A caçada se repete. O cerco de mais de 300 agentes policiais em busca de Lázaro Barbosa de Sousa, 32, que está foragido há 19 dias, faz lembrar outras perseguições famosas a criminosos no Brasil. Há 40 anos, uma dessas caçadas aconteceu e aterrorizou os moradores da região de Franca. “Ramiro da Cartucheira”, o “Monstro Sanguinário”. Em cidades mineiras próximas, fez 10 vítimas. Alguns assassinatos repletos de crueldade.
Seu nome era temido principalmente pelas crianças. “Entra pra dentro (sic) ou o ‘Ramiro da Cartucheira’ vai te pegar.” Essa frase era muito usada para fazer com que as crianças voltassem para casa.
Entre os anos 1970 e 1981, o criminoso Ramiro Matilde Siqueira, ou simplesmente Ramiro da Cartucheira, ficou nacionalmente conhecido pelo terror que disseminou nos Estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. Somente na região de Franca, o bandido fez dez vítimas, a maioria delas era trabalhador rural das cidades mineiras de Passos e Sacramento.
Nascido em Jaboticatubas (MG), o Monstro Sanguinário era descrito pelos jornais da época como um homem “moreno, alto, cabelos encapinhados e cheios”. Com 33 anos, já era um dos bandidos mais procurados do Sudeste.
Com traços de psicopatia, o criminoso não escondia sua crueldade e fazia questão de dizer que matava por prazer. E, após matar mais de 30 pessoas, o mineiro foi o protagonista de uma busca implacável que durou mais de dois anos. Algo semelhante ao vivido e transmitido hoje pela TV e internet, com o Lázaro Barbosa Sousa, de 32 anos, em Goiás.
O apelido “Cartucheira” veio após a polícia mineira constatar que os crimes praticados por Ramiro eram praticamente iguais. A maioria das vítimas feitas pelo matador era executada à noite. Após cada morte, os corpos das vítimas eram arrastados por alguns metros e abandonados. Em caso de casal, Ramiro chegou a contar aos policiais que as mulheres eram violentadas e as crianças poupadas.
Segundo o próprio bandido confessou, ele cometeu o primeiro crime no ano de 1974. Depois de discutir com o amigo Geraldo Fernando Delfino, ele acabou o matando a pauladas. Ramiro chegou a ser condenado a seis anos pelo crime, mas não foi preso. A pena foi convertida em medidas de segurança, as quais ele nunca cumpriu.
“Sofri uma crise financeira e resolvi deixar Belo Horizonte, indo para Roça Nova, a 25 quilômetros da capital. Depois que matei meu amigo Geraldo Fernando Delfino, meu primeiro crime foi praticado contra um casal conhecido como Ricardo e Maria Inácio Fonte. Para matar Ricardo e sua mulher, eu usei uma espingarda cartucheira. Três dias depois do duplo assassinato, eu matei outro casal”, contou o criminoso para o jornal Comércio da Franca, no dia 13 de setembro de 1980, dois dias depois de sua prisão.
O serial killer não foi modesto ao comentar a “qualidade do seu serviço”, quando soube que uma das vítimas poderia ter fugido.
“Matei uma mulher e dois homens. Um outro ficou ferido e soube que ele escapou. Eu pensei que ele também tinha morrido, pois meu ‘serviço’ dificilmente falha, procuro agir direitinho”, disse Ramiro, que depois desses crimes foi preso, fugiu por duas vezes, foi preso novamente e em outubro de 1978 orquestrou uma fuga com mais três presos em Belo Horizonte.
Em agosto de 1979, Ramiro veio para a região de Passos e Sacramento, onde aterrorizou toda a população.
“Em Passos atacou a Fazenda das Ninfas, distante sete quilômetros do Centro da cidade, onde matou o fazendeiro Francisco Ribeiro, 75 anos, conhecido por Neca Adoniro. Seu filho José Carlos Ribeiro, de 46 anos, foi barbaramente espancado, sofreu traumatismo craneano.
Depois dirigiu-se para a Fazenda Quebra Cangas, onde matou a pauladas Manoel Cardoso e seu irmão José Roberto Lemos. Dona Belinha e uma empregada do casal foram duramente espancadas pelo assassino.
