17 de novembro de 2024

Autorretrato


| Tempo de leitura: 3 min

Há anos achei num livro de Simone de Beauvoir, texto lindíssimo no qual ela se refere à sua vocação de escritora, explica como enfrentou a opinião alheia muitas vezes contrária às suas posições de feminista convicta e ativa militante política. Volta e meia recorro a ele para justificar , ou tentar entender algumas atitudes agressivas de (poucos) leitores, sempre que cutuco, mesmo que sem intenção, egos inflados por aí. Simone afirma que quando o escritor se exprime com sinceridade, as pessoas que leem, mais ou menos, se põem em jogo. É impossível lançar alguma luz sobre a própria vida sem iluminar, num ponto ou outro, a vida dos outros. Suas palavras voltam-me à memória, sempre que me perguntam sobre a rotina de escrever, ou “o que é que você quis dizer com”. Pior é quando, arbitrariamente, decidem que palavras, críticas, observações têm endereço certo, o que para mim soa como exagero da auto-importância alheia. Não raro confundem elogio com agressão; reconhecimento com intolerância. Ou não conseguem ler e dão às palavras o sentido que lhes parece mais apropriado, sugerido por sua pequenez intelectual.

Para quem eu escrevo? Como nasce a inspiração para meus textos? Como decido o teor da minha produção onde exponho posição política, preferências, idiossincrasias; de onde vem inspiração para minhas poesias? Onde estão arquivadas minhas lembranças? Como e que critérios uso para pinçá-las, e compartilhá-las com quem me lê, sempre que as revelo? Estarei me superdimensionado ao imaginar que tenho leitores que pensam como eu? Estarei sendo cabotina, quando as publico e imagino que exista alguma ressonância? Ou será que sou apenas uma exibicionistazinha qualquer que se acha importante? Quando digo o que penso, estarei me expondo? Acho que não. Sento-me à máquina, fecho a porta, abro as outras da memória, fecho os olhos. Decido o tema e me pego escrevendo. Botando para fora minhas mágoas, alegrias, compartilhando experiências. Não. Não escrevo para louvar parceiros, muito menos pichar opositores.

A pintora Frida Kahlo certa vez, perguntada porque era sempre ela, correntemente, o tema de suas pinturas, respondeu ironicamente que ela era o tema que mais conhecia. Que não fugia à sua companhia, que tinha sempre enorme espelho a refleti-la, que era sempre consigo mesma que conversava, que trocava experiências, que se analisava, que discutia sobre suas ações passadas e prospectava o futuro. Perguntavam-lhe sobre sua permanente exposição, respondia que não tinha medo de “se expor”, porque tinha noção de seu valor, do tamanho de suas dores e a certeza de que, acontecesse o que pudesse acontecer, ela seria sempre sua parceira. E que, de mais a mais, a vida era dela. Deixassem-na em paz.

Normalmente escrevo sobre meu cotidiano. Algumas situações verdadeiras outras inventadas; uma ou outra superdimensionada; inverossímeis algumas. Reais, na maioria das vezes. Já feri com minha pena, tenho certeza. Já fui insensível até. Nem sempre fui aplaudida, já fui atingida com tomates e ovos podres, nestes quase quarenta anos de produção literária. Já fiz alegria de muitas pessoas, diverti outras. Já pisei em calos, cutuquei a onça com vara curta. Mas nunca me escondi atrás de textos quaisquer ou usei alguém como escudo para minhas críticas. Já construí histórias, já derrubei alguns mitos. Doravante só permito observações de quem tenha currículo semelhante ao meu. Às outras pessoas, peço respeito. Eu gosto de mim do jeito que sou. Olho no espelho e me olho nos olhos. Aposte, sou gente boa...