Mês de lindas tardes, noites estreladas, maio é quinto mês do ano, mês particularmente outrora festejado em casa: aniversário de meu pai e um irmão, ambos falecidos. Mês do Dia das Mães. Do dia do Enfermeiro. Faltam 232 dias para acabar o ano de 2022. O 13 de maio, por tratar-se do 133º dia do ano, é considerado, pelas ordens secretas, esotéricas, filosóficas e místicas como sendo uma proporção áurea do ano.
Pesquisei e repito: “Proporção áurea, número áureo, número de ouro, secção áurea ou proporção de ouro é uma constante real algébrica irracional denotada pela letra grega (PHI), em homenagem ao escultor Phideas, que a teria utilizado para conceber o Parthenon, e com o valor arredondado a três casas decimais de 1,618.” Entendeu? Bem, há outras explicações complementares, aconselho buscá-las. Bem interessantes para quem ama números e sua lógica. E o mês de maio...
No passado, maio era o mês da Virgem Maria. Acompanhava, achava lindas as comemorações eclesiásticas, mas nunca subi no altar, com véu na cabeça, para levar flores à Nossa Senhora. Isso era para as moças mais altas, mais bonitas, mais católicas, cujas mães e avós viam sentido na celebração. Mas sabia cantar as canções da cerimônia, o que já constitui alguma vantagem, se e quando eu chegar no Céu. “A 13 de maio, na cova da Iria...” ainda sei cantar!
Maio é o mês, 13 é o dia em que comemorávamos o dia em que foi promulgada a Lei Áurea, pela qual se decretava o fim do período nebuloso da escravidão no Brasil, a exemplo do que fizeram países mais civilizados que o nosso. Os outrora escravos resistiram, lutaram, conseguiram o intento, juntamente com parte da sociedade simpática à causa, por meio de associações e mobilização política dos defensores do abolicionismo.
Eu ainda comemoro. Tenho muito orgulho da minha ascendência negra, tanto quanto da outra metade, italiana. Outro dia ouvi um dos meus filhos comentar que não se lembrava do vovô Quinca como sendo “pardo”, que é como ele foi identificado nos documentos como título de eleitor e reservista. Era, disse ele, apenas “aquele homem de fala mansa, que se sentava no alpendre e dava colo, brincava com ele e estava sempre com vovó Ritinha.” Ele não teve escolaridade. Ninguém da família dele estudou, frequentou colégio, mas ele aprendeu o ofício de mecânico, dava baile nos sabichões e conhecedores de motores e manutenção dos carros.
Contava minha mãe que sua avó, portanto minha bisavó de quem ela herdou o nome, só andava de luvas e chapéu. No banco de trás do carro, com motorista. Dizem que herdei dela, sem nunca a ter conhecido, o gosto por mesa bem-posta, toalha trincando de engomada, talheres brilhando, porcelana cheia de flores. E, claro, vasinho de flor (verdadeira) no centro, elementos que comprovam caso de atavismo doméstico. Nunca tive problema com a cor da pele do vovô e dos tios. Tenho amigas com pele idêntica à do meu avô, pouquinho mais clara umas, outras muito mais escuras, que me amam e são amadas na mesma intensidade.
Aprendi a tocar violão com vovô Joaquim e sou extremamente grata por cantar repertório incompatível com minha idade: cantando sou centenária... Vovô nunca mencionou preconceito contra ele ou seus filhos. Nunca se queixou ou protestou. Sempre dizia que sim, havia injustiça social, que seus ascendentes foram libertados, mas ignorados, mas que cumpria a eles a luta pela elevação social. Contava que o pai de sua esposa era, como ele, filha natural de senhor de terras no Paraná, que foi constituída herdeira com seus meio irmãos, mas a família era muito sossegada e não se mexeu, até que um sobrinho se graduou advogado pela Faculdade São Francisco, descobriu os documentos, mas quando acordou, as terras estavam invadidas e foram perdidas pela Lei de Usucapião.
Não consigo entender o ódio e revolta em se tratando de ascendência negra, pela Lei Áurea. Pelas minhas experiências, pela minha história de vida, pelas minhas lembranças sou é muito orgulhosa delas.
Lúcia Helena Maniglia Brigagão é publicitária e escritora.