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NOSSAS LETRAS
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O colecionador de histórias reais
O colecionador de histórias reais
Gosto de ler biografias, já expressei isso por aqui. Elas ensinam muito em todos os campos da existência. Leia o artigo de Sonia Machiavelli.
Gosto de ler biografias, já expressei isso por aqui. Elas ensinam muito em todos os campos da existência. Leia o artigo de Sonia Machiavelli.
Por Sonia Machiavelli | 28/10/2023 | Tempo de leitura: 6 min
Especial para o GCN/Sampi
Por Sonia Machiavelli
Especial para o GCN/Sampi
28/10/2023 - Tempo de leitura: 6 min

Gosto de ler biografias, já expressei isso por aqui. Elas ensinam muito em todos os campos da existência. No dos afetos, considerando que emoções e sentimentos são inalienáveis. No dos desafios, onde a variedade de reações surpreende. No da apreensão da realidade, onde há tantas interpretações que nos perguntamos muitas vezes se o que é real para uns o é para outros.
De certo mesmo é que cada vida vai se construindo segundo valores que nascem no ambiente familiar, se desenvolvem nos contatos fora do lar, vão se lapidando (ou não) no transcorrer dos anos. Assim mostram as biografias, e ficou claro para mim ao ler recentemente a de Nisa Neila de Almeida Liporoni, “O rio que habita em mim”, e, da mesma forma, agora, a de seu marido, Fábio Celso de Jesus Liporoni, “O colecionador de histórias reais”. O casal alcançou algo bonito e precioso ao elencar os fatos principais de suas existências: transpôs para as páginas, através de palavras que definiram o estilo de cada um, o legado de suas vidas.
A biografia de Fábio já no título afasta qualquer aposta na ficção, ainda que, neste gênero, em geral ela possa surgir aqui e ali. No prefácio o autor explica a gênese de seu livro afirmando que sempre gostou de “colecionar algumas coisas que abriam minhas portas para o mundo: já colecionei selos, moedas e cédulas, relógios de bolso, sobrenomes. Coisas simples e acessíveis à maioria das pessoas (...) Sem que eu percebesse, fui colecionando vivências, causos, acontecimentos, realizações, emoções, paixões que fizeram de mim um colecionador de histórias reais. E de que vale uma coleção se não pudermos compartilhá-la com alguém que, assim como nós, gosta de saborear a vida?”
Quem pensa desse modo é pessoa de temperamento generoso, e isso o leitor vai constatar pontualmente em várias páginas. A primeira parte do livro traz à tona os antepassados do autor, oriundos da Europa. Da Itália, os Liporoni; da Espanha, os Alarcon Garcia. Todos chegados ao Brasil no comecinho do século XX, naqueles navios cujas travessias custosas do Atlântico foram temas de livros, filmes e, atualmente, séries. A saga dos emigrantes, deixando por causa de necessidades básicas a terra natal em busca de outra que lhes possibilite viver com um mínimo de dignidade, sempre atraiu os que são sensíveis ao destino dos seres humanos obrigados ao deslocamento de território.
Estes primeiros capítulos da biografia, como os demais ilustrados com fotos, documentos e mapas, apresentam os ascendentes do biografado que se fixaram nas regiões rurais de Jeriquara, Alto da Serra, Bom Jardim e Claraval, onde os homens trabalhavam duro junto com suas mulheres, e estas davam à luz assistidas por parteiras ou vizinhas, como aconteceu à avó de Fábio, a nona Natalina. Foi a preocupação de colocar os filhos na escola e lhes dar boa educação, característica comum aos emigrantes, que levou os pais de Fábio, Marianna e João, a se mudarem para Franca.
Relembrando seus tempos de menino, Fábio Liporoni resgata a fisionomia urbana da época e as escolas públicas que frequentou. Lembra ainda o Ateneu Francano, escola particular para ensino técnico, onde cursou Contabilidade, paralelamente ao Científico no Instituo de Educação “Torquato Caleiro”. Mais talentoso para as Ciências Exatas que para as Humanas, seguiu sua vocação dedicando-se aos estudos contábeis que lhe abririam caminho para o primeiro emprego. Anos depois cursaria Direito. Há várias menções a um tio muito querido; aos irmãos Castro, Maria de Lourdes, Maria Rita- que escrevem sobre ele textos amorosos; e, obviamente, aos pais: a mãe inteligente e decidida; o pai sábio e apaziguador. Com o casamento, a formação de sua própria família, a chegada dos filhos, novos desafios no trabalho, encerra-se a primeira parte.
A segunda se abre com o título “Um dedo de prosa”, e logo nas primeiras linhas o leitor vai se deparar com um trecho que explica o que vem pela frente: “ (...) o homem não vive só e nem tampouco se constrói sozinho. Estamos ligados de maneira inseparável à sociedade à qual pertencemos, e às circunstâncias que nos vão sendo apresentadas ao longo do tempo”. Os capítulos que se seguem são ricos ao traçar os movimentos políticos que definiriam os rumos do país, com “a criação das condições necessárias que impulsionassem a industrialização nacional de forma efetiva”, como estradas de rodagem e usinas hidrelétricas. Em Franca, a população crescia, fundavam-se fábricas de calçados e componentes, expandia-se o comércio, a construção civil deslanchava, mais migrantes chegavam, a cidade crescia (...) Era um tempo de oportunidades.”
Nesse contexto favorável, o autor tinha dupla jornada: desempenhava funções de contador numa empresa grande e de chefe de escritório em outra. Ali foi o começo da sua vida profissional, que só teria êxitos, recompensa da dedicação e da seriedade ao trabalho. De contador e depois advogado, tornou-se um dos primeiros grandes loteadores da cidade, contribuindo para seu crescimento. Em certo momento, dedicou sua energia à política, elegendo-se vereador em quatro legislaturas e contribuindo de forma efetiva para a modernização da câmara municipal. Foi nesse ambiente de esforço, algumas renúncias, viagens alegres, muito trabalho e foco nos sonhos que os filhos- Tânia, Fabio e Adriana- nasceram, cresceram e deram a Fábio e Nisa os netos.
A vida do autor é a de um homem vitorioso que teve um propósito de vida desde muito cedo vislumbrado. Dedicou-se a construir-se a cada dia através do estudo, do trabalho, dos relacionamentos, da dedicação à família e do olhar cuidadoso para a comunidade francana. Lendo seus relatos bem costurados, o leitor tem uma ideia do seu desenvolvimento como pessoa e cidadão, e ao mesmo tempo do progresso de Franca, que transparece de forma às vezes objetiva, às vezes subliminar em várias páginas.
Há linearidade na linha dos acontecimentos, clareza de linguagem, leveza na transmissão das impressões. Tudo conflui para mostrar o biografado como pessoa de temperamento firme mas leve, talvez inspirado pela vida do pai, a quem se refere num dos capítulos iniciais: “(...) ao me revelar seu segredo para a longevidade, ele estava me dizendo que o observasse e aprendesse com seu exemplo: não dá para ser feliz o tempo todo, mas isso não impede ninguém de construir uma vida feliz.”
Não posso deixar de acrescentar aqui um dado pessoal. Tinha treze anos quando a irmã de Fábio, minha amiga Rita, convidou-me para ir com sua família a uma fazenda da região. Fábio era quem nos levaria. Ser urbano, eu nunca tinha ido ao campo. Então, foi aquela maravilha. E, nitidamente, retive na memória uma frase do Fábio jovem, sorridente, educado, acolhedor e gentil, me perguntando: “Então, menina, gostando do passeio?”
Gostei muito daquele passeio. Gostei muito desse outro passeio que a biografia me permitiu. Reunidos pela emoção, ambos me lembraram uma frase de Buffon: “O estilo é o homem”.
Gosto de ler biografias, já expressei isso por aqui. Elas ensinam muito em todos os campos da existência. No dos afetos, considerando que emoções e sentimentos são inalienáveis. No dos desafios, onde a variedade de reações surpreende. No da apreensão da realidade, onde há tantas interpretações que nos perguntamos muitas vezes se o que é real para uns o é para outros.
De certo mesmo é que cada vida vai se construindo segundo valores que nascem no ambiente familiar, se desenvolvem nos contatos fora do lar, vão se lapidando (ou não) no transcorrer dos anos. Assim mostram as biografias, e ficou claro para mim ao ler recentemente a de Nisa Neila de Almeida Liporoni, “O rio que habita em mim”, e, da mesma forma, agora, a de seu marido, Fábio Celso de Jesus Liporoni, “O colecionador de histórias reais”. O casal alcançou algo bonito e precioso ao elencar os fatos principais de suas existências: transpôs para as páginas, através de palavras que definiram o estilo de cada um, o legado de suas vidas.
A biografia de Fábio já no título afasta qualquer aposta na ficção, ainda que, neste gênero, em geral ela possa surgir aqui e ali. No prefácio o autor explica a gênese de seu livro afirmando que sempre gostou de “colecionar algumas coisas que abriam minhas portas para o mundo: já colecionei selos, moedas e cédulas, relógios de bolso, sobrenomes. Coisas simples e acessíveis à maioria das pessoas (...) Sem que eu percebesse, fui colecionando vivências, causos, acontecimentos, realizações, emoções, paixões que fizeram de mim um colecionador de histórias reais. E de que vale uma coleção se não pudermos compartilhá-la com alguém que, assim como nós, gosta de saborear a vida?”
Quem pensa desse modo é pessoa de temperamento generoso, e isso o leitor vai constatar pontualmente em várias páginas. A primeira parte do livro traz à tona os antepassados do autor, oriundos da Europa. Da Itália, os Liporoni; da Espanha, os Alarcon Garcia. Todos chegados ao Brasil no comecinho do século XX, naqueles navios cujas travessias custosas do Atlântico foram temas de livros, filmes e, atualmente, séries. A saga dos emigrantes, deixando por causa de necessidades básicas a terra natal em busca de outra que lhes possibilite viver com um mínimo de dignidade, sempre atraiu os que são sensíveis ao destino dos seres humanos obrigados ao deslocamento de território.
