Você conhece alguém com um gosto “diferenciado”? Com certeza, sim. Afinal, uma sociedade é composta por pessoas totalmente diferentes, que têm opiniões, interesses, estilos de vida e, acima de tudo, tendências distintas e acabam sempre se reunindo com outras que carregam ideais parecidos, gerando tribos. Em Franca, uma dessas turmas é formada por homens que apreciam e, mais do que isso, adotaram o Rat Look.
O criador do Ratividade, como é denominado o grupo, Rondineli Alexandre da Silva, o “Rondi”, explica que a cultura “Rat”, que pode ter seu nome literalmente traduzido como “olhar do rato”, surgiu no período pós-guerra, na Europa, e foi se espalhando pelo mundo.
“Os países estavam destruídos e viviam um momento de recessão. O pessoal queria rodar, mas não tinha carros e nem condições financeiras para isso. Então, o que eles faziam: pegavam os veículos de pessoas conhecidas, que muitas vezes estavam batidos, amassados e velhos e arrumavam somente a parte mecânica. Daí surgiu esse estilo de automotores reciclados que foi associado com ratos, por isso o ‘Rat’. O movimento evoluiu e se espalhou”.
Ele explica que os carros mais utilizados e que se tornaram faces da classe são os que têm motor a ar e são da marca Volkswagen, mas afirma que isso não é exatamente uma regra. “O próprio Fusca, que é o mais emblemático, a Kombi, a Brasilia, o Tl... esse tipo de veículo. Começou com esses automóveis porque a Volks era a fabricante mais conhecida e presente na região da Alemanha e na Europa. Só que isso não é obrigatório. O Rat Look aceita qualquer tipo de automóvel”.
Apesar de parecerem “latas velhas”, contando quase sempre com ferrugem na lataria – é uma marca registrada -, terem muitas “tranqueiras” instaladas e serem bem engraçados e curiosos, não se pode subestimar os automóveis “ratões”. “A aparência de abandonado e destruído engana. A parte interna, a mecânica deles, funciona perfeitamente e, para falar a verdade, dá pau em muito carro novo”, se diverte Rondineli.
O apreço de Rondi pelo estilo teve início muito antes de ele o conhecer ou saber do que se tratava. O rapaz conta que ao ver os filmes da série Mad Max em sua infância começou a gostar dos carros “mais batidos”. “Eu nem sabia o que era. Assistindo e vendo os veículos largados, diferentes e totalmente exóticos passei a gostar. Tenho todos os filmes guardados aqui em casa, nos DVD’s”.
Ele relata que conheceu a cultura meio que “sem querer”, através de um amigo que lhe apresentou a um grupo de “rateiros”. “A minha história no mundo Rat Look começou meio que por acaso, em 2014. Eu comprei um Fusca e dei para a minha mãe, que gosta muito desses carros. Só que ela não dirigia. Ele ficava parado lá em casa. Em 2017, comecei a trabalhar no Atacadão e conheci um amigo que tinha uma Rural Rat. Ele me apresentou a um dos grupos do estilo. Como eu tinha o Fusca, pedi para entrar, eles deixaram e se tornou algo importante pra mim. O Fuscão que nem era Rat foi se transformando”.
No entanto, conforme o tempo passou, a turma que rodava com Rondineli, chamada “Os Rateiros”, foi se desfazendo. Ele, juntamente com outros amigos, decidiu criar um novo grupo. “Cada um foi para um lado. A gente deixou de se encontrar. Porém, eu, o Evandro, o Carlinho e o Wellington, que fazíamos parte, continuamos andando juntos. Também me tornei amigo do (Thiago) Cigano, que se encontrava com a gente. Foi na oficina dele que eu, no dia 4 de janeiro, apresentei o brasão do Ratividade. Conversamos com todo mundo e foi aí que começou. Queremos rodar o mundo e fazer história”.
Ao mostrar o seu carro utilizado nos encontros, o “Rato Cinzento”, Rondi explica, de maneira divertida, cada um dos detalhes. Tem rato preso na ratoeira, desenhos, diversos escudos obtidos em viagens, correntes, uma tranca improvisada nas portas, um bagageiro pra lá de curioso, uma caixa de som feita com galão, uma torneira funcionando como câmbio, uma vassoura para “aconchegar a sogra” e, claro, como “ferrugem não é crime”, bastante ferrugem.
Como dito antes, a paixão pelo Rat Look em Franca não é só de Rondineli. Seu companheiro de Ratividade, Thiago Alencar, o “Cigano”, conta sobre sua relação com o estilo. “Está na veia. Não é só um gênero de carros. É uma cultura. A gente vive isso no dia a dia. Eu, por exemplo, me considero um acumulador. Nada muito extravagante, de ter coisa jogada ao céu aberto. Mas tenho alguns veículos guardados, como uma Variant montada, já pronta para rodar como Rat, um Fusca 71 que ganhei de um amigo e também penso em arrumar, por aí vai”.
Esses veículos, porém, não são os que ele utiliza nos eventos. Os “escolhidos” são especiais e possuem suas histórias em particular. O primeiro carro no estilo Rat de Cigano foi um Fusca herdado de seu sogro. “Ele bateu algumas vezes e abandonou. Ficou no quintal lá de casa. Como eu não tinha carta, não usava. Depois que tirei a CNH, comecei a rodar e conheci o Rat Look. A partir disso, vi que precisava moldar ele para rodar na classe Rat”.
Com o passar do tempo, um outro Fusca entrou na vida de Thiago, por meio de uma troca. Ele tinha um Chevrolet Chevette – também personalizado - e andava nele para todos os cantos da região, até que um dia, por causa de um vídeo na internet, o carro ficou famoso e se tornou objeto de desejo de outro colecionador.
