Final da tarde de 10 de agosto de 1822, um sábado. No Brasil, o príncipe regente Dom Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança, aos 23 anos, era a autoridade absoluta – ou, pelo menos, deveria ser. Os tempos eram de intensa agitação, fruto da queda de braço interminável entre Dom Pedro e os nobres portugueses que queriam que o Brasil deixasse de fazer parte do Reino Unido de Portugal e Algarves e retornasse à condição de mera colônia, sem ministros para tratar dos assuntos nacionais, sem tribunais de justiça, sem qualquer autonomia. Para tanto, exigiam que o príncipe retornasse à Lisboa. Dom Pedro, influenciado pela princesa Leopoldina, sua mulher, de personalidade forte, culta, moderna e inteligentíssima, resistia.
Nesta data, Dom Pedro se preparava para uma viagem que faria a São Paulo, onde pretendia garantir apoio da província em prol da autonomia do Brasil. O longo e penoso trecho era vencido com carroças, lombo de mula e cavalo. No dia 25, sua Alteza chegou a São Paulo. Exatos 8 dias depois, em 2 de setembro, seria sua mulher, Leopoldina, que havia permanecido como regente no Rio de Janeiro durante a ausência de Dom Pedro, que assinaria a declaração de independência diante do agravamento das tensões.
No dia 7 de setembro, às margens do rio Ipiranga, nas cercanias de São Paulo, Dom Pedro foi alcançado pelo mensageiro enviado por Leopoldina com a carta em que contava sobre as circunstâncias da assinatura da declaração de independência. Ali, Dom Pedro referendaria a decisão de sua mulher e daria o célebre grito – ainda que alguns apontem que a versão seja romantizada demais – eternizado na história: “Independência ou morte!”.
Passaríamos a ser uma nação soberana. Dom Pedro I seria coroado imperador. Anos depois deixaria aqui seu filho, Pedro II, enquanto viajava a Portugal para retomar a Coroa Portuguesa numa disputa com seu irmão caçula, Miguel, e se tornaria Rei de Portugal. Pedro II governaria o Brasil por décadas, até o fim da monarquia, em 1889.
O Seminário Episcopal em São Paulo, por volta de 1860, onde Frei Germano foi professor
NASCE CLAUDE MARION
De volta àquela tarde de agosto de 1822, do outro lado do Oceano Atlântico, na pequena cidade de Annecy, aos pés dos Alpes, na região da Alta Saboia, na França, nascia Claude Charles Marion, filho de Louis Marion e Philippine Lacombe. Teve como padrinhos de batismo Claude Lacombe e Charlotte David. Era uma criança comum numa família simples e profundamente católica. Da infância e adolescência daquele menino, sabe-se nada mais.
Em 1841, aos 18 anos, decidiu ingressar na vida religiosa. Foi estudar no convento capuchinho de La Roche-sur-Foron, distante 30 quilômetros a nordeste de Annecy, pertinho da Suíça. Quatro anos depois, em 20 de março de 1845, foi ordenado padre em Chambéry, 50 quilômetros ao sul de onde nascera. Era o fim de Claude Charles Marion e o início da história de Frei Germano d’Annecy, o nome religioso que escolhera e pelo qual seria conhecido e respeitado.
Passariam seis anos sem grandes novidades, dedicados a estudos e orações. Foi em 1851 que Frei Germano receberia dos chefes de sua Ordem a determinação que mudaria completamente sua vida. Então com 29 anos, deveria embarcar num navio rumo ao mundo novo, a América, para lecionar. Física e matemática eram suas especialidades. Botânica e mineralogia, grandes áreas de interesse. E a astronomia, sua maior paixão. O destino foi o Chile, onde chegou entre fins de 1851 e início de 1852. Ali permaneceria até 1857, quando recebeu um convite.
Em São Paulo, tinha acabado de ser construído, por iniciativa do bispo diocesano Dom Antônio Joaquim de Melo, o Seminário Episcopal (hoje Colégio Arquidiocesano), escola que se destinava à formação do Clero mas que também admitia em suas classes alunos sem vocação religiosa.
A ambição de Dom Antônio era elevada. Em busca dos melhores professores possíveis, resolvera recorrer ao Papa Pio IX para ajudá-lo a encontrar nomes adequados. Sua Santidade recomendou ao bispo que pedisse auxílio aos frades capuchinhos da Alta Saboia, na França, que tinham reputação de serem grandes eruditos. Após algumas consultas e os primeiros selecionados, fora lhe recomendado convidar para compor o corpo de professores Frei Germano d’Annecy.
Assim foi feito. Em 1858, provavelmente depois de passar pelo Uruguai na sua longa jornada desde o Chile, Germano d’Annecy chegou à capital da província de São Paulo, onde ganharia rapidamente projeção no meio científico.
Professor de física e matemática, era reservado e humilde, como convém a um bom franciscano. Estava sempre vestido com um burel preto, espécie de túnica de lã, invariavelmente com os cabelos degringolados, às vezes cobertos por um chapéu de palha, sem demonstrar qualquer vaidade. A verdade é que Frei Germano, muito tímido, sentia-se mais à vontade conversando com as plantas que cultivava com profundo amor do que com outras pessoas. Não sem razão, jamais ganhou destaque pela sua oratória no púlpito. O conhecimento era sua arena. Nas ciências, Frei Germano era um gigante.
Além das aulas no Seminário, Germano tratou logo de arranjar tempo para construir um pequeno observatório astronômico no terraço do Seminário Episcopal. Passou a escrever regularmente para o jornal A Província de São Paulo (hoje O Estado de São Paulo), onde fazia previsões meteorológicas num tempo em que o ofício era definido como “a arte de prever o tempo de véspera”. Também explicava fenômenos como eclipses e o movimento dos planetas nos seus textos para o jornal. Foi o primeiro astrônomo e também o primeiro meteorologista de São Paulo.
Em 1859, construiu o primeiro relógio solar da Capital, uma versão muito mais rústica e primitiva daquele que, anos depois, ergueria em Franca. Tecnicamente chamado de Gnômon Mural Vertical Declinante, o relógio da Capital foi pintado por Abranches Junior no muro da capela de Nossa Senhora da Conceição (hoje Igreja de São Cristóvão), no pátio interno do Seminário Episcopal, na praça da Luz.
Apesar de rústico, sem estrutura própria e de ser apenas uma pintura na parede, o relógio funcionava – e bem. Tão bem que passou a fornecer a hora oficial de São Paulo. Todos os relógios passaram a ser ajustados a partir da medição feita pelo gnômon construído por Frei Germano. Continuaria assim por mais de meio século, até 1912. Frei Germano construiria um segundo relógio no pátio do colégio, com estrutura própria, mais parecido com o de Franca.
O CONVITE DO IMPERADOR
Os múltiplos talentos de Frei Germano chamaram a atenção do Imperador Dom Pedro II, entusiasta apoiador das ciências. Os planos do Imperador não eram modestos. Dom Pedro queria que Frei Germano assumisse o cargo de vice-diretor do Imperial Observatório Astronômico e Meteorológico do Rio de Janeiro. Filho dos alpes franceses, o calor abrasivo do Rio pareceu sufocante demais para a saúde de Frei Germano, que declinou do convite. O Imperador não desistiu. Fez do frade membro correspondente não-residente do Observatório Imperial. E o presenteou com um telescópio e um sofisticado cronômetro John Pool, no qual mandou gravar uma dedicatória especial.
O primeiro relógio solar da Capital, pintado na parede da capela de Nossa Senhora da Conceição, atual Igreja de São Cristóvão: obra forneceu a hora oficial de São Paulo por anos
LUZ ELÉTRICA
Sempre inquieto, Frei Germano começou a se dedicar também, em meados dos anos 60 do século XIX, a experimentações com eletricidade. Mais precisamente, com luz elétrica. Eram tempos em que depois que o sol se punha, só mesmo a lua, velas ou lampiões garantiam alguma claridade. Alguns inventores se dedicavam a tentar resolver o problema encontrando uma forma de obter iluminação a partir de filamentos incandescentes. Antes que Thomas Edison demonstrasse pela primeira vez o funcionamento da lâmpada que inventara, o que só viria a acontecer nos Estados Unidos, em 1879, 21 homens de diversas partes do mundo alcançaram resultados satisfatórios com sistemas de iluminação rudimentares. Um desses gênios foi exatamente Frei Germano.
O frade usava um sistema que viria a ser conhecido como lâmpada de arco-voltaico. Basicamente, ele usava dois eletrodos de carvão conectados a um acumulador, tudo inserido dentro de um vidro de remédios de farmácia. Quando colocados em contato um com o outro, os eletrodos se aqueciam e ficavam incandescentes. Eram então afastados ligeiramente. No espaço entre eles, graças ao efeito do ar quente, formava-se um pequeno arco incandescente. Fazia-se luz. Funcionava.
Naqueles anos, o Império do Brasil, aliado à Argentina e ao Uruguai, travava uma sangrenta batalha contra o vizinho Paraguai, no que ficaria conhecido como a Guerra do Paraguai. Comandados pelo general Solano Lopez, os paraguaios haviam construído às margens do rio Paraguai a Fortaleza de Humaitá, considerada inexpugnável e que protegia seu território contra ataques das forças terrestres e marítimas dos aliados.
Foram meses de cerco terrestre e marítimo e de muitos combates, a partir do final de 1867, entre as forças combinadas de Brasil, Argentina e Uruguai e os resistentes paraguaios. Finalmente, entre 23 e 24 de março de 1868, após pesados bombardeios dos navios Bahia, Rio Grande e Pará, da armada imperial brasileira, as forças paraguaias remanescentes em Humaitá recuaram. Quando abril chegou, tropas brasileiras enfim ocupavam a margem paraguaia. Foi uma vitória muito comemorada. Houve celebrações em várias partes do Brasil.
Na capital da província de São Paulo, a festa pela conquista de Humaitá foi marcada por uma demonstração de iluminação elétrica feita por Frei Germano. Foi a primeira vez que a população pode ver a experiência de perto. O local escolhido foi o Largo da Cadeia (hoje a praça João Mendes). Ali também funcionava a Prefeitura. O lugar estava especialmente bonito entre os dias 12 e 14 de agosto de 1868. Milhares de pessoas se dirigiram até o Largo da Cadeia para se deslumbrar com a iluminação produzida pelo invento de Frei Germano.
Há pelo menos outros quatro registros de demonstrações feitas por Frei Germano. Um deles, em 25 de abril de 1870, quando a população da capital recebeu soldados brasileiros que tinham participado de combates na Guerra do Paraguai. Poucos meses depois, em 11 de junho de 1870, foi a vez de Germano encantar com a iluminação da fachada do Seminário Episcopal. “A iluminação se estendia por toda a circunvizinhança daquele edifício e também do edifício da Casa do Império, que se achavam belamente embandeirados”, registra o historiador Antônio Egydio Martins. Outra demonstração aconteceu em 11 de agosto de 1872, em Campinas, onde ele iluminou um trecho da rua Direita para comemorar a inauguração de um trecho da estrada de ferro.
A última experiência de Frei Germano com iluminação elétrica de que se tem registro teve lugar no Largo da Penha, na capital, em 8 de setembro de 1877, por conta das celebrações da padroeira do bairro. A luz elétrica em larga escala em São Paulo começaria a funcionar apenas em 1905, quando a Prefeitura firmou contrato para iluminar a rua Barão de Itapetininga, 37 anos depois da experiência pioneira de Frei Germano d’Annecy.
RUMO AO INTERIOR
O ano de 1878 chegaria e, com ele, mais uma mudança se anunciava na vida de Frei Germano. Desta vez, provocada por uma decisão dos diretores do Seminário Episcopal, que resolveram cumprir a vontade testamentária do falecido bispo Dom Antônio Joaquim de Melo e substituir os mestres capuchinhos por professores que tivessem sido formados na própria escola. Houve determinação para que os frades retornassem à Europa. Frei Germano, com a saúde fragilizada por conta do beribéri (doença provocada por falta de vitaminas que leva à fadiga, dificuldades respiratórias e inchaço), pediu e conseguiu autorização para ficar no Brasil – e se mudar para o interior.
