Entre dois homens bem-sucedidos, um alegre e outro taciturno, o primeiro será aquele que vai inspirar o maior número de pessoas ao seu redor. Ao ler Hugo Betarello - Memórias, organizada pelo filho do homenageado, José Henrique, e lançada em Franca em abril deste ano, tive maior certeza disso. E estendi o pensamento na direção do homem que entendeu a vida como um processo; do empreendedor que se dedicou aos negócios com afinco; do chefe de uma grande família que mereceu todos os seus afetos e cuidados; do cidadão atento à comunidade na qual fincou raízes; do empresário que conquistou a consideração e estima dos funcionários da sua fábrica- a AGABÊ e levou o nome da Franca além fronteiras. Enfrentando com garra e altivez as naturais dificuldade de todo empreendimento no Brasil, nunca deixou que o sorriso se apagasse, o seu otimismo fosse nublado por desesperanças, os braços se cruzassem em negativas de empatia e acolhimento. Uma pessoa como ele terá inspirado a muitos. Incluo-me neste rol.
Por algum tempo tive o privilégio de desfrutar de sua vizinhança no Barramares. Foram aqueles seus últimos anos de vida, tendo ao lado a segunda esposa, Maria Tereza. Encontrava-os frequentemente no elevador, pois parece que tínhamos os mesmos horários. Nunca o via aborrecido ou irritado. Ao contrário. De sua pessoa irradiava essa alegria que me parecia uma forma de liberdade, conquistada por quem sabia viver com sabedoria. E ainda quando, dada as exiguidades do elevador, seus braços não podiam se abrir para o abraço que se tornou um emblema e uma metáfora, a generosidade mostrava-se evidente no cumprimento, nas palavras, no olhar, na atenção que concedia a seu interlocutor.
Naqueles encontros rápidos, ele gostava de perguntar a respeito do Comércio da Franca, dizendo-me que tinham quase a mesma idade. De fato, as primeiras páginas de Hugo Betarello- Memórias me informam que ele nasceu em janeiro de 1916, sete meses depois de o Comércio circular pela primeira vez, em junho de 1915. Contava-me então histórias de antigos jornalistas. Também lhe aprazia lembrar que havia editado um semanário no antigo Ateneu , onde tinha estudado–registro que encontro no livro e me faz resgatar “Seu Hugo”, na sua inteireza de francano que seguia com entusiasmo o desenvolvimento da cidade também através do impresso.
No prefácio às Memórias a professora e escritora Cirlene de Pádua parabeniza o organizador “pela iniciativa, pela perseverança em registrar para as futuras gerações a importância do empresário e sua indústria de calçados AGABÊ, na cidade de Franca”. O próprio José Henrique Betarello, na apresentação, comenta que “os grandes líderes de Franca, que partiram nos últimos anos, não tiveram suas memórias preservadas. (...) É preciso, ao menos, começar.”
Com um histórico dos Betarello, imigrantes italianos; dezenas de depoimentos de pessoas que trabalharam com o empresário ou desfrutaram de sua amizade; as palavras intimistas e por isso comoventes de filhos (até um bilhetinho de neta!), e um acervo de fotos significativas do que os textos evocam, Hugo Betarello- Memórias cumpre seu papel de mostrar um exemplo de vida, abrir caminho para pesquisadores, impedir que a pátina do tempo cubra uma história pessoal rica que é também expressão de um momento importante da própria indústria calçadista na cidade.