17 de novembro de 2024
OPINIÃO

Cãs

Por Lúcia Brigagão | especial para o GCN
| Tempo de leitura: 3 min

“Não me desampares, pois, ó Deus, até à minha velhice e às cãs; até que eu tenha declarado à presente geração a Tua força e às vindouras o Teu poder”. (Salmo 71:18).   “...E o velho teve de chorar suas cãs manchadas na desonra de sua filha.” (Embora bastante sugestiva – a filha aprontou alguma, em evidente desacordo às determinações paternas - não sei a procedência do lamento, nem qual tenha sido a má criação.) Minha intenção é apenas confirmar que, embora não seja usada na letra de nenhuma poesia ou música brasileiras, pelo menos que eu conheça, a palavra cã existe e significa cabelos brancos, ou grisalhos...

Nascida em família de pessoas loiras que por efeito de peculiar genética exibem suas cãs precocemente, vi as minhas aparecerem muito cedo. Não apareciam, até se confundiam naquela minha farta cabeleira de cor clara. Precavida, passei a usar camomila e outros artifícios para disfarçá-las, tonalizando-as. Deu certo. Enquanto isso, vi pai, irmãos, tios com suas cãs charmosas e abundantes. Mas o que era aceito para eles, homens, era considerado pejorativo e inadequado para nós, mulheres. Aí entrei na tinta. Curiosamente, fiquei com a cabeleira com cor próxima do branco. Problema comum às mulheres que usam química nos cabelos, a raiz ainda aparecia, me dando aparência que eu considerava de desleixo. Problema de vaidade excessiva, dar-me certeza de que minhas cãs estavam abundantes e assumir que eu tinha a cabeça coberta por cabelos idênticos aos dos meus irmãos. Branquinha. Absolutamente branquinha. Estava dentro da temida fase do goring grey, que é como chamam aquelas e aqueles que estão na fase de envelhecimento capilar... E deixei os brancos aparecerem. Outra situação que me incentivou foi ver Merryl Streep em “O diabo veste Prada” com aqueles cabelos brancos, lindos e bem cuidados, elegantérrima, chiquésima, lindíssima ... (Eu que adoro havaianas, pé no chão, jeans e algodão!). Bem, o que é bom pra Merryl é bom pra mim, também, me disse. E assumi minha nova condição. Mais parecida com vovó Lila e vovó Ritinha, que com Marilyn Monroe, cortei minhas cãs no toco.

Tenho problema com etarismo - termo cunhado por Robert Butler em 1969 que significa “discriminação contra indivíduos ou grupos etários com base em estereótipos associados à idade”.  Nem acredito ser maldade, mas há frases que me incomodam tipo, “você não parece ter a idade que tem”, “você deve ter sido muito bonita”, “você não tem mais idade para usar isso”, “você ainda faz isso?” e outras do gênero, que revelam forte preconceito etarista e até, levando-se em conta a procedência, certa maldade das pessoas... ainda que possam parecer elogio. Tais frases revelam preconceito.

O tempo passa para todos. A juventude eterna não é possível, premissas absolutamente corretas.  Mulher é bicho esquisito, falo por mim. A maioria tem-me parecido obcecada pela ideia de parecer jovem, parece detestar a velhice e, nesse tempo de pouca gentileza, chega às raias da crueldade com as outras mulheres. Fontanel, a francesa que assumiu seus cabelos brancos e virou ícone contra a tirania da tinta, diz que “os cabelos brancos são o fim da mentira. É a busca da verdade em todos os aspectos da vida.” Adoro isso.

Adam Levine, Clint Eastwood, Daniel Day-Lewis, Emma Stone, George Clooney, Glenn Close, Glória Menezes, Helen Mirren, Hugh Grant, Judi Dench, Kristen Stewart, Messi, Morgan Freeman, Neymar, Otávio, Patrick Dempsey, Reynaldo Gianecchini, Richard Gere e meu inesquecível Sean Connery. Lindos e maravilhosos que, ou ficaram ou forçaram em algum momento o branco nos cabelos, estão aí para confirmar minhas palavras: “White is beautifull”...

 Por favor, respeitem as minhas e as cãs alheias!...

Lúcia Helena Maniglia Brigagão é publicitária e escritora.