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01 de maio de 2024

OPINIÃO

Lembranças de Natal

Ao invés de abordarmos temas políticos e legais como fazemos durante todo ano, peço licença para rememorar neste dia festivo os meus Natais. Leia o artigo de Toninho Menezes.

Por Toninho Menezes
Especial para o GCN

24/12/2022 - Tempo de leitura: 4 min

“Quando eu era menino, os mais velhos me perguntavam:
Que é que você quer ser quando crescer?
Hoje, não me perguntam mais.
Se perguntassem, eu diria que quero ser menino.”
Fernando Sabino

Escrever sobre a nossa infância não é somente saudosismo, mas sim ratificarmos e preservarmos lições de vida que ficaram marcadas e nos acompanham. Nessa época de Natal, ao invés de abordarmos temas políticos e legais como fazemos durante todo ano, peço licença para rememorar neste dia festivo os meus Natais.

Nos meus tempos de menino, as comemorações natalinas eram bem mais singelas, porém festivas e criativas, pois não havia disponibilidade de venda e tampouco poder aquisitivo para adquirir produtos prontos e acabados. Tínhamos que criar nossos enfeites, auxiliar na preparação das guloseimas etc. Hoje, as comemorações perderam parte de seu encanto e da ternura, passando a ser uma festa muito mais consumista do que religiosa.

Nos primeiros dias de dezembro, eu e meus irmãos mais velhos saíamos nos matos das cercanias da cidade em busca de algum arbusto que pudesse representar um pinheirinho. Meu saudoso pai era perfeccionista, os galhos tinham que ser retos, bem formados, uniformes, de cor verde. Aproveitávamos também para pegar musgo, que seria a base da árvore e do presépio. A tarefa não era fácil, principalmente a de transportar o arbusto até nossa casa, pois sempre causava “avarias” em nossas mãos e braços.

Em casa, na Vila Peixe, papai e mamãe ornamentavam aquele arbusto com bolas coloridas, que ficavam cuidadosamente guardadas durante todo o ano, e pedaços de algodão que imitavam os flocos de neve. Na base do arbusto, num tapete de musgo, montávamos o presépio com Maria, José, o menino Jesus, os Reis Magos e outros figurantes improvisados. Havia até uma pequena girafa de tamanho desproporcional aos outros integrantes do cenário, que eu todos os anos insistia em colocá-la no presépio. Papai, no dia de Santa Luzia (13/12), plantava arroz em pedaços de bambu para enfeitar ainda mais o nosso cenário.

A ansiedade pela espera do dia era grande, somente quebrada pelos ensaios que fazíamos da encenação da Missa do Galo na Igreja Matriz, conduzidos pelos Freis Elói e José.

A nossa inocência e candura ainda permitiam que acreditássemos em Papai Noel, e que era ele quem distribuía os presentes, apesar dos “avisos” e “alertas” dos mais velhos para que não ficássemos tão esperançosos de que ganharíamos tudo o que pedíamos. Independentemente disso, ficávamos admirando os presentes pendurados na loja da Dona Silvéria, lá no mercadão municipal, ao mesmo tempo em que ganhávamos algumas castanhas no armazém do Sr. Jacó e, em troca, carregávamos algumas sacolas de compras.

Na minha inocência, uma coisa que eu não entendia era o que ocorria na Rua do Comércio, onde, em frente à Loja Betarello, Papai Noel ficava distribuindo balas e bolinhas de gude para as crianças e ouvindo os pedidos de Natal. Eu sabia que não era Papai Noel, pois todos os dias do ano via o Sr. Leandro passando em frente à Vila Peixe, pela Rua Couto Magalhães, em direção à sua casa na Vila Flores. E aquele Papai Noel era ele, como isso era possível? Até hoje tenho algumas bolinhas guardadas que ganhei daquele inesquecível Papai Noel.

Na véspera do Natal, ao entardecer, já de banho tomado, vestíamos nossa melhor roupa e, com alegria, ficávamos na porta de casa aguardando alguma visita. Eram poucas, é verdade, porém era uma delícia quando alguma pessoa virava a rua e começava a subir a Vila. A propósito, a Vila Peixe era fantástica, pois tinha o cheirinho de Natal no ar, principalmente o que sentíamos ao passar em frente à casa da D. Dorama e do Seu Adib Calil, ou no interior do antigo “Mercadão” da rua Couto Magalhães.

Enfim, a noite esperada. Papai tocava na Corporação Musical São José, apelidada de “Furiosa”, enchendo a Praça Nossa Senhora da Conceição de alegria contagiante. Após a retreta, todos se dirigiam até a Igreja Matriz para a Missa do Galo, onde com o mesmo orgulho dos “artistas” principais, participávamos como coadjuvantes. Eu, durante alguns anos e sem nenhuma fala, tinha por missão conduzir um carneirinho. Sempre imaginava que o pastor era importante, mas todos davam mais atenção ao carneirinho, assim passava a ser o coadjuvante do coadjuvante. As crianças que não participavam da encenação, estavam sonolentas, mas em seus rostos havia a esperança do dia seguinte.

No dia de Natal, ao acordar era uma festa, cada um querendo mostrar o que havia ganhado e independentemente do valor do presente ficávamos muito felizes saindo pela rua a brincar. Bons tempos!

Algumas pessoas não gostam de relatar o seu passado e suas origens, mas o bom da vida é olhar para trás e sentir orgulho de nossa história e utilizar como receita da felicidade o viver cada momento como se último fosse. É lógico que a vida nem sempre é da forma que imaginamos e queremos, mas não tem graça viver sem dar uma boa e gostosa risada a cada dia.

Há sempre Natal, mesmo sem a neve dos filmes, sem os pinheiros da taiga europeia, sem chaminés para Papai Noel descer, mas, como aprendemos ao longo da vida, há sempre um Natal a cada ano em nosso interior, onde efetuamos uma reflexão e autocrítica de nossos comportamentos. Assim sempre, a cada ano, repetimos:

Senhor,
De quantos Natais ainda necessitaremos
Para lembrarmos de que a fraternidade
Deve ser vivificada em todos os dias do ano?
Feliz Natal a todos!

Toninho Menezes é mestre em direito público, advogado e professor universitário.