criança trabalhou e contribuiu para a Previdência Social? Ela pode se aposentar?
Antes de falar do trabalho infantil, precisamos ter em mente que este pode existir de forma legal e de forma ilegal. Como exemplo de trabalho legal, pode-se citar atores e modelos mirins.
Porém, existe também o ilegal. O trabalho infantil é uma realidade triste e ilegal no Brasil e no mundo. Muitas crianças são obrigadas a trabalhar desde cedo, em condições precárias e insalubres, para ajudar no sustento de suas famílias ou para sobreviver.
A Constituição Federal de 1988 proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e qualquer trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Antes disso, a idade mínima para o trabalho era de 14 anos, conforme a Constituição de 1967. E antes disso, não havia uma idade mínima definida, mas apenas algumas restrições ao trabalho de menores de 12 anos, conforme o Código de Menores de 1927.
No entanto, apesar da proibição legal, muitas crianças ainda trabalham no Brasil. Segundo o IBGE, em 2019, havia cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando no país. A maioria desses trabalhadores estava na faixa etária de 14 a 17 anos (1,4 milhão), mas também havia 160 mil crianças entre 5 e 9 anos e 269 mil entre 10 e 13 anos trabalhando.
O trabalho infantil é uma violação dos direitos humanos e das normas internacionais do trabalho. Ele prejudica o desenvolvimento físico, mental, social e educacional das crianças e adolescentes. Ele também expõe os menores a riscos de acidentes, doenças, violência e exploração.
Mas será que esse trabalho pode ser reconhecido para fins previdenciários?
Ou seja, será que uma criança que trabalhou pode contar esse tempo para se aposentar no futuro?
A resposta é: depende!
O reconhecimento do tempo de serviço prestado por menor é uma questão polêmica e complexa. Existem diferentes entendimentos jurídicos sobre o assunto. Alguns defendem que o trabalho infantil não pode ser reconhecido em hipótese alguma, pois isso seria uma forma de legitimar uma prática ilegal e imoral. Outros defendem que o trabalho infantil pode ser reconhecido em alguns casos, pois isso seria uma forma de reparar uma injustiça social e garantir um direito fundamental.
De acordo com o INSS, o tempo de serviço prestado por menor só pode ser reconhecido se ele tiver sido registrado na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) ou se houver prova documental do vínculo empregatício. Além disso, o INSS só reconhece o tempo de serviço prestado a partir dos 16 anos (ou dos 14 anos, se na condição de aprendiz), conforme a Constituição Federal ou de acordo com a lei vigente à época em que o serviço foi prestado.
No entanto, existem decisões judiciais que admitem o reconhecimento do tempo de serviço prestado por menor em outras situações. Por exemplo:
- O tempo de serviço prestado por menor em atividade rural em regime de economia familiar pode ser reconhecido desde que comprovado por início de prova material (documentos) e complementado por prova testemunhal (depoimentos).
- O tempo de serviço prestado por menor em atividade urbana sem registro na CTPS pode ser reconhecido desde que comprovado por outros meios de prova admitidos em direito (como contratos, recibos, declarações etc.).
- O tempo de serviço prestado por menor em atividade artística, como ator, cantor, músico ou modelo, pode ser reconhecido desde que comprovado por contrato, autorização judicial e recolhimento de contribuições previdenciárias.
Esses são alguns exemplos de situações em que uma criança que trabalhou pode ter o seu tempo de serviço reconhecido para fins previdenciários. No entanto, isso não significa que ela possa se aposentar imediatamente. Ela ainda precisa cumprir os requisitos mínimos de idade e tempo de contribuição para cada tipo de aposentadoria.
Portanto, uma criança que trabalhou pode contar esse tempo para se aposentar no futuro, mas não pode se aposentar antes de atingir a idade e o tempo de contribuição exigidos pela lei.
Entretanto, se essa criança que estiver realizando o trabalho (legal ou ilegalmente) vier a se machucar ou ficar doente, por exemplo, poderá ter direito ao respectivo benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez). O mesmo raciocínio vale para a percepção de qualquer outro benefício do INSS que tenha suas condições implementadas.
Conclusão
Diante do exposto, vimos que uma criança pode ter direito a alguns benefícios do INSS, como o BPC/LOAS, a pensão por morte e o auxílio-reclusão, dependendo da sua situação social e familiar. Vimos também que uma criança que trabalhou pode ter o seu tempo de serviço reconhecido para fins previdenciários, em alguns casos, mas não pode se aposentar antes de cumprir os requisitos mínimos exigidos pela lei.
Assim, podemos concluir que, em regra, uma criança não se aposenta, mas pode ter direito a benefícios do INSS. Esses benefícios são formas de garantir uma renda mínima e uma proteção social para as crianças que se encontram em situações de vulnerabilidade ou que foram vítimas do trabalho infantil.
Se você tiver alguma dúvida sobre os benefícios do INSS ou sobre o reconhecimento do tempo de serviço prestado por menor, procure um advogado especialista de sua confiança. Ele poderá orientá-lo sobre os seus direitos e as melhores formas de comprová-los.
Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor de direito – especialista em direito previdenciário