“Ao toque da sineta, os alunos do Colégio Marista de Franca levantavam-se às 6 horas e respondiam, em uníssono, Deo Gratias, à saudação Laudetur Jesus Christus que lhes dirigia o regente. Em silêncio, tomavam banho, trocavam de roupa e desciam para a missa. Após a missa, aulas, horas de estudo, recreio, aulas, esportes, até a hora de recolher”. O trecho do livro Educação Marista – Colégio Champagnat de Franca, de autoria da professora Lamia Jorge Saadi, retrata em detalhes como era um dia no Colégio Champagnat em Franca no período em que o prédio, hoje histórico, funcionava como internato de estudantes do gênero masculino.
Inaugurado em 1917, no endereço em que se encontra hoje, o colégio foi erguido pela Congregação Marista 15 anos após a chegada dos primeiros irmãos na cidade. A vinda dos religiosos foi intermediada pelo Monsenhor Cândido da Silveira Rosa, que era vigário do município e desejava fundar em sua paróquia uma escola católica para meninos. Na época já existia em Franca o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, comandado pelas irmãs de São José de Chambéry, porém voltado para educação de meninas. “Nessa época, estava crescendo em Franca o ensino capitaneado pela maçonaria, então o Monsenhor Rosa decide chamar duas ordens ensinantes católicas para atuar na cidade. Primeiro chegam as irmãs de São José para cuidar da educação das moças e depois, os Maristas que vem da cidade mineira de Congonhas do Campo”, relata o professor de história da Unesp Franca e presidente do Condephat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Município de Franca), Pedro Geraldo Saadi Tosi.
A ideia, com a vinda das duas ordens, era que as meninas e meninos da elite da “Franca do Imperador” pudessem ter uma formação educacional e religiosa comparável àquela existente na Europa. Vale lembrar que tanto as irmãs de São José de Chambéry como os irmãos Maristas tem origem francesa, na região da Alta Sabóia.
Segundo documentos históricos do Arquivo Municipal, inicialmente os Maristas foram acolhidos em uma chácara do próprio Monsenhor Rosa, localizada na Estação, onde montaram uma casa de educação denominada Collégio Internato São Paulo. Consta que a fundação do colégio ocorreu nesse referido local em 1904.
Nesse imóvel, os Maristas permaneceram de 1902 (ano da chegada em Franca) até 1912, quando uma epidemia de varíola fez com o prédio fosse transformado em abrigo para os doentes. A situação fez com que a direção do colégio começasse a procurar por um novo imóvel ou mesmo uma área para que pudessem construir um novo prédio e assim, continuar a missão educadora em Franca.
Nessa época, já havia funcionado no local do atual Colégio Champagnat, no Bairro dos Coqueiros como era chamada a região, o Colégio Culto às Letras de César Augusto Ribeiro e Gaspar da Silva (curiosamente,os mesmos que Padre Rosa pretendia combater) e, posteriormente, o Colégio do Professor Chiquinho (Francisco Cândido Alves). Diante das instalações, com um imenso terreno e um prédio de dois andares, os irmãos Maristas viram que a área era ideal para reerguer a escola. Foi então que, em 1915, os Maristas compraram um terreno vizinho da área existente e lançaram a pedra fundamental de um novo prédio para a instituição que passa a ser chamada de Instituto Champagnat.
A inauguração oficial ocorreu em 8 de setembro de 1917, no mesmo ano em que a Congregação Marista completava 100 anos de existência. “O Colégio Champagnat é um complexo de edificações e foi construído para atender os filhos da elite cafeeira. É um modelo de planta comum para todos os edifícios daquela congregação, teve inspiração francesa e foi construído em cinco etapas. Para a época, era um complexo de vulto significativo”, diz o arquiteto e doutor em gestão de patrimônio da USP/SP, Marcelo Pini Prestes. Ele também é responsável pela elaboração de um dossiê multidisciplinar sobre o Colégio Champagnat encomendado pela Prefeitura de Franca, que será concluído em janeiro de 2020.
Prestes diz ainda que o prédio tem elementos ecléticos originários da Europa, mas, que foram simplificados para o interior em razão da dificuldade na captação de recursos.
Documentos atestam que os Maristas permaneceram por 53 anos em Franca, a partir da inauguração do colégio, e que nesse período, diversas foram as reformas e ampliações do prédio até alcançar a estrutura existente hoje.
Inicialmente, em 1923, houve um acréscimo em forma de L saindo da primitiva casa que servia de sede do colégio Chiquinho e no térreo desse pavimento, foi instalada a capela. Anos depois, em 1948, foi construída a sede da Associação dos Antigos Alunos, localizada em um terreno mais elevado, à direta do corpo principal do prédio. O local possuía sala de reuniões e projeções, além de um amplo palco.
Um ano depois, em 1949, o prédio enfim ganharia os traçados e características atuais graças a uma ampla reforma projetada e executada pelo engenheiro Paulo Rocha de Freitas e o construtor Antônio Silva Lima. Ainda no ano seguinte, houve a inauguração do monumento em bronze de Marcelino Champagnat (fundador da Congregação Marista) na frente da entrada principal e, também em 1950, a construção da passarela que liga as instalações no sentido norte-sul. Acredita-se que as reformas seguiram até meados de 1960, cabendo ao artista plástico Agostinho Ferrante a missão de restaurar a pintura interior da capela.
“O Colégio Champagnat tem uma importância muito grande para Franca e os francanos, pois formou bons cristãos e virtuosos cidadãos. Havia uma lacuna na educação de homens em Franca. Os Maristas vieram e foram responsáveis pela formação de muitas gerações. Com o tempo, o Colégio Champagnat se tornou referência de educação masculina para as famílias abastadas de toda a região”, explica a professora Lamia Jorge Saadi, que transformou seu trabalho de mestrado, sobre o Colégio Champagnat de Franca, em livro.
Segundo o histórico do colégio, ao encerrar as atividades em Franca, o prédio possuía 2,5 mil metros de área construída em uma área de 41 mil metros quadrados. O local contava com 13 salas de aula, além de outras dependências que atenderam as necessidades dos regimes de internato, semi-internato e externato. O conjunto também era composto por vários campos e quadras para a prática de esportes.
“Os Maristas sempre tiveram muito carinho por Franca. A saída da cidade foi precipitada e aconteceu quando da transformação em um colégio misto (meninos e meninas). Eles justificaram que não estavam preparados para assumir as aulas. Isso dificultou a estada deles, porém hoje eles se arrependem de ter saído”, diz Lamia.
Em seu livro, a professora relata que o colégio Champagnat viveu seu apogeu entre as décadas de 30 e 60 e começou a sentir um declínio no número de alunos a partir de 1960. “Após o Concílio Vaticano II, por influência da educação evangelizadora e com as novas normas da Educação Nacional, deu-se a abertura dos Colégios masculinos tornando-os mistos. A Escola Pública ganha forma e prestígio na década de 60, e observa-se uma debandada dos alunos das Escolas confessionais para as Escolas Públicas e o Colégio Champagnat de Franca não fugiu à regra”.
Apesar de não haver registro do fechamento do Colégio Champagnat, acredita-se que ele ocorreu em dezembro de 1971 após 69 anos em Franca. Além da diminuição do total de alunos, também são apontados como motivos para o encerramento dos trabalhos a escassez de professores dentro da Congregação e as novas concepções de vida.
“Conheci o Colégio Champagnat na década de 60, localizado em um privilegiado espaço educacional com construções amplas e numerosas salas de aula, um verdadeiro campus da educação. Fui professor entre 1969 e 1970, na cadeira de biologia e religião, no segundo grau. Foram bons tempos de uma educação humana, alegre, séria e cidadã”, lembrou o ex-professor do Colégio Champagnat, irmão Dário Bortolini, que continua a fazer parte da Congregação Marista.
Imagem do prédio em terreno de 41 mil metros quadrados