15 de dezembro de 2025
SUPERPRODUÇÃO

Gêmeas trans estrelam série com cenas gravadas em Franca; veja entrevista com Sofia

Por Pedro Baccelli | da Redação
| Tempo de leitura: 7 min
Sampi/Franca
Reprodução/Redes sociais
Gêmeas Mayla Phoebe e Sofia Albuquerck estrelam a série

A série documental Gêmeas Trans: Uma Nova Vida, protagonizada pelas irmãs Mayla Phoebe e Sofia Albuquerck, lançada pela Discovery, apresenta a história das primeiras gêmeas do mundo a passarem pela cirurgia de readequação sexual. Com impacto em suas trajetórias, a cidade de Franca desempenha um papel fundamental na jornada das irmãs.

A superprodução, que estreou em junho, mês do Orgulho LGBTQIAP+, compreende seis episódios em sua primeira temporada e conta a história das gêmeas, nascidas em Araxá (MG), mas criadas em Tapira, um município mineiro com aproximadamente 4 mil habitantes.

Desde a infância, as gêmeas se identificam como mulheres, e foi somente em 2021 que puderam realizar a tão desejada cirurgia. Na época, devido ao alto custo do procedimento, o avô das meninas vendeu sua própria casa para ajudar a custear o procedimento. A cirurgia foi realizada em Blumenau (SC), transformando suas vidas.

Atualmente, as irmãs vivem separadas por uma distância de 2.300 quilômetros. Mayla Phoebe encontra-se no terceiro ano do curso de medicina, em Buenos Aires, Argentina, enquanto Sofia Albuquerck está cursando o quarto ano de engenharia civil na Unifran (Universidade de Franca).

Franca aparece nos minutos iniciais da série, quando é contada a vida de Sofia. A futura engenheira faz uma brincadeira sobre o tamanho da cidade. “Não sei porque as pessoas falam interior, porque para mim isso daqui, de onde venho é uma capital”.

O Portal GCN/Sampi Franca entrevistou Sofia Albuquerck sobre o documentário. Veja o bate-papo na íntegra:

GCN: Quando e como foi o primeiro contato com os produtores da série?
Sofia: Tudo começou quando teve a veiculação das notícias sobre a nossa cirurgia. Um dia (4 de março de 2021, às 19h21) abri o Twitter, olhei as solicitações de amizades e vi uma mensagem: ‘olá, gostaria de falar com a Sofia, aqui é o pessoal da Discovery e queríamos entrar em contato’. Falei: ‘não, isso deve ser um trote’. A Discovery me mandando mensagem?. Tirei um print e mandei para o Alex (assessor de imprensa) e ele falou para passar o contato dele para a Discovery.

GCN: Como foi o processo de aprovação do documentário?
Sofia: O Alex começou a conversar com eles, por meio da Adriana (diretora da Discovery no Brasil). A gente fez um teaser para mandar para Londres, na Inglaterra, para ser aprovado e ter a produção da série. Depois que o teaser foi aprovado começamos a fazer reuniões para o contrato da primeira temporada, e assim surgiu a Discovery na nossa vida.

GCN: O que vocês reuniram no teaser?
Sofia: A gente juntou vídeos, fotos e gravações pelo zoom. Usaram muita coisa e montaram o teaser. Foram (notícias de) 50 países, tipo, Japão, China e Índia. Um monte de lugares.

GCN: Como vocês lidaram com os holofotes da mídia após a cirurgia de readequação sexual?
Sofia: A Mayla, principalmente, não queria nada daquilo. Quando a gente foi fazer a cirurgia, a Mayla assinou um termo de autorização para gravação da cirurgia dela para usar para estudos médicos. Acabou que um jornalista soltou a notícia, e não era para soltar nada sobre a cirurgia, porque era para acontecer tudo no anonimato. A Mayla sofreu muito. Deu muita crise de ansiedade e depressão.

GCN: Como a clínica agiu?
Sofia: A clínica usou a seu favor (a cirurgia) para divulgar a marca deles sem a gente receber nada, não ofereceram nem um psicólogo para a Mayla. Invadiram a privacidade dela e publicaram tudo por marketing. Isso foi uma coisa que me deixou bastante chateada. Até hoje usam da nossa imagem para poder se promover.

GCN: Como foi o pós-cirurgia?
Sofia: Estava muito drogada de anestesia e remédios, nem sabia o que estava fazendo. Lembro que abri uma live e estava achando a melhor coisa do mundo. Depois fui parar para ver que minha vida tinha sido totalmente exposta.

GCN: Como foi o processo de adaptação com esta “perseguição” a vocês?
Sofia: Levou um tempo para a gente se adaptar a tudo. Tanto que tem cartas que a gente escrevia para Deus. Uma semana depois da minha cirurgia, ficava rezando o dia inteiro, porque fiquei conversando com Deus o dia todo. Não sabia o que fazer, e só chorava. A Mayla, principalmente, chorava muito. Ela pediu ajuda nos stories perguntando se tinha algum psiquiatra ou psicólogo. Um psiquiatra a chamou e a ajudou.

