Na última sexta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o pedido requerido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para que o senhor presidente da República, Jair Bolsonaro prestasse seus esclarecimentos por escrito, referentes ao Inquérito (INQ) 4831, que apura suposta interferência na Polícia Federal. O presidente Bolsonaro disse anteriormente que não via nenhum problema em fazer suas manifestações por via escrita ou oralmente.
Para nós operadores do direito e analistas, a justificativa do ministro Celso de Mello possui situações processuais “inovadoras” que devem ser criteriosamente analisadas.
A primeira situação diz respeito ao afastamento do ministro, que por problemas de saúde encontra-se fora de suas atividades desde 19/08/2020. Porém no próprio ato decisório, já sabendo dos questionamentos de sua decisão proferida em 11/09/2020, no período que se encontra ainda afastado, justificou que sua decisão estava pronta desde o dia 18/08/2020, faltando somente colocar sua assinatura, porém há que se ver o dia em que foi requerido o afastamento? Ora com todo nosso respeito ao ministro, essa justificativa não pode prevalecer, pois uma vez afastado, mesmo invocando o artigo 71, §2º da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, ficará sempre a dúvida de tal decisão, pois nem sequer tinha condições de saúde para comparecer a posse do novo presidente do STF no dia anterior (10/09/2020).
Outro ponto que deve ser analisado trata do artigo 221, caput e § 1º do Código de Processo Penal que dá a prerrogativa as autoridades ali elencadas de optarem pela prestação de depoimentos por escrito. O ministro ao afirmar que: “A norma legal somente concede o benefício especial de depoimento por escrito aos chefes dos Três Poderes da República que figurem como testemunhas ou vítimas, não, porém, quando ostentem a condição de investigados ou de réus”.Dá uma interpretação totalmente diferente a redação do Código, pois a redação do artigo é clara geral e não impõe nenhuma restrição a casos específicos. Onde é que está escrito que na condição de investigado ou réu os chefes dos três Poderes não podem utilizar-se de tal direito? A interpretação que está sendo dada, em nada condiz com o espírito da lei firmada no Código de Processo Penal.
A questão que fica mais uma vez é que o sistema de convivência social está cada vez mais a demonstrar que se encontra em total descrédito e na espera de uma nova forma que venha a substituí-lo, pois da maneira como é atualmente, conforme já escrevemos em outros artigos, a questão corporativa e pessoal se sobrepõe, trazendo situações difíceis de serem justificadas e aceitas pelos cidadãos.
Em nossas aulas, nos cursos de direito, sempre buscamos enfatizar o lado vocacional e principalmente o ético de todos os operadores do direito, principalmente os magistrados e membros dos ministérios públicos. Sem esses dois pilares de sustentação, as atividades jurídicas se perdem e não atendem aos interesses sociais para os quais foram criados. Sem adentrar a digressões mais profundas, pois aqui não caberia, a ética na condução da justiça é instrumento essencial para incrementar a confiança da sociedade em sua autoridade moral.
O grande perigo que estamos correndo na democracia, como já afirmavam vários e renomados doutrinadores de séculos passados, é que um poder está se sobrepondo aos outros, impondo de forma silenciosa seus pensamentos coletivos e individuais.
A propósito, o ministro Celso de Mello, conforme determinação constitucional, deverá se aposentar compulsoriamente em 01 de novembro de 2020 quando completa 75 anos de idade. Assim ainda tem um pouco mais de um mês em suas atividades, isso caso retorne do afastamento médico.