FEMINICÍDIO

Entenda quebra-cabeça com depoimentos de testemunhas e de assassino de estudante na UFPI

Enfermeira relatou lesão com sangramento nas parte íntimas e hematomas no rosto, no olho e no braço. Amigo do suspeito teria dito a segurança que 'bebida mata'

30/01/2023 | Tempo de leitura: 8 min
Agência O Globo

Reprodução/Redes sociais

Segurança narra que Thiago aparentava nervosismo e apreensão
Segurança narra que Thiago aparentava nervosismo e apreensão

Provas, indícios e depoimentos de testemunhas contidos nos autos que acabaram por justificar a prisão em flagrante de Thiago Mayson da Silva Barbosa, de 28 anos, pelos crimes de estupro e feminicídio, afastam cada vez mais a versão apresentada por ele à polícia, de que teria tido relações sexuais consensuais com a estudante de jornalismo Janaína da Silva Bezerra, de 22 anos, na madrugada daquele dia 28 de janeiro, na Universidade Federal do Piauí (UFPI), em Teresina, e de que ela teria morrido "repentinamente". A jovem já chegou morta ao Hospital da Primavera. Além do pescoço quebrado, apresentava lesões no rosto, no olho, braço direito, e sangramento nas partes íntimas. Também estava com sua roupa – rasgada e ensanguentada – escondida por debaixo de vestes masculinas: uma camisa e uma bermuda, que seriam do suspeito.

Um laudo preliminar do Instituto de Medicina Legal de Teresina (IML) também já confirmou que houve violência sexual contra a jovem: ela teria sido estuprada e tido o pescoço quebrado.

O GLOBO teve acesso a alguns dos depoimentos contidos no inquérito e que ajudam a montar o quebra-cabeça do crime. Aos investigadores, um segurança da universidade narrou que encontrou Thiago saindo do setor do curso de Matemática com a vítima nos braços e na companhia de um colega. Eram por volta das 9h40 da manhã. Segundo ele, a garota já estava "com os olhos virados" e sem pulso. Naquele momento, percebeu que ela já estava sem vida. Ele afirma que, então, indagou o estudante: "essa moça está morta! o que houve?". Teve como resposta a justificativa de que ela estava bêbada.

'Bebida mata', teria dito colega de Thiago
Em seguida, o profissional conta que notou um hematoma no rosto de Janaina. Thiago, então, teria dito que "achava" que ela havia sofrido uma queda. Por fim, questionou sobre a mancha de sangue que notara na região da virilha da estudante. "O rapaz respondeu que a jovem estava menstruada", disse.

O segurança narra que Thiago aparentava nervosismo e apreensão, diferente do outro homem, que afirmava repetidas vezes: "bebida mata". Este segundo rapaz, inclusive, tentou pedir um Uber, alegando que era para levar a jovem ao hospital, mas foi impedido. Foi quando um responsável pelo curso foi chamado e, conta ele, os direcionou ao Hospital da Primavera.

Lesões e celular sujo de sangue
O depoimento dado pelo policial militar que efetuou a prisão de Thiago ajuda a entender o que teria acontecido em seguida, poucas horas depois. O agente afirma que ele e um outro colega militar estavam em ronda quando, por volta das 10h28, foram chamados para dar apoio a uma ocorrência no Hospital Primavera. Eles haviam sido chamados pela equipe médica, que notou os sinais de violência no corpo de Janaina.

Ao chegar, ele narra que foi recebido por uma enfermeira, que descreveu a forma como Janaina chegou à unidade. "Já chegou sem vida e com suspeita de violência", teria dito a mulher; "havia sangue nas vestes e na partes intimas, e na vagina da jovem havia uma lesão; possivelmente a vítima teria sido agredida, pois apresentava lesões no rosto e nos olhos; estava vestida com uma roupa masculina, sendo uma bermuda e uma camisa por cima da sua; a blusa da vítima estava rasgada". Em seguida, o PM ainda recebeu da equipe do hospital o celular cor-de-rosa da vítima, que estava sujo de sangue, e foi apreendido. Foi neste momento que foi informado pelos médicos sobre onde estava Thiago, que foi ouvido e preso em flagrante.

Suspeito diz que dormiu ao lado da vítima após ela 'desmaiar'
Já na delegacia, Thiago Mayson, então, deu sua versão sobre o que teria acontecido naquela noite. O teor do depoimento é sensível e praticamente descartado pela polícia, sobretudo após o laudo IML. Ele diz que a relação sexual foi consentida e que eles já haviam transado antes – fato que é negado por uma amiga de Janaina. Ele diz ter praticado ato sexual com a garota mesmo após ela já ter "dormido durante o ato" e dito que não estava se sentindo bem.

Em sua oitiva, o suspeito narra que participava de uma "calourada" que ocorria na UFPI, e que por volta de 2h da manhã, encontrou Janaina, "com quem já havia ficado em uma ocasião anterior". Eles teriam conversado e ele afirma que, então, decidiram ir a um dos corredores do setor de Matemática. Em seguida, foram à sala de estudos, da qual ele tinha a chave. Thiago conta que, neste momento, eles tiveram uma relação sexual consentida, o que é rechaçado pelos investigadores. Afirma ainda que a camisinha rasgou, mas a vítima teria consentido em continuar a relação mesmo assim. Eram por volta das 3h da madrugada quando, segundo ele, "durante a primeira relação sexual, Janaina dormiu".