Ramiro confessou, ainda, ter passado por Delfinópolis, onde foi esfaqueado, escondendo-se na Serra da Canastra, onde recuperou-se. Voltou a agir em Araguari, onde matou 3 pessoas, indo para Sacramento", diz um trecho de matéria do Comércio da Franca, da época.
Em Sacramento, ao menos sete pessoas foram brutalmente assassinadas por Ramiro, nas fazendas Boa Vista, Capão Alto e no Centro da cidade.
José Silvério do Nascimento e a sobrinha dele, Maria Martins, foram mortos a golpes de machado. Antes, Ramiro havia estuprado a mulher. Depois, picou as partes íntimas da vítima.
O bandido chegou a ser caçado por mais de 200 policiais no Sul de Minas, mas não foi encontrado. De acordo com matérias do Comércio da Franca, após os crimes na região ele fugiu para Uberlândia (MG).
De lá, rumou para Patos de Minas (MG) e fugiu para Unaí (MG), na divisa com Goiás, onde trabalhou como peão em uma propriedade rural. Tentou assassinar um casal e acabou fugindo. Acossado pela polícia, fugiu para Brasília, dali para Goiânia, Morrinhos, Itumbiara e, Corumbaíba onde, acabaria preso.
Ramiro foi preso no dia 11 de setembro de 1981, em Corumbaíba (GO), após atirar contra um recenseador do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), que havia chegado até um casebre onde o criminoso estava escondido.
“Toc-toc-toc. Odair de Souza Leão, uma das milhares de pessoas que fazem o censo de todo o Brasil, preparou o esperançoso sorriso de entrevistador e algumas palavras para convencer o morador do barraco que parecia desabitado, em Corumbaíba, lugarejo a 300 quilômetros de Goiânia, a responder às perguntas. Dentro do barraco, o homem hesitou, apertou firme a espingarda. Seria um dos moradores do barraco que ele invadira para roubar, e talvez matar, como já fizera com quase quatro centenas de pessoas, que estava de volta?”, narrou minuciosamente o jornalista Hélio Rodrigues, para o Comércio da Franca.
“O rapaz do censo já encontrara entrevistados hostis, mas seu sorriso sumiu imediatamente diante do cano da espingarda segura pelas mãos impiedosas do ‘Homem do Porrete’ ou ‘Bandido da Cartucheira’.”
“- ‘Está havendo algum engano’, disse o fio de voz trêmula de Leão, que se preparava para dissertar sobre a importância do censo para os destinos da nação.”
“- ‘Quieto! Isso é um assalto’, reagiu o homem que em algumas ocasiões matava suas vítimas de madrugada.”
Leão, na época, disse que não se lembrava dos argumentos que usou, talvez pelo medo de estar na frente de Ramiro, mas por algum motivo o matador o deixou ir. “Não tive vontade de matar naquela hora”, confessaria Ramiro mais tarde, ao ser preso.
“Com a condição que o espavorido recenseador não olhasse para trás, Leão partiu, a vida por um fio, um momento de humor favorável de Ramiro. Correu até a delegacia local e contou sobre seu estranho recenseado”, continuou o jornal.
Depois de ter sua localização contada aos policiais, Ramiro foi preso. O criminoso confessou vários homicídios e estupros, realizou inúmeras reconstituições de assassinatos. Os delegados da época afirmavam que os crimes praticados valeriam uma pena de mais de mil anos. Ele chegou a negar alguns crimes.
No julgamento em que foi condenado, o assassino disse em tom sarcástico: “Somando tudo, deve de dar uns 135 anos. Vou pagar alguns, o restante vocês pagam pra mim”.
Ramiro chegou a ser perguntando se era louco ou coisa parecida. “Se vocês quiserem me mandar pro hospital de loucos, como fizeram comigo em Betim (MG), eu mato todos os loucos que estiverem lá a pauladas”, respondeu.
Ramiro foi julgado e condenado. Um ano após ser preso, foi encontrado morto em sua cela. A causa da morte foi registrada como ataque cardíaco.