"Enquanto a diva dos gays era a Madonna, a minha era a Shania Twain", diz Gabeu, cantor sertanejo de 21 anos que cresceu em Franca, no interior paulista, e agora vive em um flat na região central de São Paulo. A decoração ainda não mostra sua personalidade, embora seja possível reconhecê-lo em alguns cantos da sala. Há um quadro de Lady Gaga de chapéu cor-de-rosa, na persona country-pop do disco "Joanne", e uma fotografia dele ainda menino com o pai, o também cantor sertanejo Solimões, famoso pela dupla com Rionegro.
Neste ano, Gabeu deu início à carreira musical com o single "Amor Rural", um sertanejo retrô com cara de anos 1990 em que ele canta: "Vamos assumir o nosso amor rural/ Sai desse armário e vem pro meu curral/ Como nós, nunca se viu/ Duas potranca no cio/ Num cruzamento adoidado".
"Recebi várias mensagens de gente falando: 'Ah, eu também gostava do menino da minha cidade, da minha fazenda', experiências parecidas com a da música", conta o cantor. "Em todo o interior, o sertanejo é forte. E tem muito gay e sapatão. Essas pessoas crescem ouvindo um gênero no qual não se sentem representadas. Outras músicas são muito mais inclusivas."
Com mais de meio milhão de acessos em menos de um mês, "Amor Rural" inaugura o pocnejo, termo cunhado no Twitter do qual o cantor se apropriou. Na gíria gay, a palavra poc, onomatopeia do barulho do salto alto ao tocar o chão, tem diversas acepções, mas costuma designar gays afeminados.
Apesar de a abordagem cômica remeter à dupla Rosa & Rosinha –formada por héteros que misturavam sertanejo com humor e fez sucesso nos anos 1990–, Gabeu traz uma novidade substancial: por mais que o tom seja leve, ele está falando sério. No começo desta década, a dupla lésbica As Bofinhas chegou a lançar alguns clipes, mas os acessos não se comparam aos do single de Gabeu, que saiu no fim de maio. Elas também soavam muito mais próximas do arrocha do que do sertanejo.
"Nunca vi ninguém relevante nem pensar em se assumir. É um megatabu no nosso meio", diz André Piunti, pesquisador do sertanejo. "Não mudaria muita coisa, por exemplo, se a Marília Mendonça fosse lésbica e se assumisse. Acho, talvez, que, se o Luan Santana fosse gay e fizesse o mesmo, teria problemas. Ajudaria outras pessoas a saírem do armário, mas, comercialmente, não teria impacto positivo."
Na história da música sertaneja, a homossexualidade não costuma aparecer sequer de maneira negativa. "Pensei que devia ter muita coisa homofóbica, mas fui pesquisar e o negócio era tão conservador que, nas letras, o assunto nem aparecia", diz Piunti.
Gabeu está em posição privilegiada. Além de ser uma figura engraçada e bastante querida no meio sertanejo, Solimões o apoia –e acaba servindo de escudo para o filho. "O que faz a minha aceitação ser muito boa é o afeto que ele tem por mim. Isso não significa que ele entenda todas as causas da comunidade LGBTQ", diz.
De muitas maneiras, "Amor Rural" é resultado de um processo de urbanização que modernizou o sertanejo. Isso vem de mais de dez anos atrás, quando o ritmo ganhou ganhou o selo universitário. Hoje, o rol inclui ainda o funknejo, o feminejo e outras invenções, como a parceria entre Lucas Lucco e Pabllo Vittar. Entre as influências de Gabeu estão não apenas Milionário & José Rico ou Lourenço & Lourival, mas o brega pop da Banda Uó e o country de Shania Twain.
Para se estabelecer como subgênero, no entanto, o pocnejo ainda precisa de mais músicas e ideias originais. Para um gênero que nunca foi associado à homossexualidade dessa maneira, todavia, "Amor Rural" é um passo inédito.
"É uma coisa nova, inclusive para mim", afirma Gabeu. "Mas acho possível misturar referências e chegar a algo novo. Antes, preciso firmar esse conceito: o sertanejo raiz com letras sobre eu ser gay. Atingi o público que eu queria, levei o sertanejo para a comunidade LGBTQ. Sou um cantor de sertanejo, mas que fala com esse público."