Melhor idade? Faça-me o favor! Ou melhor, não me faça rir. Ter medo constante de cair a qualquer momento e quebrar algum osso? Ver a pele virar papel celofane, ficar manchada? Sentar no chão e gemer para levantar, como se tivesse chumbo nas pernas e colo? Perceber que está a cara da mãe – ou da avó – e o pior, repetindo gestos de amuo, resmungos, comportamento, preferências, manias e chatices? Melhor idade? Faça-me o favor!
A lista de perdas – físicas e imateriais - que o sujeito acumula com o passar do tempo é grande: a tonicidade da pele, volume dos cabelos, peso, luz dos olhos, contorno do rosto, coragem, ousadia, ânimo, pique para enfrentar situações novas ou adversas e, o pior, a transformação da memória. Parece brincadeira, mas de uma hora para outra bate o cansaço, o sujeito consegue se lembrar de coisas passadas, há muito passadas, mas não consegue confirmar se tomou o remédio para a pressão de manhã ou o jogou no lixo. Por falar em tomar remédio, o elenco farmacêutico é de doer. Doer o bolso e desafiar qualquer logística: remédio quando acorda, no meio da manhã, no almoço, no meio da tarde, no jantar, na hora de dormir. E, algumas vezes, pouco antes de dormir para poder, bem, para poder fazer o que os jovens fazem sem precisar tomar remédio. Haja caixinha para guardar tanto comprimido!
De uso, posse e exercício desses conhecimentos desagradáveis sobre o processo de envelhecimento, sem qualquer paixão ou técnica para dourar a pílula, dá para contabilizar os ganhos, que são a recompensa que a vida dá àqueles que conseguem “dobrar o Cabo da Boa Esperança”, expressão antiga que significava idade matusalêmica. Sim, embora as gerações mais novas não acreditem, dá para fazer a lista dos ganhos. Que não são poucos. Felizmente. Temos sobejas recompensas, e agora falo por mim. Filhos crescidos: não acordamos à noite e, se nos levantamos da cama, é apenas para ir ao banheiro e não sair à procura de médicos para o ataque de asma fora de hora ou a febre sem etiologia. Já trabalhamos o suficiente. Agora podemos desfrutar sem culpa, tudo que antes demandaria tempo e lazer: podemos assistir filmes ou reprises de filmes e novelas sem interrupções e sem alguém para criticar. Deitar no sofá da sala e ler, cochilar, deixar o livro cair das mãos, sem que alguém deprecie acidamente... Podemos maratonar, sem culpa. Marcar manicure, cabeleireira, ginásticas, em qualquer horário ou melhor, no horário mais conveniente para nós, porque não precisamos mais cumprir compromissos de busca, espera ou apreensão... Viajamos, sem obrigação de cumprir data de volta. Sem preço: agora a gente sabe o que quer, o que não quer, o que mais gostaria, o que vai fazer ou deixar de fazer. Autonomia e liberdade. Já aprendemos a definir prioridade e o tamanho do passo que podemos dar, seja a favor ou contra alguma coisa. Se quisermos, podemos deixar planos para trás, apagá-los e fazer outros, sem dar bola para julgamentos alheios – dos filhos, dos vizinhos, das comadres e compadres. Muito importante, aprendemos a descartar gente desagradável que critica, difama, inventa pois já percebemos, e agora conseguimos dimensionar, o peso da inveja alheia do nosso potencial e conquistas. Nessa fase, conseguimos a absoluta compreensão de que “amigo é quem suporta as vitórias da gente”. Conseguimos amadurecer, sem perder a ternura.
Agora sabemos que ridículo, ridículo mesmo, é não apenas aquele que quer parecer jovem quando é maduro, mas na mesma proporção aquele que é jovem e que não quer crescer. Estamos cercados por estes espécimes, reconhecíveis por duas expressões reveladoras que abrem a maioria dos comentários que emitem: “isso não é do meu tempo”, “eu nem havia nascido”... Os dois grupos não percebem que longevidade é privilégio; que somos, indistintamente, protagonistas da história da humanidade; que estamos todos envelhecendo um pouco todos os dias e que os mais velhos têm vantagem de terem chegado a uma idade que os mais novos, dada a fragilidade e imponderabilidade da vida, não sabem se chegarão.
Acredito que o pior e mais triste dessa idade avançada é sermos compelidos a fazer exercícios diariamente. Morro de preguiça. Abandonei a hidroginástica, embora reconheça sua fabulosa eficácia, um, por causa da coação do uso do gorrinho de silicone que nos deixa todos muito mais feios do que realmente somos. Dois, porque alguém apelidou a hidro de canjão: “aguinha quente, com um monte de galinhas velhas dentro” .
(Minha seleção - Publicada anteriormente em 25 de janeiro de 2013, reescrita hoje.)