17 de novembro de 2024
OPINIÃO

Os 100 anos da Previdência Social no Brasil

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN
| Tempo de leitura: 5 min

Entra governo, sai governo e todos dizem que a Previdência Social no Brasil “vai quebrar”, sob o pretexto de realizarem mudanças... Porém, ela resiste bravamente e está completando 100 anos de existência em 2023. Afinal de contas, como está a saúde dela? O que esperar do futuro da Previdência Social no Brasil?

A palavra previdência, pode trazer como conceito o de se prevenir, de se preparar para o futuro. Muitos doutrinadores dizem que a previdência nasceu quando os homens das cavernas começaram a pensar em guardar a sua caça, isto é, se preparando para o futuro.

Trazendo para a nossa realidade, quando se fala em previdência, a ideia que se tem nos dias de hoje está relacionada a aposentadoria, pensão por morte, auxílio-doença, salário maternidade e demais benefícios que são pagos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Em que pese alguns estudiosos apontarem que a existência da Previdência Social no nosso país possa existir há mais de um século (pois, na época do Imperador Dom Pedro, por exemplo, já existiam regras para os professores se jubilarem), em 24 de janeiro de 1923 foi publicado o Decreto nº 4.682 – que é tido como o nascimento da Previdência Social no Brasil. Essa lei foi assinada pelo então presidente Arthur Bernardes, tendo sido proposta pelo deputado federal Eloy Chaves (SP) e aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional. Por isso, conhecida como “Lei Eloy Chaves”. O mencionado Decreto obrigava cada uma das empresas ferroviárias existentes no país, a criar uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados. Foi em cima dessa lei que se desenvolveu todo o sistema previdenciário brasileiro, que cresceu até chegar ao modelo que temos hoje, pagando aposentadorias, pensões, auxílios e outros benefícios a milhões de brasileiros nos setores público e privado.

Destaca-se que naquele período em que o Decreto foi publicado, era crescente a industrialização por aqui, fazendo com que outras classes de trabalhadores lutassem por benefícios semelhantes aos adquiridos ferroviários. Assim, pouco a pouco, foi ampliando a cobertura previdenciária no Brasil. Num primeiro momento, o caráter previdenciário era privado, já que os fundos eram estruturados e mantidos pelas próprias empresas.

O presidente Getúlio Vargas modificou esse modelo. Os Institutos de Aposentadorias e Pensões passaram a ser vinculados a previdência ao governo federal. Vale destacar que havia Institutos para cada classe de trabalhador (e cada um com regras e características próprias). Havia, por exemplo, o IAPB (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários), IAPC (que era dos comerciários), IAPTC (dos transportadores de carga), IAPI (dos industriários) etc.

Em 1960, o presidente Juscelino Kubitschek cria a Lops (Lei Orgânica da Previdência Social), uniformizando as regras e que é basicamente a estrutura da maioria dos benefícios que existem até os nossos dias.

A partir de 1966, os Institutos de Aposentadoria passam a se fundir em um único Instituto, ou seja, o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) – e que mais tarde passou a ser o INSS.

A Constituição de 1988 trouxe novos contornos e a Previdência Social foi incluída entre os direitos e garantias fundamentais, juntamente com a saúde e à assistência, compondo os elementos da seguridade social.

O sistema adotado no Brasil é de repartição simples (ou solidário).

Repartição simples é o oposto do sistema de capitalização. Para entender melhor, quando alguém contribui para a Previdência Social, não está “guardando” o dinheiro como seria em uma “poupança” (ou sistema de capitalização). O dinheiro que esta lá não é daquele segurado, mas de todos os segurados. Esse dinheiro será utilizado para pagar benefícios de quem está recebendo hoje. Quando for a hora do segurado receber, alguém estará pagando para ele.

O sistema previdenciário brasileiro é também obrigatório. Quer dizer que, em regra, todo trabalhador que exerce alguma atividade remunerada está “obrigado” a contribuir, pouco importando se é empregado, autônomo, doméstico etc. Não há opção de ficar sem pagar (por isso, mesmo quem se aposenta e continua trabalhando registrado, por exemplo, tem o desconto do INSS). Contudo, quem não contribui e não está vinculado a nenhum regime previdenciário, poderá contribuir de forma facultativa, garantindo-lhe o direito aos mesmos benefícios pagos aos segurados obrigatórios.

A Constituição Federal de 1988, para que deixasse as contas saudáveis da Previdência Social, propiciou que entrassem para o “caixa” da Seguridade Social outras fontes de receita. Dessa forma, não são apenas os valores que são descontados do salário do trabalhador ou daquilo que o trabalhador paga que vai para o INSS. Entre as fontes de receitas, tem-se as contribuições que são pagas pelos empregadores e empresas (PIS, Cofins, Contribuição Sobre o Lucro Líquido etc.), os concursos de prognósticos (parte do que é arrecado com loterias e outros tipos de “jogos” vai para a seguridade social), construção etc. Além disso, os governos (federal, estadual, municipal e distrital) deveriam também ajudar no custeio.

Em estudos realizados pela Associação de Auditores da Receita Federal (disponível no respectivo portal da mencionada associação) é possível ver que a Previdência Social é superavitária (e não deficitária). No entanto, como a Constituição Federal estabelece que a Previdência Social compõe um dos tripés da Seguridade Social (que também engloba a Saúde e Assistência Social), o dinheiro que lá entra acaba indo para ajudar os outros dois (que, quase sempre, são deficitários). E os governos (que deveriam) ajudar no custeio, nem sempre fazem isso.

Nesse sentido, enganam-se aqueles que pensam que a Previdência Social no Brasil vai “quebrar”. Isso está muito longe de acontecer. Ela é uma fonte inesgotável de recursos, uma vez que o dinheiro que lá entra não vem só das contribuições de quem paga o INSS, como ressaltado anteriormente. No entanto, os desvios, a má administração e a sede voraz de nossos governantes em arrecadar cada vez mais deixam o sonho das aposentadorias e benefícios mais distantes, principalmente para aqueles que mais precisam e que muito fizeram pela construção do nosso país. Certamente, outras “Reformas” e “Mudanças” surgirão. É preciso que a população tome consciência e não permita que haja a desestruturação e modificação dos princípios, fundamentos e objetivos para o qual foi criada a Previdência Social. Se ela foi incluída na Constituição Federal entre os direitos e garantias fundamentais, ainda que ela fosse deficitária, caberia a manutenção dela pelos nossos governantes, assim como em relação à saúde, educação etc.

Fica a reflexão: “Afinal, quem existe em razão de quem? É a Previdência Social que existe em razão de seus contribuintes, ou são os contribuintes que existem em razão da Previdência Social?”

Espera-se que um dia não só a Previdência Social, mas toda a Seguridade Social possa dar mais dignidade a todos. Parabéns à Previdência Social.

Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor especialista de direito.