16 de julho de 2024
OPINIÃO

Vergonha

Por Lúcia Brigagão | Especial para o GCN
| Tempo de leitura: 3 min

“As pessoas precisam de três coisas: prudência no ânimo; silêncio na língua e vergonha na cara.” Nem sei quanto tempo faz que achei esta máxima atribuída a Sócrates numa edição palimpséstica das Seleções do Reader’s Digest. Copiei, colei no lado do meu guarda-roupa e, nas manhãs, depois da prece de Cáritas, do Pai Nosso e da Ave Maria, leio novamente a mensagem, escrita com letra de adolescente.

Não vou dizer que as sigo corretamente. Prudência é algo incompatível com meu gênio forte. Por mais que tente e ensaie, não consigo perdoar facilmente embora muitas vezes as desculpas cheguem com forte apelo: “não sei onde estava com a cabeça”, “estava em surto”, etc. “Silêncio na língua”, sim sou absolutamente confiável. Não revelo segredos que me foram confiados, nem compartilho histórias que não são minhas. Odeio fofocas. Vergonha na cara, tento adquirir mais. E mais.

Verdade, sou sobrevivente. Já passei muita vergonha. Minha anágua despencou enquanto eu rodopiava no salão de baile - quase todo mundo viu. Ainda bem que estava limpa. Já perdi a cabeça bebendo além da conta. Já dei vexame. Já fui xingada publicamente, já me ofenderam me atribuindo maus feitos que não cometi. Já investi em quem nunca prestou um níquel, em nome da paixão. Já fui deixada para trás, já fui esnobada, já fui descartada feito saco de lixo. Já me senti um saco de lixo. Já me senti um lixo. Já passei vexame sendo atacada por pessoas mesquinhas e sem cultura. Certa vez médico que morou em Franca – suas iniciais JMMA – promoveu reunião monumental na casa dele disse que era festa do Bolinha, mulher não entrava. Mentira: a casa estava cheia de casais; só meu marido estava sozinho: eu não era bem-vinda. E o médico deixou isso bem claro. Sobrevivi a todas as situações. Tudo bem, quase morri de vergonha. Leia-se, como sinônimos de vergonha - “humilhação, constrangimento, desonra, rebaixamento, enxovalho, opróbrio, desgraça, ignomínia, demérito, descrédito, aviltamento, desdouro, desdoiro, labéu”. O ideário popular reza que “Vergonha é roubar e não poder carregar”, e alerta: “donde a vergonha sai, nunca mais entra”; “quem não tem vergonha, não tem honra”; “quem perde a vergonha, não tem mais o que perder”. Vi, li e acompanhei tanta coisa que acabei por ressignificar o vocábulo Vergonha no meu particular dicionário.

Depois que passei a seguir políticos, politicalha e política no meu país comecei a sentir algo que não entendo bem. Tenho sentido “vergonha alheia”. Por exemplo, quando vejo Dilma Rousseff – a Mulher Sapiens - manquitolar na língua portuguesa falando em nome do seu, do meu, do nosso nome, do Brasil inteiro, como presidente do Brics, eu sinto vontade de ser um mosquito e sumir. Quando vejo a mulher do presidente, que todo mundo chama com tanta intimidade de Janja, pergunto onde foi parar a pompa e circunstância que cercou tantas primeiras-damas, do Brasil e do mundo. Quando vejo políticos abandonarem suas ideias antigas para passar para o lado do bandido, eu sinto vergonha. E quando percebo que a Constituição não é mais o guia para a conduta da magistratura, sinto que está na hora de sair e apagar a luz.

Lúcia Helena Maniglia Brigagão é publicitária e escritora.