Terremotos são tragédias inevitáveis. O movimento das placas tectônicas, que provoca um chacoalhão na crosta terrestre milhares de vezes superior ao impacto de uma bomba nuclear, costuma ser tão imprevisível quanto devastador. Não raro, deixa milhares de mortos e incalculáveis prejuízos. Vale o mesmo para os tsunamis, quando acontecem nos oceanos; e para as erupções vulcânicas, que expelem milhões de toneladas de magma incandescente na atmosfera e devastam o que estiver pela frente do mar de fogo. Ciclones e furacões são outros exemplos de tragédias difíceis de se antecipar e impossíveis de se conter.
O rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, e o incêndio que destruiu parte do Centro de Treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro, são tragédias que abalaram o Brasil e chocaram o mundo, terminaram com muitos mortos e deixaram bilhões de reais em prejuízos. Mas, diferente daquelas decorrentes das forças da natureza, ambas não precisavam ter acontecido.
Como já se sabe hoje, tanto a Vale, dona da barragem de Brumadinho, como a diretoria do Flamengo, responsável pelo CT do Ninho do Urubu, tinham informações sobre os problemas existentes nas duas estruturas. Nada fizeram para corrigir os erros. Não adotaram medidas paliativas que pudessem preservar vidas. De forma absurda, irresponsável e criminosa, simplesmente brincaram com a sorte de milhares de pessoas. Em Brumadinho, 157 corpos já foram resgatados; no CT do Ninho do Urubu, 10 garotos acabaram carbonizados.
No caso de Brumadinho, e-mails obtidos pela imprensa nesta semana revelaram que sensores instalados na barragem alertavam problemas na leitura dos dados 15 dias antes da tragédia. Foram solenemente ignorados. Apenas dois dias antes do rompimento engenheiros começaram a discutir o problema. Inaceitavelmente, não emitiram um único alerta para a população nem fizeram qualquer tipo de notificação para as autoridades.
No CT do Ninho do Urubu, nada menos que 31 multas foram aplicadas ao Flamengo ao longo dos últimos anos por múltiplas irregularidades no local, que funcionava sem alvará. O alojamento também não tinha o AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros). A diretoria do Flamengo preferiu pagar dez multas, fingir que as outras 21 não existiam e não tomou qualquer providência para proteger minimamente a vida dos jovens atletas – alguns deles, recém-saídos da infância.
Tragédias acontecem, desde que o mundo é mundo. A erupção do vulcão Vesúvio, em 79 d.C., deixou 16 mil mortos nas cidades italianas de Pompeia e Herculano. O grande terremoto de 1755 destruiu completamente Lisboa, capital portuguesa, e foi sentido até no Algarve, no sul do país, matando 10 mil pessoas. O tsunami da Indonésia, em 2004, com ondas de 30 metros de altura, impactou 14 países e resultou em impressionantes 230 mil mortos. Muito pouco poderia ser feito nestes casos.
Os 167 mortos – até agora – em Brumadinho e no CT do Flamengo não são resultado de nenhuma hecatombe natural. Foram vítimas da irresponsabilidade e da falta de escrúpulos de gestores que arriscam a vida dos outros por ganância, por preguiça ou por indiferença. Que os responsáveis sejam exemplarmente punidos. É o mínimo que se pode exigir, em memória dos 167 brasileiros que deveriam estar, neste instante, entre nós. Vivos, como eu e você.