NOSSAS LETRAS

Se houver amor

Por Ariel Bruna | Especial para o GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 4 min
fragmento de painel em processo de criação

Em “preto e branco e poético” vamos falar de escolhas e dúvidas, de empoderamento, culpa e silenciamento. Vamos falar de acolhimento e silêncio confortável, de poesia e busca por equilíbrio. Vamos falar de tudo que nos convém inclusive do direto de surtar nesse mundo caótico. Só não me faça pergunta difícil querendo saber se está tudo bem, porque a resposta pode ser outra pergunta: você vai dar conta de tudo hoje?

_ Oi amiga, tudo bem?

_ Oie! Sim, tá tudo bem.

“Tá tudo bem” são três palavras, mil versões da verdade e nenhuma resposta sincera. Sempre chega o dia em que a ferida é cutucada, e aquilo que tentamos ignorar busca atenção. E na real? Não precisamos nos curar hoje, mas também não precisamos fingir que não dói. Parece que a vida quer que lidemos com as coisas de formam madura. Olha só como a vida está ousada! Existe um tipo de exaustão que vem de tentar se encaixar no passo dos outros e não no seu próprio caminho. Na verdade, essa desorientação que fica não é por causa de “um tanto de coisa” que nem sempre nomeamos, mas sim do tanto de expectativa que nós colocamos no que fazemos. Tem dias que nossas feridas se disfarçam de urgência e o passo mais honesto que podemos dar é admitir que algo dentro de nós está pedindo colo. Tentamos organizar as ideias e explicar os sentimentos, mas no fim é apenas uma vontade tremenda de ser acolhida.

Parece insano, mas podemos ser maduras e racionais e mesmo assim estarmos exaustas de sermos a parte sensata da história. Ser forte o tempo todo é o disfarce perfeito para quem não sabe pedir ajuda. E a parte mais difícil de se amar e de se cuidar é, justamente, admitir que tem dias que não dá e que precisamos ser cuidadas. Quantas vezes você já ouviu: “porque você é tão calma sempre?” Eu não sou, treino calma para não surtar. Essa prática é dialética e traz equilíbrio temporário, logo se torna autoengano e o combate continua pois tem muita coisa gritando aqui dentro.

Toda vez que forçamos leveza, nosso corpo carrega o peso. O maior perigo não está em sentir demais, mas sim em reagir sem entender de onde vem os sentimentos. Às vezes, pode ser só raiva querendo virar coragem ou o orgulho com medo de ser ferida. Preste atenção: está tudo bem se respirar antes de responder. Quem corre de tudo que sente tropeça no que não entendeu. Entre o que se sente e o que se mostra existe uma névoa difícil de atravessar. Às vezes pode ser difícil decifra-se. O mal-estar vem do outro ou da nossa expectativa? O silêncio pode parecer lugar seguro e cria um “escudo” ampliando o conflito e você pode acabar em um roteiro (ou conversa) onde ninguém diz o que realmente importa.

A vontade de agradar mascara o incômodo, e a dúvida pode virar desculpa para não nos posicionarmos. Olhe para dentro de você, se a conexão está confusa talvez a resposta esteja justamente no que você não teve coragem de perguntar a si mesma. Com as perguntas certas, as ideias vão se completando aos poucos, as decisões se aquecem como quem começa entender onde está pisando. Agora vem aquele silêncio que organiza, que acolhe e abriga, um silêncio que diz.  O que é dito com intenção vale mais que um discurso interminável. Tem dias que as palavras ganham corpo, ação e direção, e aquela sensação antes necessária de vencer a disputa numa conversa se transforma no exato momento em que eu consigo me ouvir no meio da falação e posso ouvir dentro de mim:  sim, já está claro quem sou!

Há tempos entendi que a urgência de falar talvez seja o medo de escutar. Por muito tempo falei e falei sentindo essa necessidade de expressar o que nem sempre precisa ser explicado. Um exercício que acaba se tornando ruído e, no fim está tudo bem, porque tenho várias versões de mim mesma tentando decidir qual delas faz mais sentido hoje. Nesses momentos inspirada, imito Fernando Pessoa dando voz a seu heterónimo Álvaro de Campos no poema Tabacaria: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo".

O que me move hoje? A poesia é uma força maior que traz movimento e calmaria para a vida. A beleza do momento presente está em saber o que quero e por que quero, e saber a diferença de querer o que quero só porque posso querer. O difícil não é fazer uma escolha, mas o que deixamos para trás escolhendo. Os céus abrem portas e tudo vai se encaixando, parece que a sorte começou a sorrir. Seria apenas porque acordando para viver esse dia que eu me sinta finalmente pronta? Compreendi que não preciso entender tudo, apenas o que faz sentido AGORA. A pergunta que faço a quem tenha lido meus devaneios até aqui é: você vai dar conta de tudo hoje? Se houver amor na sua resposta, já é um bom caminho.

Ariel Bruna é colorista profissional, proprietária do espaço de beleza @arieldouradohair e escreve diariamente na página @pretoebrancoépoetico. É mãe da Sophia e do João Lucas. Uma mulher com medos bobos e coragens absurdas.

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários