Destinado à formação de meninas da elite de Franca e região, o Colégio Nossa Senhora de Lourdes nasceu, assim como o Colégio Champagnat, por meio do Monsenhor Rosa. Vigário paroquial de Franca, ele lutava para a instalação de uma instituição católica que pudesse cuidar da educação da juventude cristã, em especial das mulheres, de modo que elas fossem formadas para serem “dóceis”, “meigas” e “devotadas” a cumprir o papel de mãe e esposa, conforme era determinado pela sociedade da época. “O pedido para a instalação desse colégio na cidade se deu por meio do Monsenhor Cândido Matias da Silveira Rosa, o Monsenhor Rosa, que no dia da sua ordenação em Itu revelou seu sonho de que, para onde quer que fosse enviado para ser pároco, fundaria o colégio dirigido pelas Irmãs de São José de Chambéry. Foi assim que viemos para Franca onde estamos até hoje. São mais de 55 congregações de vários ramos espalhadas, com 14 mil irmãs, presentes em mais de 50 países”, contou a irmã Raquel de Souza, em entrevista à imprensa francana no período em que atuou na cidade como assistente geral do Ceprol (Centro Promocional Nossa Senhora de Lourdes). O Ceprol funciona até os dias de hoje em frente ao antigo colégio, no Centro de Franca.
A Congregação das Irmãs de São José de Chambéry, responsável pela fundação do colégio, nasceu há quase 400 anos no sul da França, mas chegou ao Brasil por volta de 1858 para fundar o primeiro colégio de educação feminina no país, em Itu (SP). Em 1888, um grupo de irmãs brasileiras veio para Franca e deu início ao Colégio Nossa Senhora de Lourdes.
A inauguração do prédio ocorreu, em novembro daquele ano, graças à doação feita pelo casal Major Claudiano Ferreira Martins e sua esposa Mariana, que adquiriu o sobrado ‘João Alexandre’ com o auxílio de algumas pessoas da cidade e das circunvizinhanças, revelam documentos do Arquivo Histórico de Franca.
O antigo sobrado foi adaptado para o colégio vindo a possuir refeitório, dormitórios, locutórios e uma capela improvisada. A construção do suntuoso prédio com dois pavimentos - sendo o piso superior destinado aos dormitórios, com capacidade para 200 leitos, e o térreo para as salas de aulas - começou em 1889, ao lado do sobrado, com as primeiras economias das irmãs e também com o empenho de fazendeiros de Franca e cidades vizinhas, além de outros doadores. “As irmãs de São José são uma ordem ensinante católica. Dessa forma o prédio que anos mais tarde abrigou a Unesp já nasceu com o propósito de ser colégio. Certamente também foi construído aos poucos, as alas têm idades diferentes e a parte mais antiga é a capela”, diz o professor de história da Unesp e presidente do Condephat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Município de Franca), Pedro Geraldo Saadi Tosi. Segundo ele, em termos de área construída, o prédio possui 13 mil metros quadrados, sendo maior que o Colégio Champagnat.
Por muitos anos, o colégio funcionou apenas como uma escola de educação para meninas de classe alta, filhas de fazendeiros, médicos, políticos e pessoas da alta sociedade. Porém, foi a partir da instalação do curso normal livre, voltado para formação de professores, que o Nossa Senhora de Lourdes ganhou ainda mais destaque. “Estas meninas, oriundas da elite regional, deveriam se formar para saberem se comportar como moças finas e cultas. Este era o modelo idealizado e materializado na figura da normalista. Mais tarde, atuando como professora primária nas escolas estaduais onde se conseguia a tão sonhada “cadeira”, estas mulheres tornaram-se as principais porta-vozes da cultura social típica das elites”, escreveu a estudante de História da Unesp, Cristina Vieira Gomes, em seu trabalho de conclusão de curso.
A apresentadora global Ana Maria Braga, nascida em São Joaquim da Barra, foi uma das internas do colégio e, em agosto de 2006, em depoimento à Folha de São Paulo contou como foi essa experiência. “Quando completei nove anos, meu pai, beirando os 70, me achava barulhenta e decidiu me internar no colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Franca, onde fiquei até ser expulsa, aos 13. Éramos 130 internas. Só era permitido sair do internato e passar uma tarde com os pais no primeiro domingo de cada mês, e mesmo assim se tivesse a fita com uma medalhinha do Sagrado Coração de Jesus, que a ma mère (em francês, minha mãe), uma espécie de superbedel, distribuía como prêmio por bom comportamento”, disse Ana Maria ao jornal. “Meu dormitório tinha 90 camas. Éramos acordadas às 5h -com palmas- e tínhamos que rezar. Todas dormiam com um camisolão, e tínhamos que colocar roupa diária por baixo dele - era pecado mostrar qualquer pedacinho da canela. Já de uniforme, faziam outra oração. Rezávamos antes e depois de comer. Antes de cada aula, mais um pai-nosso e uma ave-maria. No almoço, repetia-se o ritual do café. Depois da aula, era a hora do banho, que a gente tomava com outro camisolão. Depois do jantar, vinha o culto e outro malabarismo: tirar o uniforme vestidas com o camisolão”, completa o depoimento da apresentadora à Folha.
“Como sabemos, o Colégio das Irmãs de São José atendia o gênero feminino. Ali as famílias ricas de Franca e região deixavam suas filhas por volta dos sete anos até ‘tornarem-se moças’. Durante esse período, as alunas recebiam uma formação rígida que envolvia regras de comportamento e conduta”, aponta trecho do trabalho acadêmico de Cristina.
Já em 1943, mais precisamente em 3 de fevereiro, o então presidente da República Getúlio Vargas autoriza que o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, com sede em Franca, no Estado de São Paulo, funcione como colégio.
Os anos se passaram e assim como ocorreu com o Colégio Champagnat, após 69 anos de trabalho na área educacional, no ano de 1967, as irmãs de São José de Chambéry decidem por encerrar as atividades em Franca. “Foi um período crítico para as ordens ensinantes. O café entra em crise, a produção de calçados aparece e Franca começa a mudar o perfil para uma cidade industrial. Já não há mais tantas famílias de posse”, explica o professor Tosi.
Com o fim do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, o prédio é destinado para abrigar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Franca, já que havia interesse Na construção de uma sede própria para abrigar a instituição. Lá a faculdade funcionou até 1977, quando ocorreu a compra pelo Governo do Estado que posteriormente a incorpora para a Universidade Estadual Paulista, a Unesp. Com a mudança, a instituição passa a oferecer os cursos de História, Direito e Serviço Social e, só mais tarde, de Relações Públicas.
Vinte anos após a sua criação, em agosto de 1997, na gestão do prefeito Gilmar Dominici, ocorre o tombamento do prédio, por meio do Condephat, incluindo a capela que foi restaurada anos mais tarde, após ficar 15 anos abandonada.
REFORMA
Desde 2009, com a transferência da Unesp para um novo campus localizado no Jardim Antônio Petráglia, o prédio foi cedido ao Governo do Estado de São Paulo por meio de comodato de 30 anos, conforme revela o professor Tosi, que leciona história na Unesp. “O local agora funciona como Centro Regional de Governo e a manutenção é de responsabilidade do Estado. Estamos pedindo o restauro do prédio que está avaliado em R$ 10 milhões”
No começo deste ano, partes da marquise do prédio despencaram sobre a calçada e a via precisou ser interditada. Como parte do processo de recuperação, recentemente foi realizado um embandejamento que consiste na instalação de uma estrutura de madeira e telas de nylon a fim de impedir a queda de materiais e liberar a passagem de pedestres sem risco, mesmo durante a realização das obras.
Segundo já declarou o secretário de Esporte, Arte, Cultura e Lazer do município, Elson Bonifácio, as reformas serão realizadas a partir de um levantamento técnico e especializado que resultará em um termo de referência para licitar a obra. Durante os serviços, que ainda não têm data para começar, é possível que haja a necessidade de alocação de espaços. Entre as partes com maior necessidade de intervenção estão os beirais e calhas da capela e do terceiro andar, no cruzamento das Ruas Major Claudiano e Doutor Alcindo Ribeiro Conrado. Serão necessários projetos de restauro, readequação de uso, manutenção de janelas em caixilhos de madeira e vidraças, bem como pintura”, disse o secretário municipal.
Prédio onde funcionou a Unesp em processo de reforma