Sônia Machiavelli
Autora de Uma Bolsa Grená, Estações, Jantar na Acemira e O Poço
Tão poucas vezes a abreviatura que compõe o título vem à tona no noticiário, mergulhada num mar de esquecimento e desdém pelo poder público, que é melhor começar explicando o seu significado: MIS são as três iniciais de Museu da Imagem e do Som.
Quando foi criado, por iniciativa do então vereador Valdes Rodrigues, nos anos 90, representou alento para quem percebe que o ser humano é finito e a comunidade deve colher e preservar depoimentos dos que ajudam a reconfigurá-la a cada geração. Uma questão de justiça, entre outras razões para justificar sua existência.
Valdes Rodrigues dignificou e singularizou o seu mandato com sugestões criativas e de parcerias efetivas entre administração e cidadãos, como o Adote uma praça. Bons tempos. Pessoas como ele fazem muita falta na vida pública; são elas que oxigenam câmaras de ares viciados e movidas à lei da inércia.
O Museu da Imagem e do Som deveria atuar no campo da memória, pesquisando, entrevistando, gravando vozes e relatos, fotografando pessoas e lugares, pois ambos, gente e espaços urbanos, são transitórios, impermanentes. Desde a sua criação, no entanto, o MIS não funcionou seguindo esses parâmetros. Sua dinâmica não desabrochou. O movimento de expansão que deveria marcar o trabalho nunca se tornou fato. As diversas diretorias que se sucederam não apresentaram à população nenhuma mostra que valesse a pena. A não ser que se considere exposição um arrranjo de fotos mal conservadas e de má qualidade, sem unidade temática, penduradas em cordão num cantinho do Shopping, como se fossem cordeis, em improvisação que seria cômica se não fosse trágica pelo que denotou.
Estamos perdendo tempo com um museu que deve custar alguma coisa aos cofres públicos mas não retorna em prestação de serviço, não diz à população qual a razão de sua existência. Pessoas significativas no processo de transformação da cidade morreram sem serem ouvidas. Lugares francanos que já desapareceram não foram filmados nem fotografados. O tempo escoa e nada aparece de efetivo num órgão que existe, pelo menos na sua gênese, para resgatar lembranças e fixar momentos sobretudo para os pósteros. Escrevemos no presente futuros antanhos: a frase de Guimarães Rosa cabe aí como luva.
Estas considerações vêm à baila mais uma vez porque por ocasião do aniversário da cidade a reportagem do caderno Artes, deste jornal, procurou o atual diretor do MIS. A repórter Paula Facirolli queria saber a respeito da programação do museu para os 186 anos de Franca. A resposta foi que nada tinha sido preparado.
O que irrita a quem observa essa carruagem emperrada é o fato de que a proposta inicial foi excelente, estruturada de forma simples, como todas as boas idéias. O que surpreende é como o prefeito Sidnei Rocha, homem de temperamento enérgico e vontade férrea, tem deixado coágulos deste tipo impedindo o fluxo de um setor ligado à cultura e que poderia garantir à posteridade depoimentos e imagens relevantes para o entendimento da contribuição dos cidadãos e da transformação dos espaços urbanos.
O Museu da Imagem e do Som poderia ser instrumento importante no processo de conservação de nossa memória, desde algum tempo ameaçado por miopia avançada e surdez crônica. Ano acabando, outro chegando, quem sabe as musas possam soprar nos ouvidos de quem ainda esteja escutando - e detém poder - que muitas vezes é preciso mudar para não desaparecer?