24 de dezembro de 2024
LUTO

Morre Ruth de Souza, 98, primeira negra a atuar no Theatro Municipal


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Ruth de Souza morreu neste domingo (28) aos 98 anos

A atriz Ruth de Souza morreu neste domingo (28) aos 98 anos. Ela estava internada no Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Copa D'Or, em Copacabana e faleceu em decorrência de complicações de um quadro de pneumonia segundo comunicado da Rede Globo.

Ela foi a primeira atriz negra a encenar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1945, no espetáculo "O Imperador Jones" ("The Imperator Jones"), do dramaturgo americano Eugene O'Neill (1888-1953). Com atuações no teatro e cinema, ela foi contratada da TV Globo por mais de 50 anos, onde atuou em mais de 30 novelas, tais como "O Bem-Amado" (1973), "Helena" (1975), "Sinhá Moça" -primeira e segunda versões (1986 e 2006)- e "Memorial de Maria Moura" (1994).

Neste ano, ela foi homenageada pela escola de samba Santa Cruz, no desfile da Série A do Carnaval do Rio.

O último trabalho dela na TV Globo foi na minissérie "Se Eu Fechar os Olhos Agora", também em 2019.

"Riam de mim quando eu dizia que queria ser atriz." Estas foram as palavras usadas por Ruth de Souza na série "Damas da TV", exibida pelo canal pago Globonews, em 2014.

No programa, a atriz, com cerca de uma centena de atuações no teatro, televisão e cinema, contou que no primeiro ano de escola foi às lagrimas ao ver em seu livro escolar um capítulo sugerindo que o formato da cabeça do negro fazia com que ele fosse intelectualmente inferior aos demais seres humanos.

Primogênita de dois irmãos, Ruth Pinto de Souza nasceu no Engenho de Dentro, zona norte carioca, em 12 de maio de 1921. Mudou-se ainda pequena com a família para um sítio no município de Porto Marinho, interior do Estado de Minas, onde seus pais dependiam da roça para a sobrevivência da família.

Aos nove anos, com a morte do pai, retorna com a mãe e os irmãos para o Rio, onde passam a viver em uma vila de lavadeiras e jardineiros, em Copacabana.

A paixão pelo cinema surgiu na infância, depois de assistir ao filme "Tarzan, o Filho da Selva" (1932). Desde então trabalhar no cinema passou a ser o seu maior propósito de vida.

Anos mais tarde, na juventude, folheando a Revista Rio -do jornalista Roberto Marinho-, a atriz leu uma reportagem sobre um grupo de jovens atores negros que se reunia no Teatro do Estudante do Brasil (TEB), no Rio. Era o embrião do Teatro Experimental do Negro (TEN), fundado em 1944 pelo ator, professor, político e ativista negro Abdias do Nascimento e fundamental para a valorização do artista negro no país.

Na noite de 8 de maio de 1945, como integrante do TEN, Ruth de Souza entra para a história ao ser a primeira atriz negra a encenar no palco do tão prestigiado e elitista Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com o espetáculo "O Imperador Jones" ("The Imperator Jones"), do dramaturgo americano Eugene O'Neill (1888-1953).

Em 1947, ainda fazendo parte do grupo teatral de Abdias, a atriz participa da montagem "O Filho Pródigo", de Lúcio Cardoso (1912-1968), quando recebe o prêmio de atriz revelação do ano.

A estreia no cinema aconteceu em 1948, por indicação de Jorge Amado (1912-2001), quando a atriz fora escalada junto com os já consagrados Grande Otelo (1915-1993) e Anselmo Duarte (1920-2009) para o elenco de "Terra Violenta", uma adaptação da obra do escritor baiano produzida pela Atlântida Cinematográfica.

O ano de 1950 foi um dos mais memoráveis para a atriz. Com a mão do teatrólogo e diplomata Paschoal Carlos Magno (1906-1980), Ruth de Souza foi agraciada com uma bolsa de estudos cedida pela Rockefeller Foundation, para cursar um ano de teatro e cinema nos EUA.

Em Cleveland, no Estado de Ohio, além de atuar em peças, trabalhou como contra regra, assistente de direção e diretora de palco. Em sua passagem por Nova York, fez estágio na Academia Nacional de Cinema Americano e, depois, na Universidade Harvard, em Cambridge.

De volta ao país, e com a ajuda do diretor Alberto Cavalcanti (1897-1982), tornou-se uma das primeiras atrizes contratadas pela recém-criada Vera Cruz, onde participou de cinco produções.

No filme "Sinhá Moça" (1953), como coadjuvante, foi indicada ao prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, concorrendo com as internacionais Katharine Hepburn (1907-2003), Michèle Morgan (1920-2016) e a vencedora Lilli Palmer (1914-1986), para quem perdeu o prêmio por pouca diferença.

Com a chegada da TV no Brasil, em 1950, Ruth passou a fazer teleteatros na pioneira Tupi, onde já se apresentava em musicais. No decorrer da década atuou nos filmes "Candinho" (1954) -ao lado de Mazzaroppi-, "Ravina" (1958), "Favela" (1960) e "Assalto ao Trem Pagador" (1962), entre outros.

Conciliando cinema, televisão e teatro, atuou nas peças "Vestido de Noiva" (1958), "Oração para uma Negra" (1959) e "Quarto de Despejo" (1961), onde interpreta a escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977), moradora da favela do Canindé, na zona norte de São Paulo.

A primeira telenovela veio em 1965, em "A Deusa Vencida", na TV Excelsior. Três anos depois, em 1968, estreia na TV Globo com a trama "Passo dos Ventos", onde interpretou uma mãe de santo, e, em 1969, torna-se a primeira protagonista negra na novela "A Cabana do Pai Tomás", onde trabalhou ao lado do amigo e ator Sérgio Cardoso (1925-1972).

Na Globo, onde é contratada há 50 anos, fez mais de 30 novelas. Entre as de maior destaque estão "O Bem-Amado" (1973), "Helena" (1975), "Sinhá Moça" -primeira e segunda versões (1986/2006)- e "Memorial de Maria Moura" (1994). A minissérie "Na Forma da Lei" (2010), foi a sua última atuação na emissora desde então.

Seus trabalhos mais recentes no cinema foram em "O Vendedor de Passados" (2015) e em "As Filhas do Vento" (2005).

Perseguida pelo racismo, Ruth de Souza costuma dizer em entrevistas que sempre teve que brigar muito por bons papeis ao longo de seus mais de 70 anos de interpretações. Mas agradece constantemente aos autores Janete Clair (1925-1983) e Dias Gomes (1922-1999) pela possibilidade que proporcionaram a ela de representar personagens de maior relevância na TV.

Em 2016, Ruth de Souza foi homenageada na mostra "Pérola Negra", que ficou em cartaz no CCBB de Brasília e de São Paulo, onde foram exibidos 25 de seus trabalhos mais marcantes.