“É nos momentos de decisão que seu destino é decidido”
Anthony Robbins, escritor e estrategista americano
A notícia, bombástica e com potencial para fazer tremer a República, não veio a público pela voz de William Bonner, no Jornal Nacional da “#GloboLixo”. Não apareceu estampada na primeira página da “comunista” Folha de São Paulo ou de seu braço digital, o UOL. Não surgiu fruto do trabalho dedicado de um dos profissionais do neo-rubro Estadão. Também não foi postado pelo agora “traidor” O Antagonista. Muito menos, pelo “esquerdista” GCN.
Estava, originalmente, na tarde de sexta-feira, na manchete do site da CNN Brasil, bem como nos seus principais noticiários transmitidos 24 horas por dia. Foi um “furo”, portanto, da CNN, a mesma que contou com entrevista ao vivo do presidente Jair Bolsonaro quando entrou em operação, há poucos meses. A emissora - fundada e financiada por empresários bastante simpáticos ao ideário bolsonarista e saudada pela direita brasileira como uma mídia que “enfim” seria um contraponto à “esquerdista” GloboNews, canal de notícias da “inimiga” número 1 do governo de Jair, a Globo – foi quem trouxe a informação antes de todo o resto.
Foi exatamente pela CNN, originalmente, que o Brasil soube que Fabricio Queiroz, amigo histórico do presidente da República, faz-tudo de seu filho e senador, Flávio, e preso desde a semana anterior depois de ser localizado numa espécie de esconderijo-cativeiro em Atibaia, começou a negociar e discutir os termos de uma delação premiada com o Ministério Público do Rio de Janeiro.
Queiroz é acusado de ser o operador financeiro do que ficou conhecido como “escândalo das rachadinhas”, o desvio sistemático de dinheiro público usando os proventos de funcionários comissionados lotados nos gabinetes de deputados estaduais do Rio de Janeiro para escoar o dinheiro. Um desses gabinetes pertencia ao então deputado Flávio Bolsonaro, o filho 01. Dinheiro inexplicado apareceu nas contas de Queiroz, supostamente proveniente dos “ganhos” desses comissionados, e foi usado para pagar despesas da família Bolsonaro. Isso, para fazer um resumo bem conservador, porque há conexões que envolvem ainda milícias e outras tantas pessoas do mesmo quilate. A investigação está em estágio avançado.
Segundo a CNN, Queiroz está angustiado e preocupado com o cerco contra sua família. Sua mulher, Márcia Queiroz de Oliveira, é neste instante uma foragida da justiça. Tem mandado de prisão expedido e segue escondida. Suas filhas, Nathalia e Evelyn, que ocuparam por longos anos cargos comissionados nos gabinetes de Bolsonaro pai e Bolsonaro filho sem que tenham exercido qualquer função efetiva, estão acuadas. Queiroz quer da Justiça imunidade para sua mulher e filhas. Topa ser condenado, mas quer cumprir prisão domiciliar. Em troca, aceitaria revelar tudo que sabe. O MP diz que não basta, porque já tem convicção do que aconteceu no esquema das rachadinhas. Quer que Queiroz apresente informações adicionais – ou provas documentais. A negociação segue em andamento. Seu desfecho ainda é incerto.
Independente do que venha a acontecer, a simples evidência de que existe uma negociação de delação é sintomática. Afinal, se alguém admite delatar, é porque carrega consigo informações que poderiam ser úteis numa investigação criminal. Tão úteis a ponto de merecer da Justiça a consideração de um perdão, ainda que parcial. É sempre bom reforçar que o que Queiroz tem a delatar não envolve um comissionado irrelevante ou um servidor público de uma pequena cidade em desvio de função. Tampouco se refere a um parlamentar do baixo clero. Trata-se de um senador, cujo pai é ninguém menos que o presidente da República. Envolve depósito misterioso na conta da primeira-dama. Lavagem de dinheiro em loja de chocolate. Pagamento de mensalidades escolares dos filhos do senador e outras miudezas ao longo de dezenas de meses. Queiroz era íntimo do clã. Dirigia para eles, fazia churrasco, pescava junto, cuidava das finanças pessoais, indicava funcionários. Ninguém duvida que viu, ouviu e participou de muita coisa.