GCN: Como foi ter uma câmera seguindo vocês para todos os lados?
Sofia: Essas foram as primeiras gravações e, para ser sincera, foi muito entranho. A gente estava muito nervosa, ficava com medo de fazer algo errado, porque a gente não sabia, era uma novidade. Mesmo que tivéssemos dado muitos depoimentos para jornais, ter uma câmera 24 horas é totalmente diferente.

GCN: No primeiro episódio da série você e a Mayla se reencontram após oito meses. Como foi ver e estar com ela novamente?
Sofia: Quando eu a encontrei foi algo muito bom. No começo, quando comecei a gravar sozinha, fiquei tipo: ‘o que faço, o que faço’. Será que estou fazendo certo? Será que estou agindo de forma certa? Será que fiz alguma coisa errada? Na hora em que eu a encontrei, as coisas começam a melhorar. Comecei a ficar mais tranquila e menos eufórica. Ela também. Estávamos ali juntas e foi algo incrível, porque estávamos matando a nossa saudade. 

GCN: Como sua família encarou a série?
Sofia: Meu pai não queria aparecer. A gente sempre respeitou. Tanto que ele falou agora que quer aparecer na segunda temporada. Tive super apoio da minha família, todo mundo quis participar, dar esse apoio e mostrar essa luta para ajudar outras pessoas também.

GCN: Como é a relação com o seu pai?
Sofia: Uma parte do meu pai achava que a gente ia desistir, 'destransicionar' e voltar a ser aquelas pessoas de quando nascemos, quando ele descobriu a gravidez da minha mãe. Ele apoiou bastante depois da cirurgia. A ficha dele literalmente caiu. Hoje, ele aceita, respeita e ama a gente como filhas. Mas, hoje em dia, ainda temos algumas desavenças que dá para ver na série. Quando a gente fez a cirurgia, na última semana minha no tubo de respiração, ele ficou lá.

GCN: Você cita anteriormente uma “segunda temporada”. Já está confirmado? A série terá continuação?
Sofia: Quem sabe vai ter uma segunda temporada aí, e todo mundo vai poder conhecer o meu pai. A gente (ainda) vai ter essa conversa. Ainda não, porque a série acabou de ser lançada e a gente ainda não teve essa reunião.

GCN: Como você lida com os ataques sofridos, principalmente, nas redes sociais?
Sofia: Lembro muito quando saíram às notícias. Ataque, tinha muito mais. Agora, sei lidar com tudo de uma forma melhor, mas não completamente.

GCN: Como é para você ser admirada e exemplo para outras pessoas?
Sofia: Hoje em dia acho incrível. Muita gente manda mensagem na solicitação, fala que admira muito a minha família e a gente. Acha muito forte o que temos uns com os outros. A forma de apoiar, a forma do meu avô, a ligação entre mim e a Mayra -mesmo que a gente seja totalmente oposta, nós temos uma ligação muito forte. A forma que estamos ajudando outras pessoas a entenderem sobre o assunto, e vendo que isso é importante para quebrar tabus.

GCN: Você consegue dimensionar o impacto positivo que pode causar em outras vidas?
Sofia: A minha psicóloga sempre falava que não tenho noção do poder que tenho de influenciar outras pessoas e de ajudá-las também (…) sei que se eu me envolver cada vez mais, vou poder influenciar mais pessoas, aumentar mais o meu nicho e ajudar a contribuir com isso. Contar minha história, fazer as pessoas mudarem a forma de pensar.

GCN: Atualmente, você mora e estuda em Franca. O município de 352 mil habitantes faz parte dos seus planos no futuro?
Sofia: Provavelmente não (ficarei na cidade), porque quero fazer a pós e quero tentar entrar na USP (Universidade de São Paulo) ou alguma outra faculdade. Estou procurando uma faculdade fora para fazer, para aumentar conhecimento. Franca é uma cidade de que gosto bastante. Penso muito em vir para cá e continuar morando aqui depois que terminar meus estudos.

GCN: Como você se imagina daqui a dez anos?
Sofia: Imagino ter lançado o meu livro. Imagino ter conseguido ajudar a vida de muita gente e ser uma referência pública de superação e força. Espero estar formada, seguindo o meu sonho de atuar e ter uma empresa de engenharia ligada a patologia de diagnósticos de construção.

GCN: Como você descreve sua jornada até agora?
Sofia: Uma palavra descreveria tudo: esperança. Se eu não tivesse tido esperança e fé em Deus, apesar de tudo; se eu não tivesse rezado, orado; se eu não tivesse tido aqueles pedidos bobos de criança de um dente de leão assoprado com os olhos fechados; se eu não tivesse tido fé em tudo isso, não estaria aqui hoje.