‘‘A presença de qualquer ovo,
Até se a mão não lhe faz nada, Possui o dom de provocar
Certa reserva em qualquer sala.
A reserva que um ovo inspira
É de espécie bastante rara:
É a que se sente ante um revólver
E não se sente ante uma bala.”
João Cabral de Melo Neto (1920- 1999) - poeta e diplomata
Prato mais cosmopolita, e ao mesmo tempo mais simples, é difícil de encontrar: não há cozinheiro neste mundo que o desconheça. E não há pessoa incapaz de o preparar: até nossa presidenta, que se diz inábil no fogão, foi ao programa de Ana Maria Braga e, arregaçando mangas, demonstrou como se faz uma boa omelete.
De execução assim fácil e sabor muito agradável, nasceu não se sabe exatamente onde, se na Pérsia ou na África do Norte, lugares onde há registro de seu consumo há pelo menos dois milênios. Mas sua carreira se fez mesmo foi na França, país onde os ovos não podem estar fora de nenhuma lista de alimentos essenciais.
Uma das mais antigas receitas de omelete encontra-se no livro Délices de la Campagne, de 1654, escrito por Nicholas de Bonnefons. Sob o título Omelete à la Celestine, ele ensinava a bater os ovos, gemas e claras reunidas, juntar “des fines herbes”, salgar de leve . Depois, a untar a frigideira com manteiga, despejar o líquido, mexendo a vasilha pelo cabo até tudo ficar bem coagulado mas não seco. Até hoje se respeita o princípio de não deixar a mistura secar demais. Depois era só dobrar, levar ao prato, servir com salada verde.
O nome, embora algumas mentes criativas atribuam a um certo Monsieur O. Melet, que era médico e gostava de receitar um tipo de ovos mexidos para fortalecer o ânimo dos pacientes, deriva mesmo é da expressão oeufs mêlés, que aparece numa carta de outro médico, Jean Heroard (1551-1628), que cuidava da saúde do Delfim Louis XIII: “Com frequência, à tarde, o pequeno príncipe come um prato d’oeufs mêlés feito por minha mulher”, registra ele em relatório para a Corte. Essa expressão logo passou a ser um só nome, obedecendo à tendência das línguas latinas de emendar sons. De oeufsmelés (ovos mexidos) para osmelet e depois omelette o caminho foi bem curto, embora o nome não correspondesse ainda ao prato tal e qual o conhecemos hoje.
Há os que relatam que foi uma certa Anette Poulard, dona de uma pousada no Monte Saint Michel, aquela maravilha arquitetônica da Normandia, quem reinventou a omelete por volta de 1888. Ela queria oferecer aos peregrinos, que buscavam repouso e refeições no Aubèrge Tête D’Or, um prato que fosse rápido no preparo e restaurasse forças. Misturou ovos com ervas da Bretanha, creme de leite fresco e uma colherinha de Bordeaux, fritando a mistura numa panela de ferro untada com manteiga artesanal. Madame ganhou fama.
Outra história, datada de 1794, tendo como protagonista o ilustre Condorcet, nos dá ideia de que a omelete já era então prato muito consumido. Diz-se que, fugindo às perseguições do sangrento período pós-Revolução Francesa, o filósofo/matemático escondera-se num bosque. Aguentou três dias, até que, premido pela fome, resolveu procurar comida na cidade mais próxima. Mesmo se arriscando a ser reconhecido e, portanto, ter a cabeça cortada, dirigiu-se ao Hotel de Clamart e pediu “une omelette, s’il vous plait”. —De quantos ovos? Perguntou-lhe o proprietário e também cozinheiro. Condorcet hesitou. Era um homem que sabia tantas coisas, menos com quantos ovos se faz uma omelete na França. Respondeu: —Doze! O cozinheiro mudou o semblante, desconfiou de que havia algo errado, e como era punido de morte todo aquele que alimentasse um foragido, chamou a polícia. Condorcet se matou naquela noite, no cárcere, para evitar a humilhação de subir ao cadafalso. Claro que não se perdeu por causa da omelete, mas ela foi decisiva para que seu fim fosse abreviado. O traço distintivo das omeletes vai por conta dos temperos e recheios. A desta página é uma receita clássica enriquecida com cogumelos shitake e estragão, este condimento de muita personalidade. Salada verde e tomatinhos-cereja são acompanhamentos perfeitos.
Ingredientes
6 ovos (2 para cada pessoa)
1 pitada de sal
1 colher (café) de
pimenta-do-reino branca.
1 colher (chá) de estragão
(pode substituir por fines herbes ou salsinha picada)
1 xícara (chá) bem cheia de shitake cortado em tirinhas
Manteiga para untar a frigideira
Clique na imagem para ampliar: