16 de julho de 2024
OPINIÃO

Paúra

Por Lúcia Brigagão | Especial para o GCN
| Tempo de leitura: 3 min

Dizem, o primeiro sintoma da velhice é responder à delicada e atenciosa pergunta “Como vai?” com dados minuciosos relatando os resultados dos últimos exames laboratoriais, nos quais você foi reprovado, com louvor. Ninguém quer saber como você vai, mesmo. Ninguém quer pormenores, mas você se sente tão apavorado que quer desabafar. E bota para fora, torrencialmente, suas taxas apavorantes de colesterol, glicemia, triglicerídeos, ácido úrico, hemoglobina, leucócitos etc. Você conclui que está mal. Muito mal. Encontra alguém, aluga o ouvido do outro que não está nem aí para a paçoca despeja com detalhes seus males e, quando o incauto interlocutor consegue se safar das suas teias, você respira aliviado como se, falando, tais taxas se reduzissem um pouco. Ou muito.

É claro que você não levou, ainda, a correspondência do laboratório ao seu médico. O envelope veio fechado, endereçado a ele, mas você se dá o direito de abrir. Afinal são suas secreções, ora essa! O laboratório sabe que você vai abrir antes, mesmo sem ter muito conhecimento na área. Assim, facilita o seu vil procedimento: coloca uma etiquetazinha fácil, fácil, de ser violada. E, ainda por cima, fornece uma estatística para você comparar os seus resultados com aqueles considerados normais. É o que basta! Você estremece, fica gelado, flutua. E corre para a internet, muito antes de ir ao médico. Isso se não foi diretamente ao site do laboratório e perscrutou, tim-tim por tim-tim cada informação sobre seus humores.

Entra no seu provedor, digita cada nome científico dos seus males e começa a achar sites com mil resultados e milhões de palavras que você conhece bem  - e teme - ou  já ouviu falar mas achava que, no seu caso, eram possibilidades distantes. Diabetes, colesterol bom, colesterol ruim, infartos, derrames. Se coincide de encontrar alguém logo depois, e esse alguém pergunta “como vai?” ... você pode, por acaso, deixar passar a oportunidade de revelar como está? Pode? Você está à beira da morte! E desanda a contar, deixando seu interlocutor boquiaberto.

Aí você vai ao médico. Entra super ressabiado, senta e encontra um monte de gente que olha espantada para você, recém-chegado. Na sala, fica cara a cara com olhos perscrutadores e indagativos. Ouve-se um pigarro e lá vem a pergunta: “O que é que você tem?”. Nesse instante você não quer conversa, quer monólogo. Diz que está levando alguns resultados de exame; laconicamente diz que os resultados não estão grande coisa. E despeja suas suspeitas. Os (im)pacientes da sala fazem cair sobre você casos e mais casos, querem saber mais detalhes dos seus exames e, com superioridade, revelam suas próprias taxas: estão muito, muito piores que as suas...

Você se cala – ninguém vai deixar mesmo você falar – e fica fazendo planos para este pouco futuro que lhe resta. Vai terminar isso, terminar aquilo, organizar papéis para evitar que estranhos, depois que você bater com as dez, entrem na sua intimidade. Vai fazer as pazes com um monte de gente. Vai isso, vai aquilo. Então chega sua vez, o médico acaba com suas sombrias tergiversações, ri – discretamente de suas suspeitas - mostra que nem tudo está perdido. Aconselha-lhe atividades físicas, cuidado com a alimentação e, quem sabe? uma breve estadia num zoológico, quer dizer, num spa. Digo zoológico porque no spa você vira bicho – come feito um passarinho, faz cocô feito cabrito e ri, que nem hiena.

Você desmarca o horário com a funerária, faz contato com o spa mais próximo e começa a arrumar suas malas e vai para lá. O medo passou.

Lúcia Helena Maniglia Brigagão é publicitária e escritora.