17 de novembro de 2024

Avaliações

Por Lúcia Brigagão | Especial para o GCN
| Tempo de leitura: 4 min

Não acompanho a lógica do sucesso de várias personalidades do mundo digital. Longe de patrulhar, desprezar, rondar ou vigiar quem quer que seja, reconheço obstáculos e dificuldades para avaliar positivamente os tais “influencers”, ou reconhecer em muitos deles talento, luz, brilho. Ou credibilidade. Acompanho-os nas muitas e múltiplas orientações postadas nos canais da Internet. Chamam-se de “youtubers” e formam o novo sonho de sucesso nesta era de nulidades e falsos líderes. Seria trágico, se não fosse cômico. No aplicativo onde a sabedoria, conhecimento e experiência humanas se exibem e se mostram, encontro vídeo de brasileira que, de Londres, dá dicas e mostra como é a vida por lá. Ou como ela vê a vida por lá.

Na publicação intitulada coisas medonhas quando se vive em Londres, me assustam e até divertem observações que a autora considera “estranhas, bizarras ou chocantes”, nos costumes ingleses. Define pubs, por exemplo, como “bares que são carpetados”. Diz que ingleses não têm muito que fazer na maioria dos meses, depois que saem do trabalho: está muito frio, ou muito escuro ou chove e, então, eles se aglomeram naqueles espaços. Afirma que pubs são fedidos porque as pessoas deixam cair cerveja no chão. Continua, criticando a polidez inglesa: diz que dizem “sorry” no começo, no meio e no fim de quase todas as frases pronunciam. “Sorry”, quando esbarram inadvertidamente em você; “sorry” quando precisam passar na sua frente; “sorry” para entrar ou sair de lojas – e você está entrando ou saindo pela mesma porta que eles. Eu daria tudo para ouvir “desculpe” ou “licença” nas mesmas situações aqui, no Brasil. Ela acha esquisita – e considera “errada” a direção estar do lado direito dos carros e a mão no trânsito ser do lado esquerdo das vias de tráfego. Achou engraçado, mas reconheceu a polidez inglesa quando, ao dirigir numa rodovia, precisou mudar de pista para fazer conversão. Deu seta e percebeu que tanto o carro da frente, quanto o de trás, a ajudaram, diminuindo a velocidade, favorecendo sua passagem. Foi oportunidade de avaliar a qualidade da minha habilidade no trânsito aqui no Brasil. Particularmente em Franca. Na mesma situação – prestes a fazer conversão ou entrar numa outra pista – dou seta, solto foguetes, boto o braço para fora, abro a janela ... e sou absolutamente ignorada. Se, e quando, buzinam, é para chamar minha atenção para o tamanho do palavrão que os motoristas que me cercam, que surgem em alta velocidade de todos os lados, me dirigem. Coitadinha da minha mãe. Depois de conseguir realizar a manobra necessária, me flagro suando e não é de calor, não. A “youtuber” não comenta se presenciou ou não, mas por experiência própria, nunca vi qualquer atrito entre motorista e motoqueiros ingleses. Respeitam-se mutuamente, protegem-se. Convivem. (Que inveja!). Achei engraçadíssimo ouvi-la comentar sobre a necessidade de Sol que têm os londrinos. É verdade. Basta acontecer mínima nesga de raio de Sol, eles vão para os parques nos horários de almoço, tiram a roupa de trabalho - normalmente por baixo já tinham a roupa de banho porque sabiam de antemão a previsão do tempo. Estendem cobertor na grama, ficam em trajes mínimos de calcinha, sutiã ou cueca, deitam-se, lagarteiam e saem de lá na cor cenoura ou rosa-choque... Jogam muito. Apostam nas corridas de cavalo, em jogos de azar, de futebol, em corridas de cachorros. E há bancas de apostas por todo lado: nos pubs, bancas de revistas, lojas de conveniência dirigidas por indianos, lotéricas. Nada clandestino, ninguém faz fezinha escondido. A youtuber, cujo nome desconheço, também comenta a comida inglesa. Fala com nojo das salsichas escocesas e galesas. Lembrou-me fato acontecido com companheiro de viagem grego, ao debutar no Brasil. Contava que pediu no restaurante “típico prato brasileiro”. Veio a feijoada. Completa. Imediatamente devolveu a mistura visualmente nojenta, escura, com pedaços irreconhecíveis de carne. Pagou, mas só comeu salada e bife que ordenou separado... Cada qual com seu cada qual ... Voltando à moça do vídeo, ela achou curioso ver o inglês comer feijão, no típico café da manhã deles. Não lembrou que clima frio pede alimentação consistente. Nem que junto com o feijão, que é branco – e cozido no molho de tomates – são servidos, também, bacon, linguiça de porco, tomatinhos assados, pão de forma, cogumelos, ovos e o black pudding – ao qual ela torce o nariz, mas nada mais é do que a morcela, como chamada em Portugal e de chouriço, aqui no Brasil. Não sei se é o que a Rainha Elizabeth come todo dia quando acorda, mas aposto que quando é Inverno, eventualmente, ela aprecia. A dona do vídeo critica ligeiramente o faniquito do inglês pela pontualidade, a preocupação excessiva com segurança e o fato de que patos, cisnes, esquilos que estão soltos nos parques são propriedade da Rainha: nem pense em maltratá-los! Isso se chama respeito pela vida, pela propriedade alheia, pela individualidade, pela tradição.

Tradições, comportamentos, costumes ingleses são estranhos, bizarros e esquisitos aos olhos da brasileira. Queria que um inglês acompanhasse de perto o comportamento dos candidatos nas eleições brasileiras. Estranho, bizarro, esquisito, excêntrico e de imprevisíveis resultados, aposto, seria no mínimo a avaliação dele.

Ah! O vídeo da moça tem milhões de visualizações...