Thiago afirma que, neste momento, decidiu cochilar também. Teria acordado cerca de 1 hora depois, com o celular da vítima tocando. Era uma ligação de uma amiga dela – que é uma das testemunhas-chave do caso. Ele afirma que "conseguiu" acordá-la e que ela disse à colega que estava com fome e que não havia comido durante o dia. Em seguida, ele afirma que eles teriam se relacionado mais uma vez. Nesse momento, ele relatou que, durante o ato, "sentiu que Janaina havia desmaiado, e que acredita que nessa hora ela tenha batido a cabeça no chão". Ja eram por volta das 5h. Ao invés de chamar uma ambulância ou mesmo socorrê-la, no entanto, ele diz que "deitou ao lado de Janaina e acordou depois das 6h". A jovem já estava morta. Por fim, diz que, quando acordou, notou que ela estava ensanguentada e "com a pele fria". Foi quando decidiu descer com a garota nos braços e pedir a ajuda do amigo.

Homem 'bastante embriagado' e mensagem 'estranha'
A amiga de Janaina, que esteve com ela naquela noite, conta que a vítima chegou na festa por volta das 22h30. E explicou que as festas de "calourada" eram comuns nas quintas e sextas-feiras no campus da universidade – apesar de a UFPI afirmar que não tinham autorização para acontecer.

A estudante afirma que estava no bar da festa, ajudando a vender bebidas, e que viu Janaina beber duas caipirinhas e duas doses de tequila entre 22h30 e 2h30, momento em que Thiago teria se aproximado para conversar com Janaina. Segundo ela, eles conversaram por cerca de 20 minutos. Questionada pela amiga, Janaina teria dito que ainda não sabia se queria ficar com o rapaz.

"Pouco depois, os dois levantaram e seguiram sentido ao corredor direito, próximo ao herbário", narrou. Questionada pelo delegado, confirmou que Janaina e Thiago já haviam se beijado uma vez, mas que nunca haviam praticado ato sexual. A amiga, então, diz que tentou impedir que Janaina subisse com Thiago, porque acreditava que ele "já estava bastante embriagado", momento em que o suspeito teria sido agressivo com ela.

"Ela estava consciente e não aparentava embriaguez", disse a testemunha. Ela contou ainda que, cerca de 30 minutos depois de os dois terem subido, recebeu uma mensagem do celular de Janaina: "Eu estou de boa", dizia. "A partir dessa mensagem, que eu achei estranha, comecei a mandar mensagem para Janaina e não tive resposta", disse. Ela afirmou que, depois disso, só voltou a ter informações sobre Janaina na manhã do dia 28, quando ela já estava sem vida no Hospital da Primavera.

Naquela manhã, inclusive, a mãe de Janaina entrou em contato com a jovem, preocupada e pedindo informações sobre o paradeiro da filha. A mulher contou em depoimento que recebeu da jovem apenas a informação de que ela havia saído com um "pau no c*", estudante da faculdade, que era Thiago. Àquela altura, a amiga também não sabia o que havia acontecido.

Indignação e repúdio, diz UFPI
Thiago está preso preventivamente pelos crimes de estupro e feminicídio. A UFPI divulgou comunicados oficiais sobre o caso, onde afirma que não havia autorização para a festa acontecer no campus e que, já na manhã de sábado, o reitor determinou a imediata instauração de processo administrativo para apuração dos fatos, bem como a responsabilização dos envolvidos e que disponibilizará todo o apoio que possa auxiliar no trabalho das autoridades policiais.

Após divulgação do laudo do IML que comprovou que houve estupro seguido de morte, a universidade também emitiu um posicionamento:

"Face às informações divulgadas hoje (29) pelo Instituto de Medicina Legal de Teresina (IML) e Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), com manifestações das autoridades competentes, a Universidade Federal do Piauí (UFPI) externa, com profunda indignação, repúdio acerca da violência cometida contra a aluna Janaina da Silva Bezerra, que também agride cada uma das mulheres que integram a comunidade ufpiana, bem como todos que hoje se colocam no lugar de fala de uma delas.

Falar por Janaina é não aceitar nenhum tipo de agressão contra mulheres, é trabalhar para que a luta contra essa violência resulte na mudança do cenário de cultura machista em que se baseiam tais atitudes. Falar por Janaina é não aceitar que a força de um corpo masculino prevaleça sobre um corpo feminino. Falar por Janaina é não se acovardar diante de atos de violência de qualquer natureza. Falar por Janaina é defender o respeito às mulheres e fomentar sua ampla inclusão nos espaços sociais, com reflexos nas áreas de ensino, pesquisa e extensão no País. Falar por Janaina é prestar solidariedade à sua família e também a cada pai e mãe que perde uma filha por circunstâncias semelhantes. Falar por Janaina é exigir a punição do crime com o rigor da lei. Falar por Janaina é dizer não ao feminicídio e ansiar por justiça! A UFPI fala e falará por Janaina com vozes, ações e atitudes!" A reportagem não conseguiu contato com a defesa do réu.

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