“Eu coloquei para fora do capô traseiro dele duas pernas, como se estivesse carregando um defunto mesmo. Uma moça me filmou na avenida Hélio Palermo quando eu voltava de um evento e a gravação viralizou. Rodou o Brasil. Apareceu um rapaz maluco para comprar o Chevette e, como eu sempre fui apaixonado em Fuscas, troquei em um que ele tinha na garagem”.
À época, o veículo estava extremamente novo, segundo Cigano. Porém, o estilo Rat Look parecia persegui-lo. “Eu sou mecânico. Um belo dia, peguei o Fusca para buscar uma chave em outra oficina e ele acabou pegando fogo. A tampa traseira ficou queimada. A partir disso, falei ‘não vou pintar. A história dele vai ser essa’. Virou o charme do carro”.
O rapaz relata que a união do Ratividade é importante para os participantes. “Eu fico muito feliz em estar nesse grupo. É uma vertente totalmente nossa. Fora isso, estamos no meio de amigos. Saem muitas coisas boas. Por mais que ainda não sejamos muitos, cada um tem várias histórias grandiosas. Trocar essas experiências e poder rodar com os carros antigos é muito bom”.
Outro participante do grupo, Carlos Alberto Silva, conhecido como “Carlinho”, conta que sua história com o estilo Rat começou há 9 anos. “Foi lá em 2012, quando um dia, em um almoço de família, comentei com o pessoal que queria comprar um Fusca bem antigo, da década de 60. Passou um tempo e uma prima da minha esposa me ligou dizendo que a tia de uma amiga dela estava vendendo um. Por coincidência, quando fui ver o carro, era igualzinho a dois outros Fuscas que meu pai teve quando eu era pequeno. Nem olhei pneu, motor, roda, nada. Só vi os documentos e comprei”.
Apesar de ter ficado muito animado com a sua nova aquisição, que também tinha um valor emocional por lembrar seu pai, Calinho teve dor de cabeça quando chegou em casa. “Na época, ele me custou R$1.300. Só que eu nem tinha esse dinheiro. A minha sogra teve que me emprestar. Minha mulher ficou muito brava. Falou que eu tinha surtado por comprar um veículo naquela situação. Isso por causa da lataria dele, que já era bem ruinzinha. Porém, a mecânica, direção, freio e partida estão todos em dia. Vai onde você quiser”.
Mesmo com as broncas, o motorista rodoviário não desistiu de seu Fusca e passou a participar dos encontros, onde conheceu os outros integrantes do Ratividade. “Neles, eu fiz muitos grandes amigos. Recentemente, nós formamos o novo grupo. Temos bastante em comum. A gente gosta desse tipo de carro antigo. É fácil de manter e não precisa ficar ‘alisando’ e encerando. Acabou que até hoje o carrinho está comigo”.
As reuniões da turma representam muito e são diferentes de qualquer outro grupo já frequentado por Wellington Kennedy Silva Araújo, o “WK”. “A gente começou faz pouco tempo, mas já é algo muito grande. Aprendi bastante junto deles. É diferente de todos os outros. Vai desde os princípios, como respeitar e ajudar um ao outro, até sonhar junto. Nós sonhamos e planejamos as coisas. Isso é importante. Como já dizia Raul Seixas, um sonho que se sonha só é apenas um sonho. Mas, um sonho que se sonha junto é realidade”.
O afeto de WK pelos carros de estilo Rat Look também veio acompanhado de questões familiares. Ele ganhou o Fusca, que hoje cuida e usa com muito carinho, que era de sua mãe. “A minha história começou com ele. Foi o primeiro automóvel que eu dirigi e sempre senti algo diferente estando nele. É um aconchego, um carinho. Ele veio da minha mãe. É coisa de geração”.
Entretanto, Wellington não pegou o carro da maneira que ele se encontra hoje. Foi necessário trabalho e atenção para pôr o Fusca nas ruas. “Na verdade, quando minha mãe me entregou ele, há uns 5 anos, só estava com motor, rodas e a carcaça. Não tinha mais nada. Então, fui melhorando as coisas. Coloquei as peças, um sonzinho bacana, troquei as rodas e fiz outros ajustes. Hoje, funciona muito bem. Já fui com ele para vários lugares. O nosso próximo destino, se Deus quiser, é Aparecida do Norte, junto com o grupo”.
O mecânico Evandro Trevizan também participa dos encontros do Ratividade e tem uma paixão especial pelos carros antigos. Um dos veículos que ele guarda com muito carinho em sua oficina, inclusive, foi o grande responsável por fazer surgir o seu apreço pela cultura: um Fusca do ano de 1982 apelidado de “Frajola”.
“Foi quando eu tinha 8 ou 9 anos e viajava para São Paulo para passar as férias na casa da minha tia. Esse Fusca era dela. Como naquela época eu não tinha muito o que ficar fazendo, entrava dentro dele e ficava escutando música. Era Whisky à Go-Go, do Roupa Nova. Eu gostava muito do veículo e falava para a minha tia que um dia ele seria meu. Quando ela se mudou para Ribeirão Preto, meu pai comprou dela e, depois, ficou para mim. 37 anos depois, o conquistei”.
Evandro, que ainda tem outros quatro carros - dentre eles um Fusca 76 e uma Variant 73 - conta que roda com os grupos há mais de cinco anos e se sente confortável com eles. “Nós vamos formando essa maluquice. São vários encontros e reuniões, todo mundo indo com seus estilos diferentes e respeitando o dos outros. Não tem discriminação com a gente”.