Seis dias depois, hematomas seguem no corpo e revelam que as costelas foram castigadas. O nariz e as orelhas ainda trazem as marcas do duro combate. A derrota para o americano Rich Franklin no UFC 147, no sábado, 23, em Belo Horizonte, não estava nos planos de Wanderlei Silva. Um resultado positivo colocaria o brasileiro novamente entre os dez melhores do mundo da categoria peso médio e mais perto de uma futura disputa pelo cinturão. Ele esteve próximo de nocautear o adversário, mas acabou perdendo por pontos em uma luta equilibrada que durou cinco rounds. Por ter protagonizado o melhor evento da noite, levou para casa prêmio de U$ 265 mil.
Wand é considerado um dos maiores lutadores do Brasil em todos os tempos. Foi campeão representando o País nos Prides, eventos de MMA (em português, artes marciais mistas) realizados no Japão e Estados Unidos. É ídolo em vários países, inclusive no Japão, onde é personagem de videogame. É um dos nomes mais respeitados do UFC (Ultimate Fighting Championship), a empresa que administra as lutas .
Não por acaso, teve o privilégio de ser o primeiro treinador, ao lado do rival Vitor Belfort, da versão brasileira do reality show The Ultimate Fighter. O programa exibido pela TV Globo foi um sucesso de audiência e deve ganhar uma segunda edição no primeiro semestre de 2013.
Mestre em muay thai e jiu-jitsu, o lutador curitibano mora em Las Vegas, onde treina na própria academia. No próximo sábado, dia 7, estará no ginásio do MGM Grand para acompanhar a luta revanche entre Anderson Silva e Chael Sonnen, um dos confrontos mais esperados dos últimos anos.
Na quinta-feira, antes de retornar para os Estados Unidos, o lutador visitou a Francal para promover a marca da Red Nose, empresa que o patrocina, e recebeu o Comércio para esta entrevista exclusiva. Falou da explosão de sucesso do MMA, contou detalhes do combate que fez em Belo Horizonte e de sua participação no reality show. O “Cachorro Louco” mostrou que está a fim de briga e voltou a alfinetar o também lutador do UFC, Vitor Belfort. “A luta está de pé. Estou pronto para lutar com ele. Quero pegá-lo.”
Comércio - Como você explica a explosão deste esporte?
Wanderlei Silva - Primeiro, eu gostaria de agradecer a abertura deste espaço para eu manter contato com os meus fãs de Franca. O MMA é um esporte fascinante. Outro dia, fizeram uma pesquisa. Colocaram num lugar público várias televisões passando vários esportes. Entre eles, o da luta. Incrível, o da luta ficou cheio, todo mundo vendo. Hoje em dia o esporte está doutrinado, está com regras. É muito bem produzido, um show completo do começo ao fim.
Comércio - Como foi lutar no ginásio do Mineirinho no sábado, dia 23, para 16 mil pessoas?
Wanderlei Silva - Fiquei muito feliz. Batemos o recorde de público aqui no Brasil. Batemos o recorde de audiência na televisão, com quase 16 pontos (no Ibope). Fora isto, milhões de pessoas no mundo todo nos viram. Eu fico muito feliz com esse carinho que o público tem comigo. Vou dizer que, quando entrei ali no Mineirinho, o pessoal começou a gritar de uma maneira que eu senti uma energia, uma coisa muito forte. É um sentimento que eu vou levar para o resto da minha vida. Algo inesquecível.
Comércio - Qual foi a sensação de ouvir milhares de vozes gritando os seus apelidos, Wand e Cachorro Louco, durante a luta?
Wanderlei Silva - Foi demais. Um dos meus sonhos era voltar a lutar aqui no Brasil. Eu não lutava fazia 12 anos no País e o UFC me deu a oportunidade de voltar a competir aqui. O ginásio é, realmente, muito bonito. A receptividade do povo mineiro foi incrível. Várias pessoas vieram de vários Estados para acompanhar a luta. Teve até um pessoal que veio do exterior pra me ver lutar. É uma grande honra ter essas pessoas que gostam tanto do meu trabalho, que me incentivam. Eu fico muito feliz de fazer as pessoas sentirem a emoção da luta.