Apesar de muitos historiadores apontarem Franca como o destino imediato de Frei Germano, é improvável que isso tenha acontecido. Documentos obtidos por João Nascimento Franco no Arquivo Público de Uberaba e revelados no artigo publicado por este Comércio em 1999 demonstram que entre 1878 e 1881, Frei Germano morou em Uberaba. Primeiro, foi professor de física e matemática no Liceu Uberabense, dirigido pelo jornalista César Augusto Ribeiro, até que a instituição de ensino acabou fechada, por brigas políticas, em dezembro de 1879. Suas aulas e seu conhecimento devem ter provocado tamanho impacto nos pais de alunos que, reunidos, convenceram o frade a abrir um outro colégio de instrução secundária. Assim foi feito e em seu gabinete de física ele instalou o telescópio que, anos antes, havia ganhado do Imperador Pedro II.
Em Uberaba, Frei Germano morou na Fazenda das Melancias, onde construiu um quadrante solar, espécie de relógio de sol baixinho, mais simples e rudimentar. Por ali, também fez várias experiências com botânica e deu aulas práticas de agricultura e jardinagem. Instalou caramanchões e estufas na fazenda onde morava, e recebia com frequência a visita de uberabenses admirados com a beleza do lugar.
A Casa da Câmara e Cadeia (atual Praça João Mendes), por volta de 1800, na capital: local recebeu uma das primeiras experiências de iluminação elétrica, invento de Frei Germano
ENFIM, FRANCA
Depois de 30 meses morando em Uberaba, o convite de um antigo aluno do Seminário Episcopal, padre Cândido Rosa (que hoje dá nome à rua Monsenhor Rosa), então vigário de Franca, fez com que se mudasse para cá, onde também acabaria reencontrando o jornalista César Augusto Ribeiro, que havia fundado na cidade o colégio Culto às Letras. Como não poderia deixar de ser, Frei Germano tornou-se professor de física e matemática na escola.
Frei Germano tinha quase 60 anos quando chegou a Franca. Aqui, deparou-se com uma situação inusitada. Havia, naquele momento, uma guerra de nervos entre seu amigo e discípulo, Padre Rosa, e alguns maçons que haviam chegado com ideias liberais e modernizantes. Um desses maçons era ninguém menos que César Augusto Ribeiro, o dono de colégio, que havia sido seu patrão em Uberaba e agora era seu empregador em Franca. Era também alguém com quem comungava ideais sobre a importância da ciência.
Além do colégio Culto às Letras, César Augusto Ribeiro fundaria, junto com um sócio, Gaspar da Silva, o jornal O Nono Distrito, o primeiro a circular em Franca, em 1882. Ambos portugueses e maçons, usavam o jornal para defender ideais progressistas. Eram também, em boa medida, anticlericais. Artigos com ataques e críticas ao vigário Cândido Rosa eram comuns no jornal. Padre Rosa, por sua vez, reagia com textos publicados num concorrente também recém-fundado, o Tribuna da Franca. O clima era quente e a troca de farpas, intensa.
É curioso constatar que Frei Germano passou incólume pelo “conflito”, mantendo-se próximo de ambos. Era no colégio de César Augusto Ribeiro que o frade capuchinho trabalhava. E era numa propriedade de Cândido Rosa que Frei Germano morava, na Chácara das Freiras, no final de onde hoje é a rua Voluntários da Franca, na Estação. Ali, cultivou parreiras, de cujas uvas produzia vinho, plantou jardins e instalou colmeias para estudo das abelhas e produção de mel.
Sempre em movimento, não abandonava a ciência em nenhum instante. Relatos apontam para “anotações” suas, feitas com tinta ou canivete, até nos mourões de cerca da propriedade, contendo cálculos e equações matemáticas. Num casarão colonial que ficava na chácara, instalou também seu observatório astronômico, com os equipamentos que havia ganhado do Imperador, assim como fizera no Seminário Episcopal de São Paulo e na Fazenda das Melancias, em Uberaba.