Dois efeitos distintos, mas conectados, a prisão de Queiroz já produziu. O primeiro, uma súbita, drástica e surpreendente mudança na postura do presidente Jair Bolsonaro. Quem viu seus pronunciamentos e manifestações desde que Queiroz se mudou de Atibaia para Bangu custa a acreditar que se trata do mesmo homem que, até dias antes, participava de manifestações que pediam o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e flertava com a ideia de instauração de um regime de força no país. Os ataques aos governadores de Estado evaporaram. Seus filhos 02 e 03, viciados em polêmicas e agressões nas redes sociais, emudeceram. Surgiu no lugar disso tudo uma figura abatida, fala mansa, que prega agora a “união” dos poderes para fazer o país avançar.
O segundo efeito é lançar luz sobre alguns comportamentos que permaneciam incompreendidos – até agora. Sabe-se, desde a demissão do ministro da Justiça, Sérgio Moro, no dia 24 de abril, e especialmente após a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, que o presidente República estava obcecado por garantir poder e influência sobre a estrutura de comando da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Disse, na tal reunião, que era absurdo ser surpreendido com ações que desconhecia. Reclamou das falhas dos serviços de inteligência, que fracassavam na missão de mantê-lo bem informado. E vaticinou que não admitiria não conseguir controlar forças que poderiam “foder” a família dele ou, como também disse o desbocado presidente, “amigo meu”.
A preocupação era tão grande que Jair Bolsonaro não mediu esforços – nem riscos – para alcançar seu intento de interferir na Polícia Federal. Sacrificou Moro, comprou uma briga com o STF para trocar o comando no Rio de Janeiro, expôs-se muito além do recomendável. Depois, tentou inventar uma história de que se referia à sua segurança pessoal, que queria alterar, o que acaba de ser desmentido por um de seus maiores aliados, o general de quatro estrelas e comandante do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. O general disse, em depoimento à Polícia Federal, que o presidente nunca enfrentou qualquer dificuldade com sua segurança pessoal – nem para fazer alterações nela.
É bastante provável que o “amigo meu” mencionado por Bolsonaro no dia 22 de abril fosse Queiroz. Que seu desejo de controlar a PF do Rio tinha como objetivo criar um anel de proteção para seu antigo motorista. Tanto esforço, tanto empenho, tanto risco e exposição, tudo junto e misturado, deixa claro que o presidente sabia que teria muito a perder com a queda de Queiroz. Talvez, até mesmo a cadeira de presidente da República.
Apesar de tudo o que Bolsonaro fez, não foi o bastante. Queiroz mora hoje numa cela em Bangu. Está sozinho, sua família sob risco e ele não tem mais ninguém que possa ajudá-lo. O presidente apostou todas as fichas – e perdeu. Agora é a vez de Queiroz jogar. Oficialmente, o advogado que o representa negou que esteja negociando a tal delação premiada noticiada pela CNN. Pode ser. Mas pode ser também que seja apenas uma estratégia da defesa para evitar expor Queiroz a um destino semelhante ao do capitão Adriano, executado sumariamente na Bahia. Marcelo Odebrecht, Delcídio Amaral e Antônio Palocci são apenas alguns exemplos de gente que jurou que jamais faria delação – e que, depois, acabou fazendo.
Agora, é esperar. Os brasileiros, com enorme expectativa e certa dose de angústia. O presidente Bolsonaro, sem conseguir dormir. Não cabe aqui qualquer exagero. Foi a própria ministra da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, quem cometeu a inconfidência. Disse, na última semana, que andou recebendo e-mail do presidente às 3h30 da madrugada. Não sei se ele estava ligado na CNN, à espera de alguma notícia ruim. É provável que esperasse a alvorada, preocupado e penalizado com o “amigo seu” que, no Rio de Janeiro, veria o sol nascer – quadrado. Por enquanto, Queiroz segue em silêncio. A dúvida é até quando.