Comércio - O que aconteceu naquele segundo round? O narrador da TV, inclusive, chegou a anunciar a sua vitória. De repente, o gongo soou, o adversário se recuperou depois e acabou vencendo...
Wanderlei Silva - A comissão atlética chegou a abrir a porta do “cage” também pensando que tivesse acabado. Eu desferi e acertei bons golpes no chão. Na minha experiência, eu sei que quando você começa a bater e o cara se fecha e não reage, o juiz para. Eu peguei e dei todo o meu gás (faz o som pá, pá, pá). Aí, soou o gongo. E o cara foi “salvo pelo gongo”. Quando eu sentei no corner, o meu treinador falou que eu estava com a boca roxa. Isso porque na luta você tem que deixar um pouquinho de gás guardado, pois você não sabe o momento que vai ganhar. O plano da luta era esse: estudar o cara no primeiro round para, a partir do segundo, quando tiver o momento, nocautear. Estava tudo certo, o plano estava certo. Eu só não contava com o gongo. Aí, eu dei todo o meu gás e faltava mais três rounds, ainda, porque nessa luta eram cinco rounds. São quase 30 minutos de luta. Para quem está ali dentro é muita pressão, é muito preparo. Mas o que eu gostei mesmo foi que mexeu com a emoção do público, foi uma luta empolgante, emocionante, ganhamos o bônus de melhor luta da noite, o que significa US$ 70 mil de presente. Com tanta rapaziada nova, pessoal de 20 e poucos anos, pensei que seria muito difícil ganhar esse bônus, mesmo eu tendo acumulado na minha vida muitos bônus, mas, graças a Deus, consegui de novo e fiquei feliz.
Comércio - Em algum momento da luta pensou que tivesse vencido?
Wanderlei Silva - Sim, eu achei que naquele momento já havia liquidado. Estava esperando o juiz entrar. Eu calculei o tempo e explodi no momento certo, só faltou o juiz parar. Ele poderia ter parado. Muita gente criticou o juiz, mas ainda existia a possibilidade de, quando o juiz parasse, o cara levantar dizendo que estava bem. Ser juiz não é fácil. Ainda bem que ele deixou continuar. Eu gostei de lutar os cinco rounds, fazia muito tempo que eu não lutava com cinco e agüentei até o final. Tive bons momentos na luta, fiz tudo o que podia e mexi com a emoção do público. Esse é o meu ideal e não podemos tirar o mérito do oponente. Naquela noite, ele teve os méritos dele, aguentou o meu castigo e ganhou.
Comércio - A noite não foi só de derrota. Você levou a maior premiação, cerca de R$ 530 mil, não é?
Wanderlei Silva - Graças a Deus. Eu sou um atleta que leva público em qualquer lugar do mundo. Eu fui chamado para fazer um evento na Alemanha, um dos países onde nunca se teve MMA antes. Lá, nós conseguimos vender 22 mil ingressos com um mês de antecedência. Fui convidado, também, para fazer o primeiro evento na Austrália, onde conseguimos vender 25 mil ingressos. Eu sou um atleta mundial, tenho fãs no mundo todo, empolgo o público e por conta disso sou bem remunerado.
Comércio - Como vocês atletas do MMA fazem para aguentar tanta pancada?
Wanderlei Silva - Boa pergunta. Como vou dizer... Tudo a gente se acostuma. Outro dia eu saí de casa, no horário do meu treino, às 10 da manhã, levantei, dei um beijo na minha mulher, tomei meu café e fui para a academia. Troquei de roupa, aqueci, 10h30 eu já estava fazendo sparring (imita som de pancada: pei, pei, pei). Naquele momento eu pensei: “cacete de trabalho”. A gente se acostuma, sim, somos preparados para isso. Faço isso há 20 anos e, para mim, é uma coisa normal.
