19 de dezembro de 2025

Consultor afirma que investir no luxo é saída para driblar chineses


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Stefano Ferragamo: ‘A qualidade dos materiais é o segredo do bom sapato’

No Brasil como convidado da Francal Feiras e da Moda Pelle Academy, de Milão, o consultor da grife italiana de calçados Salvatore Ferragamo, Stefano Ferragamo, 49, falou ao Comércio sobre o mercado em que atua: o de calçados de luxo. Sua marca já esteve - e ainda está - nos pés de personalidades de todo o mundo, como Sophia Loren e Eva Longoria.

O consultor, que hoje preside a SF Consulting, trabalha exclusivamente para a empresa italiana. A Salvatore tem sede em Florença e existe há 84 anos. A grife está presente nas principais capitais do mundo.

Stefano defende a tese de que não é só o valor agregado que caracteriza um sapato luxuoso, mas a qualidade da matéria-prima que o compõe. “Luxo é tudo o que é perfeito, começando pelos componentes. É claro que design, construção e fabricação agrega valor, mas é consequência, não fator determinante”, acredita.

Caderno Francal - A marca que você representa é uma das principais quando o assunto é luxo. Como avalia esse mercado no Brasil?
Stefano Ferragamo -
Estou pela segunda vez nesse País. A primeira foi em novembro passado, para palestrar no Congresso Internacional do Couro. Voltei agora para falar sobre Luxo e Calçado: A Busca da Perfeição, na segunda-feira, na Francal. É difícil fazer uma análise com base apenas em duas visitas, mas o que posso dizer é que o Brasil tem um longo caminho pela frente, que será, seguramente, de grandes oportunidades.

Caderno Francal - Em sua opinião, o que falta para o Brasil produzir mais sapatos luxuosos?
Stefano Ferragamo -
O luxo é um mercado exclusivamente feminino, não existe calçado masculino de luxo, o que já restringe o mercado, mas o que vi até agora do que é produzido no Brasil me permite dizer que falta matéria-prima de qualidade. Não digo que se usam produtos ruins, mas é imprescindível a perfeição do início ao fim da produção. Não se pode fazer luxo com produtos que não sejam de altíssima qualidade. O segredo para o luxo são os componentes e, invariavelmente, há produtos italianos no luxo brasileiro. A Itália exporta, além da técnica, couro, pedrarias, entre outros materiais.

Caderno Francal - Franca é considerada a capital do calçado masculino no Brasil. Você conhece empresas e a qualidade dos produtos fabricados da cidade?
Stefano Ferragamo -
Nunca estive lá, mas já ouvi falar da cidade e da produção de sapatos. O pouco que conheço do calçado, não só do calçado de Franca como o brasileiro, no geral, é o que vi nos produtos importados para a Europa e Estados Unidos. Há um futuro interessante e com boa exposição lá fora.

Caderno Francal - Um dos grandes problemas encontrados pela indústria brasileira é achar meios para competir com o calçado chinês vendido para o mercado interno. Como os italianos lidam com a questão?
Stefano Ferragamo -
A China exporta para todo o mundo, mas a marca e a origem fazem toda a diferença. Se a indústria calçadista brasileira não achar condições de suprir seu mercado com produtos a preços que sua população possa comprar, os orientais farão isso. O ponto positivo é que chineses não produzem luxo, eles não conseguem e não querem esse mercado. O luxo é a melhor resposta.

Caderno Francal - Você está na Francal como convidado, não como expositor. Há algum estudo para trazer sua marca para a feira a médio ou longo prazo?
Stefano Ferragamo -
A Francal é a mais importante feira da América Latina, com boas coleções, inclusive no meu mercado de atuação. Como consultor acredito que não seja a pessoa ideal para responder, mas minha opinião é de que não existe essa intenção. Existem outros canais para chegar ao mercado brasileiro.

Caderno Francal - Há uma tendência mundial de moda a ser seguida, mas a grande reclamação dos estilistas é de que pouco se cria e muito se copia. Como avalia a questão?
Stefano Ferragamo -
Os verdadeiros designers não copiam. Ao contrário, os menores é que fazem isso. Não acho que seja, necessariamente, um ponto negativo porque há, justamente, uma tendência a ser seguida. O desafio é recriar novas coleções baseadas na mesma ideia.

Caderno Francal - A Itália tem um histórico de arte em todos os segmentos. O calçado italiano é um espelho disso?
Stefano Ferragamo -
Sim. A Itália é um país rico em arte e de certa forma vivemos e respiramos essa beleza e sensibilidade. Há um respeito à história e ao passado e isso, de certa forma, faz com que quem cria uma coleção exprima esse DNA, seja no calçado ou nas roupas. Não é à toa também que a capital da moda no mundo está na Itália, Milão. O caminho para criar moda é conhecer e respeitar a arte.

Caderno Francal - Franca tem um centro de design, mas, ainda assim não produz calçados conceituais ou de luxo. Você acredita na formação do design vinda apenas de uma escola conceituada?
Stefano Ferragamo -
Grandes designers precisam ter grandes mestres. Além disso, precisam estar em busca de uma formação específica, visitar a capital da moda, Milão, Florença e, claro, aliar esse conhecimento a experiências de produção.

Caderno Francal - O diretor da marca francana Carmen Steffens, Mário Spaniol, defende a ideia de que a mulher é melhor estilista de calçados do que o homem. O que sua experiência diz a respeito?
Stefano Ferragamo -
As mulheres têm mais sensibilidade, o que pode ajudar nesse trabalho, mas o ideal, ao meu ver, é aliar isso à capacidade de organização dos homens. O luxo precisa de criatividade, mas precisa também de uma boa produção. É por isso que existem boas mulheres e bons homens nesse mercado.