17 de novembro de 2024

Decisões

Por Lúcia Brigagão | Especial para o GCN
| Tempo de leitura: 3 min

Orgulho e Preconceito, de Jane Austen é livro inspirador. Enredo fascinante, personagens, idem. Elizabeth, a figura feminina central despertou-me ódio, inveja, indignação. Mr. Darcy, a personagem masculina mais importante, me fez oscilar entre raiva, desejo e admiração. A estupenda descrição de usos e supostamente longevos costumes de era, cultura e sociedade, constituem provas de que tempo vai, tempo vem, ainda somos os mesmos, que não vivemos como nossos pais e sim como nossos mais distantes ancestrais. Orgulho e preconceito, nos mais variados níveis e situações, como sempre, ainda permeiam vidas e atitudes deste século XXI.

Duas mulheres que há muito apenas se entreviam, encontraram-se casualmente. Uma delas se aproximou, abordou a outra que, atônita e espantada respondeu, correspondeu à efusão e ainda convidou para um encontro que só viria a acontecer tempos depois. Durante ele, a revelação. Estavam em um mesmo local, e uma teve certeza de que a outra desviara o caminho para evitar se cruzarem. “O que eu terei feito?” Pensava, quando sozinha. “Por que ela se esquivou, quando me viu?” Nunca achou a resposta, embora a situação a tivesse incomodado, por anos. Dada a oportunidade da aproximação, chegara o momento de corajosa e diretamente perguntar: “O que eu lhe fiz?” E ouvir a resposta. “Nada, nunca houve nada. Eu é que ficava sem saber o motivo do olhar frio que recebia, nas raras vezes em que nos encontramos.” Por sorte recuperaram a amizade, mas ambas perderam tempo, por causa de orgulho e preconceito que impediram o diálogo.

Namorado dos tempos de colégio se mostrava apaixonado e interessado. Parecia ter “boas intenções”, o que naqueles tempos significava pretender “algo mais sério” - jargão para noivar e casar, que era o que interessava aos pais. Ele viajou, devo ter-me comportado mal – ido a algum baile sozinha, conversado com algum outro rapaz, sei lá - o fato é que ele nunca mais falou comigo. A humilhação com o tempo se transformou em alívio e o desprezo em sorte, pelo menos para mim. Distante no tempo, analiso o ocorrido e me convenço: orgulho e preconceito não são bons conselheiros, mesmo. (Ele? Bem, para minha doce vingança ... ele é infeliz até hoje.)

Acolhimento, lisura e carinho alheios, não impediam que antiga companheira refreasse maus bofes internos ou desse respostas descabidas às manifestações de afeto que recebia. Hábil, conseguia disfarçar por detrás de capa de doçura, sua constante hostilidade. Era extremamente agressiva e até cruel com pessoa que sempre a defendiam, nas tantas vezes em que sentia ofendida. Devo tê-la irritado. Perguntou-me, diante de platéia espantada: “Você sabe o que é ética?”. Instigante, inesperada e provocativa pergunta, mais forma e tom com que foi feita, sugeria acusação, no mínimo. Lacônica resposta veio como se a voz que a proferia viesse do fundo de poço. “Sim.” O tempo passou. Minha indignação, não. A lembrança da pergunta e a dor da agressão não merecida eram recorrentes, como são lembrança e dor de todas as situações mal-digeridas. Muito mais tarde percebi. Não era pergunta, era pedido de esclarecimento, de informação. Ela não desejava me ofender: precisava saber significado e sentido da palavra. Por orgulho me calei, por preconceito ela me provocou. Orgulho e preconceito, definitivamente não são bons conselheiros. Distanciamo-nos. Perdemos, ambas, a oportunidade de aprendermos alguma coisa a mais sobre nós.

Diante dessas recordações tomo a decisão de encarar o próximo ano carregando simbólica bandeira com o lema Humildade e Respeito. Mente aberta para receber e eliminar qualquer traço de orgulho, mais coração escancarado para ouvir e excluir qualquer sinal de preconceito, preparo-me para ser mais humana. A vida me ensinou que, como na música, “as aparências enganam aos que odeiam e aos que amam.” Que venham dias melhores para todos nós!