Dona Etelvina Maria da Cruz Silva segue firme aos seus 103 anos – ou talvez 107, já ninguém sabe ao certo. Na certidão de nascimento, ela foi registrada no dia 7 de setembro de 1918. À família, ela conta que foi andando ao cartório para tirar a certidão, e que na época escolhiam um dia de feriado para registrar as crianças. Portanto, é legítimo imaginar que tenha nascido anos antes do que diz a certidão. Natural de São José da Bela Vista, a mulher se mudou para Franca há décadas e construiu uma grande família.
Há cerca de 20 dias, dona Etelvina foi uma das tantas pacientes que esperou por uma vaga hospitalar no Pronto-socorro “Álvaro Azzuz”. Ao se levantar da cama, ela sofreu uma queda, e na unidade de emergência foi solicitada a internação na Santa Casa para um procedimento cirúrgico na coluna.
Depois de dois dias de espera, Etelvina foi transferida para o hospital, e por sorte o diagnóstico não era de fratura, e sim de uma luxação. O alívio se deu, principalmente, pela preocupação em ter que submetê-la a uma cirurgia de risco por conta da idade avançada.
De volta para casa 24 horas depois, Etelvina reencontrou a família – que, segundo os próprios netos, é o grande segredo da longevidade da avó. Ao todo, são cinco gerações e 118 pessoas: oito filhos, 28 netos, 59 bisnetos, 22 trinetos e um tataraneto. Tanta gente assim só pode ser sinônimo de casa sempre lotada.
Mais de 100 anos de história
Em São José da Bela Vista, dona Etelvina trabalhava na roça para colher café e algodão. Foi lá que conheceu o seu marido, Horário, falecido há 14 anos. O casal teve oito filhos e migrou para Franca em busca de uma oportunidade melhor. Já em terras francanas, a idosa fazia os serviços de casa e lavava e passava roupas para fora.
Etelvina, que sempre foi guerreira, sentiu o primeiro baque da vida ao perder um de seus filhos. Lurdes, menina ainda jovem, morava em São Paulo e foi assassinada pelo próprio marido aos 18 anos de idade. A dor de sepultar uma filha, vítima de uma tragédia, só demonstrou o quão forte Etelvina sempre foi. A reportagem em jornal impresso com relatos do crime foi guardada pela mãe por décadas.
A segunda perda foi da filha mais velha, Nilda, que se suicidou aos 70 anos. Ela sempre acompanhava Etelvina no hospital ou tarefas do dia a dia. Sobraram com ela até hoje os outros seis filhos – alguns, em outras cidades.
Antes de perder o marido, Etelvina descobriu que não era a única. Depois que ficou sabendo, a relação dos dois nunca mais foi a mesma, mas ela foi fiel até o seu último suspiro de vida. A história é exemplo para os netos.
“O meu avô era muito danado, ele ia para o forró, dava aquela fugida. Meu pai, na época, levou ela para ver meu avô com outras, e ela não se separou dele. Só que daquele dia em diante, ela dormia para cima e ele para baixo. Um dia eu dormia para cima com ela, no outro para baixo com ele”, relembrou aos risos Regiane Ramos, neta de Etelvina.
Segundo a família, a idosa cuidou do marido, que ficou de cama por oito anos, até o final. “O que ela podia fazer por ele, ela fez, até o último momento dele no hospital. A gente vê tanto relacionamento que acaba, e ela foi com ele até o fim. Em questão de dar banho, trocar fralda, acordar de madrugada, ela ali do lado dele em todo momento, independente do que ele fez. Eu conto essa história para todo mundo, e vou levar para o resto da minha vida”.
Câncer de mama
Assim como se recuperou da queda nas últimas semanas, Etelvina saiu firme de muitas outras situações envolvendo a saúde. Entre elas, o diagnóstico de um câncer maligno de mama aos 77 anos. O mais curioso dessa história é que dona Etelvina nunca soube que teve a doença.
“Ela não sabe. O médico, na época, falou que talvez ela viveria muitos anos sem saber o que tinha, ou viveria poucos sabendo da doença, então não contamos para ela. Para convencer de fazer cirurgia, falamos que poderia virar um câncer, não que ela já tinha. Aí, ela concordou”, disse a filha Maria do Carmo.
Até hoje a idosa nunca soube o que realmente aconteceu. Ela retirou as mamas e venceu o câncer, assim como venceu mais um obstáculo que poderia impedi-la de andar.
“Quando ela fez 100 anos, foi abrir uma mala de enxoval e caiu. Com o impacto, quebrou o fêmur e teve que passar por cirurgia e prótese. O médico disse que ela não voltaria a andar. Ela voltou, e ainda fez muita coisa sozinha por anos”, contou a filha.
Hoje, com a idade avançada, a família monitora a rotina de Etelvina. Muitas coisas ela já deixou de fazer, mas tem uma, em especial, que mantém, e muito bem: crochê. A própria Etelvina, com a voz baixinha e suave, é quem explica: “Eu gosto de fazer crochê. E dos netos. Gosto da casa cheia de netos, já acostumei”, disse, com um sorriso tímido, mas sincero, no rosto.