Estes primeiros capítulos da biografia, como os demais ilustrados com fotos, documentos e mapas, apresentam os ascendentes do biografado que se fixaram nas regiões rurais de Jeriquara, Alto da Serra, Bom Jardim e Claraval, onde os homens trabalhavam duro junto com suas mulheres, e estas davam à luz assistidas por parteiras ou vizinhas, como aconteceu à avó de Fábio, a nona Natalina. Foi a preocupação de colocar os filhos na escola e lhes dar boa educação, característica comum aos emigrantes, que levou os pais de Fábio, Marianna e João, a se mudarem para Franca.
Relembrando seus tempos de menino, Fábio Liporoni resgata a fisionomia urbana da época e as escolas públicas que frequentou. Lembra ainda o Ateneu Francano, escola particular para ensino técnico, onde cursou Contabilidade, paralelamente ao Científico no Instituo de Educação “Torquato Caleiro”. Mais talentoso para as Ciências Exatas que para as Humanas, seguiu sua vocação dedicando-se aos estudos contábeis que lhe abririam caminho para o primeiro emprego. Anos depois cursaria Direito. Há várias menções a um tio muito querido; aos irmãos Castro, Maria de Lourdes, Maria Rita- que escrevem sobre ele textos amorosos; e, obviamente, aos pais: a mãe inteligente e decidida; o pai sábio e apaziguador. Com o casamento, a formação de sua própria família, a chegada dos filhos, novos desafios no trabalho, encerra-se a primeira parte.
A segunda se abre com o título “Um dedo de prosa”, e logo nas primeiras linhas o leitor vai se deparar com um trecho que explica o que vem pela frente: “ (...) o homem não vive só e nem tampouco se constrói sozinho. Estamos ligados de maneira inseparável à sociedade à qual pertencemos, e às circunstâncias que nos vão sendo apresentadas ao longo do tempo”. Os capítulos que se seguem são ricos ao traçar os movimentos políticos que definiriam os rumos do país, com “a criação das condições necessárias que impulsionassem a industrialização nacional de forma efetiva”, como estradas de rodagem e usinas hidrelétricas. Em Franca, a população crescia, fundavam-se fábricas de calçados e componentes, expandia-se o comércio, a construção civil deslanchava, mais migrantes chegavam, a cidade crescia (...) Era um tempo de oportunidades.”
Nesse contexto favorável, o autor tinha dupla jornada: desempenhava funções de contador numa empresa grande e de chefe de escritório em outra. Ali foi o começo da sua vida profissional, que só teria êxitos, recompensa da dedicação e da seriedade ao trabalho. De contador e depois advogado, tornou-se um dos primeiros grandes loteadores da cidade, contribuindo para seu crescimento. Em certo momento, dedicou sua energia à política, elegendo-se vereador em quatro legislaturas e contribuindo de forma efetiva para a modernização da câmara municipal. Foi nesse ambiente de esforço, algumas renúncias, viagens alegres, muito trabalho e foco nos sonhos que os filhos- Tânia, Fabio e Adriana- nasceram, cresceram e deram a Fábio e Nisa os netos.
A vida do autor é a de um homem vitorioso que teve um propósito de vida desde muito cedo vislumbrado. Dedicou-se a construir-se a cada dia através do estudo, do trabalho, dos relacionamentos, da dedicação à família e do olhar cuidadoso para a comunidade francana. Lendo seus relatos bem costurados, o leitor tem uma ideia do seu desenvolvimento como pessoa e cidadão, e ao mesmo tempo do progresso de Franca, que transparece de forma às vezes objetiva, às vezes subliminar em várias páginas.
Há linearidade na linha dos acontecimentos, clareza de linguagem, leveza na transmissão das impressões. Tudo conflui para mostrar o biografado como pessoa de temperamento firme mas leve, talvez inspirado pela vida do pai, a quem se refere num dos capítulos iniciais: “(...) ao me revelar seu segredo para a longevidade, ele estava me dizendo que o observasse e aprendesse com seu exemplo: não dá para ser feliz o tempo todo, mas isso não impede ninguém de construir uma vida feliz.”
Não posso deixar de acrescentar aqui um dado pessoal. Tinha treze anos quando a irmã de Fábio, minha amiga Rita, convidou-me para ir com sua família a uma fazenda da região. Fábio era quem nos levaria. Ser urbano, eu nunca tinha ido ao campo. Então, foi aquela maravilha. E, nitidamente, retive na memória uma frase do Fábio jovem, sorridente, educado, acolhedor e gentil, me perguntando: “Então, menina, gostando do passeio?”
Gostei muito daquele passeio. Gostei muito desse outro passeio que a biografia me permitiu. Reunidos pela emoção, ambos me lembraram uma frase de Buffon: “O estilo é o homem”.
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