06 de maio de 2025
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Batataense revolucionou o jeito de lavar arroz no mundo


| Tempo de leitura: 4 min
Capa da Notícia
Therezinha Beatriz mostra escorredor que criou e patentou. Abaixo, o pano para limpeza com furo para encaixar no rodo que ela também inventou

“Lave na bacia e escorra na peneira”. A ordem passada à empregada diariamente na década de 50 antes do preparo do arroz soava obsoleta diante do olhar inovador da então jovem dentista Therezinha Beatriz Alves de Andrade Zorowich. Em um ímpeto de criatividade - aliado a uma vontade enérgica de evitar os frequentes entupimentos da pia -, ela se armou com papel alumínio, ideias inéditas e persistência e inventou, em 1958, o que se tornaria um dos utensílios domésticos mais populares nas cozinhas do mundo: o escorredor de arroz.

De lá para cá, difícil quem não conheça e reconheça a praticidade do top-item das listas de chá de cozinha. O que nem todos sabem é que a inventora tem origens bem fincadas na região. No ano em que o monumento do Cristo Redentor era inaugurado no Corcovado, no Rio de Janeiro, 1931, Beatriz nascia na vizinha cidade de Batatais.

Atualmente, às vésperas de completar 82 anos, a inventora vive em São Paulo - cidade que a abraçou ainda na infância e é cenário de suas seis décadas de trabalho como dentista (diplomada pela USP). No coração da rua Augusta, via consagrada pela agitação noturna, seu consultório odontológico recebe fieis pacientes, embora hoje em ritmo mais reduzido que o de outrora. “Os clientes hoje são mais difíceis. Eles vão morrendo, sabe como é que é”, afirma com bom humor. “Mas trabalho bastante, um tanto bom para a minha idade. Gosto muito de trabalhar”, completa.

Muitos dos pacientes provavelmente não imaginam que estão diante daquela que revolucionou o jeito de preparar o grão mais consumido do universo. Nos anos dourados, especificamente no ano em que o Brasil colocou as mãos em sua primeira taça de campeão da Copa do Mundo de Futebol (Suécia) e pouco antes da Revolução Cubana e da Guerra do Vietnã (1959), a mente inquieta de Beatriz também fez história.

Determinada a criar o utensílio, ela contou com a ajuda do marido, o engenheiro Sólon Ribeiro Zorowich (já falecido), na elaboração do protótipo. “Tive a ideia à noite. Meu marido tinha um quarto de ferramentas e fizemos o escorredor em alumínio reforçado. Furamos com pregos, grampeamos do lado. Era 1 hora da manhã e estávamos lavando arroz e feijão na cozinha.” Pronto. Nascia o lava-arroz: engenhoca formada por duas bacias acopladas, uma com furos, outra sem.

Aprovado
Com disposição, incentivo incondicional do marido e um atalho oferecido pelo primo Eduardo Garcia Rossi, que trabalhava na Federação das Indústrias de São Paulo, o projeto foi apresentado ao diretor da Trol, empresa que produzia utensílios domésticos de plástico. Patenteado na categoria “modelo de utilidade”, a criação teve patente depositada no Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) em 1959. Estava dada a largada, e não demorou para o utensílio ganhar o mundo.

Seguindo o contrato que previa uma proteção do produto por 15 anos, os lucros sobre a venda do lava-arroz ajudaram a inflar a conta bancária da dentista por este período. Uma vez expirada a patente, o modelo de utilidade caiu em domínio público.

Sem falar em valores, ela afirma ter ganhado dinheiro suficiente para formar quatro filhos em medicina e uma filha em direito. “Formar quatro médicos e uma advogada não é brincadeira. Gastei dinheiro à beça.”

Outras invenções
E o estilo Professor Pardal de Beatriz não parou por aí. Criatividade e uma pitada de gosto extra por meios de facilitar as coisas do dia a dia fizeram a batataense se aventurar em outras criações. É também de sua autoria o pano para limpeza com um furo no centro e franjas que facilita o encaixe no rodo. “Ele deixa o trabalho de limpeza doméstica bem mais suave”, orgulha-se.

Sua lista de invenções segue com uma sandália de dedo que não solta dos pés na hora das corridas, uma jarra para sucos com uma colher acoplada, amálgama de porcelana feita a partir de porcelana refratária fundida e glazeada ou vitrificada, faca com a extremidade frontal com estreitamento e até uma pirâmide decorativa que busca as “energias do céu”. Se tais produtos também renderam? “Alguns sim, ganho um pouquinho, mas não tanto quanto o lava-arroz, que rendeu de verdade”, disse.

E para quem pensa que seguir inventando e cuidando de dentes é suficiente para preencher o dia a dia de Beatriz, se engana. Idealista, entre memórias e louros de suas criações, ela se dedica ainda ao Idemeds (Instituto Brasileiro de Defesa dos Médicos, Dentistas e Sociedade), organização da qual é presidente. Entre as bandeiras que a dentista carrega está a luta contra o que chama de “trabalho escravo médico”. “Considero que a profissão de médico é uma profissão escravizada. Escrevo muitos livros para os médicos. O que me motivou foi ver que os médicos trabalham 70, 80 ou mais horas por semana, enquanto os empregados em geral trabalham só 44 e querem trabalhar 40 horas. (Os médicos) trabalham o dobro e ninguém percebe isso”, afirma.

Terra natal
Antes de se despedir, a batataense afirma que não imaginava que um dia se tornaria notável por seus inventos, e faz uma recomendação. “Não me chamem de senhora, me chamem de você. Sou de casa, todos têm o lava-arroz (risos).”

Quanto à sua terra natal, Batatais, Beatriz diz sentir saudades e planeja uma visita providencial aos parentes, incluindo o prefeito Eduardo Augusto Silva de Oliveira (PTB), seu primo em segundo grau. “A avó do prefeito é irmã do meu pai. Embora morando longe, tenho saudades de Batatais e estou muito contente por vocês terem se lembrado de mim.”