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02 de maio de 2024

NOSSAS LETRAS

Tem comida?

Eu devia ter uns oito anos. Parentes que moravam longe vieram a Franca e estiveram na nossa casa em um domingo para almoçar. Leia a crônica de Zelita Verzola.

Por Zelita Verzola
Especial para o GCN

19/11/2022 - Tempo de leitura: 2 min

Eu devia ter uns oito anos. Parentes que moravam longe vieram a Franca e estiveram na nossa casa em um domingo para almoçar. Minha mãe caprichou: fez nhoque (ela mesma fazia a massa), carne de porco, farofa, salada e manjar com coco para sobremesa.

O menininho olha para a mesa posta e pergunta para a mãe:
- Não tem comida?

Minha mãe ouve e espantada fala:
- Comadre, isso é tudo que eu fiz!

- Zenaide, comida, pra ele, é arroz e feijão...

Lembro-me até hoje do riso e do constrangimento geral. Para nós, também o arroz com feijão era a comida de todo dia. Aquele domingo, porém, era, ou deveria ser, especial...

Todo esse episódio brotou na minha memória ao degustar o livro de Sonia Machiavelli “Prosa à mesa – História da Culinária Brasileira do Sudeste + Receitas”. É que o livro fala de “comida de verdade”, aquela que para nós traz junto nossas raízes, nossa identidade, sem excessos nem faltas.

Só para fazer um contraponto, quando vejo as “ricas” comidas de bufês ou as muito industrializadas, sempre me atravessa o pensamento de que não são “comidas de verdade”.

Voltando ao livro, diz a autora (e quem lê confirma) que trafegou entre culinária e literatura, entrando por veredas da antropologia, história, geografia, ciências e outras mais. Conta ainda que, ao apresentar as receitas (cada uma emoldurada por um consistente e lindo texto), levou em conta custo, facilidade de encontrar os ingredientes e preparo e, nunca é demais repetir, propiciar conhecimento, cultura  e memória emocional. Ufa! Objetivo gigante belamente atingido.

Sonia contemplou toda a alimentação que se propôs apresentar: o arroz, o feijão, o milho, as misturas, as sopas, as carnes, comidas italianas, o açúcar e as quitandas. Estas, em uma Franca paulista beirando Minas, não poderiam faltar de jeito nenhum.

Na culinária de todas as culturas os saberes produzem sabores. Esta afirmação contida no livro se torna mais assertiva a cada página. É um livro para ler, degustar, aprender, apreciar (entre outras coisas as belíssimas fotografias de Dirceu Garcia), presentear, guardar. E reler.