27 de julho de 2024
OPINIÃO

Arcabouço Fiscal!

Por Toninho Menezes | Especial para o GCN
| Tempo de leitura: 4 min
Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O assunto da semana foi e está sendo o chamado arcabouço fiscal, divulgado pelo governo federal. De pronto temos dois pontos a destacar: o primeiro é que o governo tem uma facilidade em criar nomes, narrativas e outros através de sua, temos que admitir, excelente equipe de marqueteiros, pois o que foi divulgado trata-se apenas de diretrizes e carta de intensões ainda não aprofundada em seus pormenores que será enviada ao Poder Legislativo; o segundo ponto é que a divulgação foi tão apressada, efetuada de última hora, apenas para coincidir e se contrapor ao retorno do ex-presidente Bolsonaro ao Brasil.

Dessa forma foi muito mal apresentada, bastando citar um exemplo: quando o ministro disse que o arcabouço foi baseado em regras implantadas em outros países e em nenhum momento citou a fonte, ou seja, quais são esses países, joga por terra a afirmativa.

Caros leitores, o problema do Brasil não está em criar regras e divulgá-las como o “remédio” salvador de todas as moléstias. Os problemas sim estão em não cumprir as regras já existentes, descumprimentos esses que infelizmente são referendados pelas altas cortes.

Não adentrando a detalhes técnicos, no momento, mas tão somente a explanação, é muito triste ouvir da ministra do planejamento e orçamento do Brasil, Simone Tebet, afirmando que: “Nós não estamos preocupados com o gasto público”. Ora, senhores detentores do poder, um arcabouço que somente olha para a receita e não mexe em nenhum momento com as despesas da máquina pública, muito provavelmente não vai a lugar nenhum. Isso, as várias experiências de governo anteriores nos demonstraram.

Se a cada mês estamos vendo a arrecadação bater recordes, por qual razão a conta não fecha? É exatamente porque o déficit público tem aumentado em maior proporção. Assim só buscar aumentar a arrecadação, inclusive como dito, através de aplicação de infrações, não irá resolver nada se não barrarmos o aumento sistêmico da dívida pública e o governo não está combatendo isso, com todo respeito, senhor Ministro não estamos vendo nenhuma medida ser adotada pra frear o déficit público, muito pelo contrário.

O projeto do arcabouço nos parece um trabalho primário, pois simplesmente substituir o limite de teto de gastos, que, queiram ou não, barrou a farra política com o dinheiro público, por um arcabouço, para controlar, estabilizar as contas públicas, sem ao menos cortar gastos e priorizar reformas que alterem a indexação de gastos à arrecadação de impostos são medidas que não deram certo em outros ajustes fiscais e por certo não dará novamente.

Todos nós, ou a maioria dos cidadãos brasileiros não alienados, sabemos perfeitamente que o Estado brasileiro não cabe no seu orçamento. Por décadas, vários economistas e ministros, criaram mecanismos para dar sustentabilidade às contas públicas, porém o Brasil segue com crises de credibilidade diante de gastos públicos desorganizados por políticos que não estão nem aí para as despesas pública, porém somente mirando no aumento de arrecadação seja de que forma for, como por exemplo aumento da já insuportável carga tributária.

Qualquer aluno de cursos superiores ligados à área econômica sabe que para estabilidade macroeconômica e inflação baixa, o Estado necessita de um regime fiscal sério e que seja efetivamente cumprido, que coloque limites concretos e não genéricos para a evolução de gastos, de tal forma que implique uma trajetória previsível e plausível para o endividamento.

De nada adianta o governo afirmar que não pode gastar mais que 70% se ao mesmo tempo mantém regras que obrigam os gastos a crescer, pois para dar certo a mudança tem que se dar em toda estrutura econômica e não somente na arrecadação. É preciso mudar as regras que determinam a evolução dos gastos públicos, com um conjunto de reformas, evitando que os gastos superem o real crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

A questão que fica é: Como o arcabouço vai funcionar na prática? Quando no conjunto normativo brasileiro temos outras regras que atuam no sentido oposto, que a propósito sequer foram citadas na apresentação do arcabouço.

Para ficar mais claro, no Brasil temos um conjunto de gastos que são indexados à arrecadação de impostos, ou seja, quando a arrecadação cresce essas despesas também evoluem. Por exemplo o imposto de renda arrecadou mais, porém uma parte percentual tem que obrigatoriamente ser transferida para Estados-membros e municípios, além de que outra parte percentual tem que ser gastos em saúde, educação, ou seja, o gasto irá aumentar independentemente de se ter uma regra (arcabouço). Assim também ocorre com o salário mínimo, que por sua vez vai impactar nos gastos previdenciários independentemente de se ter ou não uma regra fiscal.

Infelizmente em nosso país é mais fácil mudar a Constituição do que um Estatuto de Condomínio. Pode ser a melhor regra fiscal, mas ela não sobrevive a primeira necessidade que o governo tenha que gastar mais, geralmente relacionada a ciclos políticos, ou seja, eleições.

Enfim, afirmam que teremos uma regra nova, chamada arcabouço fiscal, que agora é pra valer, pois o governo vai efetivamente obedecer e seguir. Torcemos para ser assim, mas como em outros planos, não dá para acreditar!

Toninho Menezes é mestre em direito público, advogado e professor universitário.