Comércio - O soco, a pancada dói muito na hora? Vocês sentem o golpe, literalmente falando?
Wanderlei Silva - Não sente dor. É como se fosse um flash, assim, dependendo da intensidade do golpe. Às vezes, você fica um pouco tonto. O que dói um pouco é o corpo. Levei um chute na costela no primeiro round que dói (levanta a camisa para mostrar o hematoma e faz cara de dor), mas você não pode demonstrar a dor. Tem que manter a cara de durão. Os golpes nas pernas, na costela, doem mais. No rosto é tranquilo, já está calejado.
Comércio - No dia 7 de julho, uma das lutas mais aguardadas do UFC será realizada. O Anderson Silva vai pegar o Chael Sonnen em Las Vegas. O que você espera deste combate?
Wanderlei Silva - Essa luta, realmente, é uma das maiores dos últimos tempos e espero que o Anderson esteja bem preparado. Eu vou ter o prazer de estar lá porque eu moro lá em Las Vegas e acabei de ganhar dois ingressos. Vou assistir ao vivo. Espero que o Anderson ganhe, que ganhe bem e que continue sendo campeão, porque ele abriu muitas portas para os atletas aqui no Brasil. Muitos atletas estão colhendo os frutos dessa popularidade do Anderson, inclusive, eu.
Comércio - Se a sua relação com o Anderson é boa, o mesmo não se pode dizer em relação a outro lutador brasileiro, o Vitor Belfort. A rivalidade realmente existe? Vocês se falam ou não?
Wanderlei Silva - Tem pessoas e pessoas. Algumas não nasceram pra trabalhar juntas porque o espírito não bate. Ele tem a opinião dele e eu tenho a minha, que diverge totalmente. São coisas que eu não gosto. Somos rivais, somos competidores. Estou pronto para lutar contra ele. Embora, o resultado não tenha sido o que eu gostaria [Vítor seria o adversário dele no Mineirinho, mas se machucou e precisou ser substituído], espero que, agora, ele venha e lute comigo. A luta está de pé. Estou pronto. Quero pegá-lo. Estou só esperando.
Comércio - Você gostou de ter participado do reality show no Brasil como um dos treinadores?
Wanderlei Silva - Uma experiência única, fiquei muito feliz com o resultado. Todos os domingos a gente era líder de audiência. Isto mostra o gosto que o brasileiro tem pela luta. Houve um crescimento no número de praticantes em todas as academias. Grandes centros de treinamento estão abrindo suas salas de MMA. A tendência é termos mas eventos e revelar cada vez mais talentos.
Comércio - Apesar da popularidade, o MMA é alvo de críticas pela violência. O que você pensa disso?
Wanderlei Silva - Não concordo com as críticas. É um esporte que disciplina, que dignifica. Tudo o que eu tenho veio do esporte. O grande problema do Brasil são as drogas, o tal do crack. Para salvar este povo, é estudo e esporte. A arte marcial prega a disciplina, prega a boa conduta. Hoje em dia o grande problema é que as crianças ficam muito sozinhas, elas são educadas pelo videogame, pela televisão e pelos amigos da rua. O cara, às vezes, chega mal educado na academia. Mas, lá tem regra, tem a disciplina e eles aprendem a ter uma conduta. A academia é uma das melhores coisas para a educação. Aconselho a quem tem filho levá-lo numa academia, as mães não vão se arrepender.
Comércio - Qual o recado que você deixa para seus fãs de Franca?
Wanderlei Silva - Estou esperando o convite para ir a Franca. Você que gosta de luta, aconselho a procurar uma academia e fazer uma aula gratuita para saber como é. Se o professor não deixar, me mande uma mensagem no @wandfc que eu converso com ele. A luta tem todo um outro lado que é fascinante. É uma coisa muito boa para se fazer. Eu aconselho a experimentar e ver. Quem sabe, você pode ser um novo Wanderlei Silva e não sabe. Um abraço para todo o pessoal de Franca e que fiquem com Deus!