A previsível volta da Terra em torno do Sol dura trezentos e sessenta e cinco dias e produz quatro distintas Estações. Sucedem-se Primavera, Verão, Outono e Inverno. Incansável e constantemente. Numa, aparecem as flores. Noutra, a gestação, o calor para transformar as flores em frutos cuja finalidade é saciar a fome de outros seres. Na última parte o grande útero adormece, descansa e, mesmo inerte, guarda em si a possibilidade de germinação para um futuro que certamente virá. Transforma-se em mera explicação o milagre da vida, quando traduzido em termos científicos, como uma lição de escola. Secos, sem deslumbramento, prosaicos mesmo.
Contar com essa previsibilidade matemática, embora tenha seu lado prático, faz-nos insensíveis à poesia contida nesses fenômenos naturais. Risco constante de tomar nota baixa nas aulas de geografia e ciências, prefiramos a explicação mítica de tais fenômenos... Deméter – a filha de Perséfone – arrancada dos braços maternos por Hades, o rei das Trevas, foi levada por ele às profundezas do Inferno. Deixou a deusa mãe em tal estado de tristeza que Perséfone, mesmo incumbida da provisão de gêneros alimentícios para deuses e mortais (era a responsável direta pela Natureza), descuida-se de tudo e a humanidade começa a passar fome. As trevas, o frio e o gelo tomam conta do cenário, traduzindo materialmente a nova triste e sombria personalidade da deusa.
Veio do Olimpo a negociação para que tudo voltasse ao normal, dividindo igualmente o tempo que Deméter ficaria no orco com seu marido e aquele no qual voltaria para os braços maternos. Durante a separação, as lágrimas maternas produziriam escuridão, frio, desolação: esse tempo foi chamado de Outono e Inverno. Ao se reaproximar o momento do encontro, o verde iria gradualmente se instalando, as flores voltariam a nascer. O coração de Perséfone começaria a se recompor, batendo alegremente materializando regozijo e felicidade. O calor atingiria seu ponto máximo enquanto elas estivessem juntas. Desapareceria gradualmente à medida em que se aproximasse a data da nova separação. Estavam instalados e justificados a Primavera e o Verão. Pode carecer de precisão científica, mas a história sobeja em poesia. E ela, justamente, anda faltando num mercado repleto de produtos descartáveis que saciam apenas nossa fome material.
Certa manhã abrimos nossas janelas e encontramos sol brilhante como a iluminar caminho desconhecido. Brisa estranhamente fria se contrapõe àquela luminosidade, tempo depois. É o Inverno, com certeza, que se anuncia. Nas manhãs seguintes, ainda que o Sol brilhe, o vento fica mais e mais gelado. Agasalhamo-nos, voltamo-nos para nosso interior, encolhemo-nos. Introspectivos, cuidamos de nossas sementes, abastecendo-as de vitaminas e nutritivos para sua preservação. É hora de criar. Fortes e ansiosas pela vida, tais sementes, aquecidas pelo Sol que vai recuperando lentamente seu calor, germinam. Vão-se abrindo para a Vida, explodem em cores, enfeitam caminhos pouco antes sombrios, jardins pelados, rostos quase sem contorno. É a Primavera. É a época da semente da criação, da explosão, da alegria, da criação. Vida, luz, calor intenso, procriação, acasalamento, reprodução, perpetuação das espécies. Sexo, pouca roupa, sedução, excitação, cio na terra e nos corpos: é Verão. Continua o ciclo, com o Sol mais e mais quente. As folhas amarelecem, começam a cair. Flores, transformadas dentro desta estranha estufa, se tornam frutos. Amadurecem. São colhidos. Aproveitados. Transformados. Alimentam. É Outono...
Numa certa manhã, previsível e maravilhosamente, percebemos lá fora, ao abrimos as janelas, um novo caminho desconhecido, iluminado por uma familiar luminosidade... Quanto tempo se passou? Um ano? Um mês? Um dia? Um período? Impossível dizer. Apenas, maravilhosa e divinamente isso: é momento de começar de novo. Tudo, de novo. Recomeçar. Verbo divino.
Lúcia Helena Maniglia Brigagão é publicitária e escritora.