Estava sentado na varada de casa na semana passada. Enquanto Milena se desdobrava na aventura cotidiana de alimentar e checar todos os bichos – Inca, Cisco, Hannah, Bela, Lisa, Mel, entre gatos e cachorros –, eu batia papo com o João. As notas da escola tinham saído e ele estava aprovado, com louvor, para seguir rumo ao quinto ano da Toulouse-Lautrec. Como se comportou ao longo do ano, merece o presente com que sonha. Vai ganhar um videogame novo. O antigo, doou para ser sorteado, junto com outros brinquedos, na festa de Natal da ONG Academia de Artes.
Discutíamos se o melhor seria Xbox One ou Playstation 4. Disse que como estaremos fora de Franca no Natal, ele precisava resolver logo para que pudéssemos avisar o Papai Noel sobre onde deixar o presente. Ele começou a rir.
- Ãham - disse.
Perguntei o que ele queria dizer com aquilo.
- Nada não, papai. Você tinha falado que ia comprar o videogame. Agora falou que é o Papai Noel.
Na hora, desconversei. João fez cara de maroto, realçando as covinhas que são marca registrada. Pernas cruzadas como se adulto fosse, sapecou.
- Eu também sei jogar, papai.
Fiquei emudecido, com receio de “descobrir” o que já se anunciava óbvio.
Nesta última quinta-feira, o assunto do videogame ressurgiu. Era preciso tomar uma decisão sobre o modelo a “pedir para o Papai Noel”.
- Eu sei que você é que vai comprar, papai.
Minha mulher não aguentou. Direta, perguntou ao filho se ele não acreditava mais em Papai Noel. A resposta foi surpreendente.
- Faz tempo, mamãe. Eu já desconfiava faz uns dois anos, porque eu via você e o papai escondendo os presentes à noite. Se era o Papai Noel que trazia, por que vocês é que escondiam? Era ele que tinha que trazer... Além disso, não tem como entregar no mundo inteiro numa noite. E eu já tinha ficado acordado e nunca vi ele.
Milena quis saber do Coelho da Páscoa.
- Eu também sei que não existe, mamãe. Sempre via você correndo para esconder os ovos nas árvores.
- Jura?, perguntei.
- É claro, papai. A única que ainda tinha dúvida era a fada do dente, mas um dia desses a mamãe esbarrou numa caixinha e derrubou um monte de dente no chão. Só podia ser meu, né.
- Sim, João. A fada do dente também não existe - atestou a Milena.
Perguntei, então, porque, se ele sabia que não existiam, continuava agindo como se fosse tudo real.
- Acho as histórias tão bonitas. E eu adorrrrrro o Papai Noel - explicou, com o “r” afrancesado que é tão característico seu.
Antes que a noite acabasse, João quis ver a tal caixinha com todos os seus dentes, caprichosamente guardados pela mãe. Diante da caixinha, fez um apelo.
- A gente tem que falar com a Tia Ju para não deixar o Pedro falar para o Felipe que o Papai Noel não existe. Ele ainda é pequeno e tem que acreditar mais um tempo - alertou, referindo-se aos amigos-irmãos (o mais velho tem a idade dele e quer contar para o caçula, dois anos mais novo, sobre o mundão real) - É tão legal!
- O que é tão legal, meu filho? – perguntei.
- Acreditar nisso tudo. Queria que fosse verdade, disse o João.
Foi, meu filho. Durante nove – deliciosos – anos, foi tudo absoluta e deliciosamente real.