17 de novembro de 2024

Junho


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Gostaria de ter certeza da possibilidade de reencontro com familiares, amigos, amados, conhecidos - e até desconhecidos - que de alguma forma fizeram parte de algum momento significativo da minha vida e que devem estar num outro plano, distante daqui. Numa outra dimensão, melhor dizendo. Pais, avós, irmão, tios também, primos, sogro e sogra, incontáveis amigos e até inimigos. Extensa lista. Gostaria de pelo menos crer que, de alguma forma e, quem sabe, mesmo sob nova forma física, esbarrarei neles pois cresce-me interiormente a sensação de que deixei de dizer, de contar, perguntar, agradecer, compartilhar alguma informação - mesmo que simples - num singular momento passado com elas, pessoas que já morreram e que estiveram no rol dos meus afetos, conviveram comigo, que me ensinaram alguma coisa, ou que apenas ocuparam algum espaço físico perto de mim.

Talvez o fenômeno seja mero efeito desta devastadora pandemia que atormenta e ameaça nossa integridade pois estamos todos com medo constante da possibilidade de perdermos alguém amado ou de sermos pessoalmente afetados. Talvez seja particularidade deste 2020, ano que começou e continua confuso – mas percebi desencadearem-se lembranças de momentos e pessoas que gostaria de reencontrar, para ressignificá-las num novo contexto de maturidade e experiências da minha vida. Sou fã de Junho, mês marcado pelo frio, pelas lindas festas de outrora, pelos espetáculos que os finais da tarde de seus dias nos proporcionam e pela sensação de que, embora já tenhamos atingido o meio do ano, ainda dá tempo de construirmos alguma coisa. E, ainda, pelas referências pessoais que me trazem. Bastou chegar o mês, que a caixinha de lembranças se abre e dela saem situações incríveis e pontuais que embora distantes no tempo, ainda me perturbam: mais motivos para voltar ao analista...

Num mês de Junho já distante, chegou-nos a notícia, devastadora, da morte prematura de colega de faculdade. Jovem, bonita, saudável não resistiu a sofrimento ou decepção que não compartilhou – e aí imagino o grau de sua solidão - e provocou sua morte. Deixou-nos perplexos, sentindo-nos impotentes, confusos, muito tristes. Ela faz parte do grupo que eu hei de procurar quando chegar do outro lado. Dela eu gostaria de saber o que a fez duvidar de que poderia contar com o apoio de muitos de seus semelhantes. Noutro Junho, menos distante, durante passeio pelo interior inglês percorrendo estradas vicinais, montanhas, rios, dentro de cenário bucólico, com ovelhas pastando dentro de terrenos delimitados por muros de pedra, encontramos pequena igreja de pedras, construída em 1500 – data atestada pela placa de ferrro - no meio do nada. Dentro dela, ajoelhado, velho homem barbado e encapuçado, rezava. Parecia estátua incrustrada no cenário. Absorto, ele sequer nos olhou ou pareceu se dar conta de nossa existência. Se eu o encontrasse – e o reconhecesse - lhe perguntaria sobre sua fé e consequente absorção, que pareciam fazê-lo levitar. Fiquei maravilhada com aquela visão.

Este recém iniciado Junho, marca, no meu calendário, a perda recente de três pessoas que farão sempre parte da minha vida e que um dia hei de reencontrar. Seus nomes, que estão gravados no meu panteão particular: Lúcia de Oliveira, Roseli Paludetto Minicucci e Enéas Cunha. A eles, minha gratidão e reconhecimento por razões diferentes, mas profundamente significativas.