Frei Germano não apenas conseguiu evitar que as desavenças entre Cândido Rosa e César Ribeiro o afetassem. De alguma forma, fez com que se unissem no projeto que resultaria na construção do Relógio do Sol. Ninguém sabe exatamente como surgiu a ideia de erguer em Franca o relógio, mas é certo que Germano, Rosa e Ribeiro trabalhavam intensamente, a partir de 1885, para transformá-lo em realidade, o que aconteceria com sua inauguração em 11 de abril de 1887.
O frade capuchinho daria ainda duas outras grandes contribuições à cidade. Foi em boa parte graças ao seu apoio e interseção junto aos irmãos capuchinhos que Franca ganharia, a convite do vigário Cândido Rosa, em 31 de outubro de 1888, o Colégio de Lourdes. Fundado pelas Irmãs de São José de Chambéry, as irmãs eram lideradas pela freira francesa Maria Teodora Voiron. Em 1917, anos depois da morte de Germano, Franca receberia também o Colégio Champagnat, mantido pelos Irmãos Maristas, igualmente ligados à ordem dos capuchinhos de Saboia, e pelo qual o frade teria feito muitos esforços, novamente junto com seu amigo, padre Cândido Rosa, antes de deixar a cidade em 1890. Coincidência ou destino, o Champagnat acabaria instalado no mesmo prédio em que funcionara, anos antes, o colégio Culto às Letras, onde Frei Germano deu suas aulas de física e matemática. O endereço, então conhecido como Bairro dos Coqueiros, é o mesmo onde hoje continua instalado o prédio, na avenida Champagnat.
Frei Germano d’Annecy em edição de 1999 do Comércio: personalidade marcante na história
PARTIDA
Mas nem sempre tudo deu certo para Frei Germano em Franca. Há um episódio, que alguns historiadores apontam como relevante para sua decisão de deixar a cidade, apesar de bastante improvável que tivesse qualquer relação com sua partida, que mostra que dramas comuns nos tempos de hoje já afligiam os francanos no final do século XIX.
Foi na Sexta-feira Santa de 1886 que bandidos invadiram o tal casarão colonial onde Germano morava na Chácara das Freiras. O frade estava ocupado com as celebrações da Paixão de Cristo, junto com o Padre Rosa, de quem era coadjutor, quando os bandidos aproveitaram para surrupiar o cronômetro John Pool, um aneroide (instrumento usado para medir a pressão atmosférica e que pode ser calibrado para se obter a altura de um local), moedas chilenas, letras do Tesouro Nacional (título de investimento) e alguns réis brasileiros.
Frei Germano prestou depoimento na casa de César Augusto Ribeiro, em 30 de abril de 1886. Evitou demonstrar raiva dos ladrões e tratou de inocentar alguns suspeitos apontados pela polícia – na verdade, pessoas que trabalhavam na Chácara das Freiras.
Aos 67 anos, em 1890, Frei Germano decidiu deixar Franca – e o Brasil. O país estava muito diferente daquele lugar onde aportou para passar boa parte da vida 32 anos antes. Deixara de ser monarquia no ano anterior e seu amigo, o Imperador, estava exilado na França. O país estava sob comando do neorrepublicano Marechal Deodoro da Fonseca.
Apesar de bastante afetado pelo beribéri, Germano tinha planos. Pretendia visitar Roma antes de recolher-se, para compilar textos que pretendia transformar em livro, no convento em Chambéry, perto de sua Annecy. Embarcou no navio Bearn, em Santos, com destino ao porto de Marselha, no Sul da França. Ficou feliz ao encontrar outros frades no navio. Intuia que talvez nao tivesse forças para resistir à travessia e queria ter conforto espiritual por perto. Estava certo. Ele jamais chegaria ao seu destino.
Quando a embarcação estava atracada em Salvador, na Bahia, Frei Germano morreu. Eram 4h da madrugada de 1º de maio de 1890. Diferente do que contam a maioria das versões, inclusive os obituários da época publicados pelos jornais O Estado de São Paulo e Diário Popular, o corpo de Germano d’Annecy não foi lançado ao mar.
Documentos obtidos por João Nascimento Franco revelam que o capitão do navio, após conversar com o Cônsul da França em Salvador, decidiu por sepultá-lo no cemitério municipal. Entre os seus pertences, nada de valor havia. Infelizmente, nem mesmo os manuscritos do livro que pretendia publicar.