24 de dezembro de 2024

Foi golpe, Jair


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O presidente Jair Bolsonaro tem se destacado, neste início de governo, por sua inesgotável capacidade de gerar polêmica e confusão. A última foi a sua determinação para que as unidades militares celebrassem na ordem do dia, a mensagem diária dos comandantes às suas tropas, o aniversário de 55 anos do golpe que tirou o então presidente João Goulart do poder, em 31 de março de 1964, e abriu caminho para 21 anos de ditadura, com direito ao fechamento do Congresso Nacional; supressão das garantias individuais dos cidadãos; cassação de ministros do Supremo; proibição de reuniões e assembleias; censura a jornais, emissoras de TV, de rádio, de incontáveis músicas, peças de teatro e novelaså; fim de eleição para governadores e prefeitos de capitais. E, o pior, 423 brasileiros mortos a mando do Estado, além de milhares de torturados nos porões da ditadura. A justificativa para a decisão de Bolsonaro foi transmitida pelo porta-voz da presidência, Rêgo Barros. “O presidente não considera 31 de março de 1964 um golpe militar”, disse.

Que Jair Messias Bolsonaro nunca teve grande apreço pelo conhecimento sempre ficou evidente. É ruim, mas não há nada na nossa Constituição que exija do presidente da República especialização em qualquer área, nem erudição de qualquer espécie. Espera-se, no entanto, mínimo bom senso, o que implica dizer no respeito elementar à história que o precedeu, até para que possa aprender com os erros e pavimentar o caminho para um futuro melhor. Mas Jair, ao invés de refletir e tirar lições do passado, preferiu tentar reescrever a história.

Para que ninguém me acuse de repetir o “revisionismo” do “mito”, é fato que quando as tropas se levantaram naquele 31 de março de 1964, contavam com o apoio maciço da classe média, da elite empresarial, da Igreja Católica e também, da imprensa e de alguns governadores de Estado. Havia grande apoio à derrubada de Jango, especialmente depois dos últimos discursos do então presidente, quando anunciou a nacionalização de empresas de petróleo e um amplo programa de reforma agrária. Mas isso nem de longe significa dizer que os conspiradores agiram dentro da lei, de acordo com a Constituição, respeitando as regras do jogo democrático.

É elementar. Sempre que um presidente da República, eleito pelo voto popular, for removido do poder antes do término do seu mandato, independente de seu alinhamento ideológico ou qualidade de gestão, estamos diante de um golpe de Estado. A exceção fica por conta dos processos de impeachment, quando há um julgamento do presidente por conta de crimes cometidos no exercício do mandato. Não foi o que houve com Jango, apeado do poder contra a sua vontade, sem qualquer processo de impeachment, sem direito a defesa, sem nada. Quem o sucedeu não foi o presidente da Câmara, nem do Senado, mas uma junta militar que não havia recebido um voto.

Portanto, goste ou não Jair Bolsonaro e seus seguidores, o que houve em 1964 foi um golpe. Por pior que seja o mandato de Bolsonaro, se o alguém o tirar do posto sem um processo de cassação, também será golpe. É simples. Não é difícil entender. Nem mesmo para Jair Bolsonaro.

Corrêa Neves Júnior, publisher do Comércio e vereador.
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